quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Elis: Festival Montreux Jazz Festival 1979.


A nova capa do disco que será lançada neste mês
“...Elis sabia que o disco ao vivo em Montreux, que poderia impulsionar sua carreira internacional, não sairia. Achava que tinha chutado um pênalti para fora. De volta ao Brasil, exigiu um juramento de que nunca lançaria aquela gravação, nunca, nem depois que ela morresse.”
O depoimento acima, atribuído a Nelson Motta, dá uma ideia do quanto a autoestima de uma das maiores intérpretes que o Brasil já teve era frágil. Mas, por obra do destino e das gravações feitas na tarde e noite do 13º Montreux Jazz Festival, na Suíça, a promessa não foi cumprida. Anos depois, o disco que fora planejado para consolidar Elis no cenário internacional, contra sua vontade, saiu em LP. Póstumo, discreto – e, provavelmente, um dos mais geniais shows feitos pela intérprete em sua pequena grande trajetória.
Não é preciso ser bom entendedor de MPB ou conhecer as originais do repertório para reconhecer que se está diante de um talento doentio, febril, enlouquecedor e maravilhoso. Sem ensaios cuidadosos, execuções meticulosas ou técnicas castradoras, Elis e seus músicos Hélio Delmiro (guitarra), Luizão (baixo), Paulinho Braga (bateria), Chico Batera (percussão) e César Camargo Mariano (pianista e arranjador) cuspiram no público do festival uma seleção do que de melhor havia no País àquela época.
Elis e Hermeto: provocação de ambos
Cobra criada, que abre o disco, demora quase cinco minutos para ganhar voz, mas empolga desde o início, com um festival de contratempos e dissonâncias de piano e baixo. O climão saboroso e algo sexy da interpretação, típico de um festival de verão, continua com Cai Dentro, Madalena e o medley Ponta de Areia - Fé Cega, Faca Amolada - Maria Maria – ponto dos mais marcantes do show. Alguns poucos clássicos também figuram em versões mais frias e calculadas, como Águas de março, mas é nas desconstruções que este ao vivo se prova uma coletânea informal obrigatória.
A contra gosto, segundo reza a lenda, Elis recebeu no palco do festival o multiinstrumentista Hermeto Pascoal e, numa espécie de duelo, acompanhou-o em versões, para dizer o mínimo, experimentais de Asa branca, Corcovado e Garota de Ipanema. O resultado não é digno de comentários pseudointelectuais – basta ouvi-lo e qualquer preconceito em relação a versões-diferentes de canções ditas consagradas cai por terra.
Como tudo o que leva o selo da cantora, Montreux Jazz Festival é redondinho, muito bem executado, editado e produzido. É o tipo de registro que soa atemporal e, ao mesmo tempo, datado: por um lado, dá contornos atuais ao talento que Elis, então no final da carreira, subestimava. Por outro, lembra a quem não viveu aquela época (como eu) o quão grande a música brasileira já foi.
O disco Elis Regina Montreux Jazz Festival foi lançado em 1982, na esteira da comoção pela morte da cantora. E por que o trago aqui para celebrar a Semana Elis Regina no blog? Justamente por esse detalhe: Elis não queria ver o resultado deste show em vida, pois o achou muito inferior, um show fraco, cansativo e sem graça, ainda mais com músicas que ela detestava cantar, como as bossas novas e com a participação intimista, detalhista e intrometida de Hermeto, que, para Elis, parecia que estava ali para lhe destruir, destravar suas ancas e lhe fazer a pior imagem fora do Brasil.
Trazia nove faixas e ficou marcado pelas três em que Hermeto Pascoal, ao piano, e Elis improvisavam em clima de duelo. Mas havia muito mais. Ainda na década de 1990, o pesquisador e produtor Marcelo Froes encontrou nos arquivos da Warner o material completo: 27 faixas somando o show da noite de 20 de julho de 1979 no tradicional festival suíço com a passagem de som realizada à tarde. Assim como muitos artistas pop fazem hoje, Elis ensaiou com plateia, solução encontrada, acredita Froes, para contemplar quem não tinha ingresso para a apresentação noturna. Há números que só estão num dos dois períodos, casos de Águas de março e Triste, ambas de Tom Jobim. Todos estarão reunidos no CD duplo Um dia (R$ 32,90), que a Warner lança no próximo dia 27. Como tudo foi filmado, o produtor espera lançar o DVD ainda neste ano.
Também gravado ao vivo, Montreux Jazz Festival registra a participação da cantora no festival suíço, em 1979. Elis fez dois shows naquele dia. Um à tarde, em que fez uma ótima performance, e outro à noite, já cansada.
Lançado meses depois de sua morte, o LP de 1982 trazia só nove faixas, retiradas quase sempre da matinê.
Capa original do disco, lançado em 1979
Antes do disco que vai apresentar o registro ao vivo integral do show Transversal do Tempo, apresentado por Elis entre 1977 e 1978, os fãs da cantora vão ter à disposição a gravação integral de outro espetáculo controvertido na trajetória apimentada da artista. Por conta dos 30 anos de morte de Elis, completados neste mês de janeiro de 2012, a gravadora Warner Music põe nas lojas o registro ao vivo completo das duas apresentações feitas por Elis no Montreux Jazz Festival em 20 de julho de 1979. Organizado pelo produtor e pesquisador musical Marcelo Froes, o CD duplo Um Dia alinha os 13 números feitos pela cantora à tarde e os 14 da apresentação da noite, quando interpretou três músicas com Hermeto Pascoal ao piano. Por considerar ruim sua performance noturna, Elis logo vetou a edição da gravação ao vivo. Mas, após sua morte, a Warner lançou em 1982 o álbum póstumo Montreux Jazz Festival com nove números do show. Em 2001, reedição em CD do álbum - produzida por André Midani e Guti na série Arquivos Warner - acrescentou seis inéditas faixas-bônus ao repertório original. Contudo, é no disco duplo ao vivo Um Dia que os registros integrais das duas lendárias apresentações de Elis no célebre festival suíço vão vir à tona pela primeira vez.
Vale muito a pena ouvir este disco e assistir na íntegra este show, disponível nas redes sociais. Elis era, acima de tudo, uma cantora. E das boas.


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