quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O lado intimista de Daniela Mercury em O Axé, A Voz e O Violão (2016)

Daniela: do axé a Chico Buarque
Inventora do axé music e dona de uma voz que levanta a multidão, a cantora e compositora Daniela Mercury é um fenômeno que merece respeito por qualquer seara musical na qual explora. A prova cabal disso é que seu trabalho lançado no ano passado é uma mistura que engloba todos os ritmos nas quais a cantora transitou e que reúne desde Chico Buarque à Margareth Menezes, passando por Chico César e Lenine. Sendo a Rainha do Axé e com todo orgulho, a cantora fez o diferencial em sua carreira ao lançar o exuberante O Axé, A Voz e O Violão (26,99 / Biscoito Fino / 2016) que, na minha modesta opinião, é um disco que merece atenção, repeito e cumplicidade pelo trabalho integral de Daniela. Com 16 álbuns solos, além de canções inéditas nesse novo disco, Daniela nos brinda com ótimas releituras da MPB, o trabalho foi recebido mornamente pelo público e pela crítica. Aqui há emoção, sentimento, amor e a cantora nos remete a um passado em que as músicas eram tratadas com um zelo sem igual. Considero o disco como um todo um tanto minimalista em que a cantora vai esmiuçando o axé até se transformar em uma potente vocal e explosiva em pérolas da música popular brasileira e nos brindando com o melhor de seu cancioneiro, pois ela vai desde o início de sua carreira até chegar aos quilates da africanidade e se rendendo nos braços buarquianos. Aos 51 anos de idade, Daniela Mercury continua a se lançar a desafios que cada vez mais diversificados. Acostumada a sempre estar saracoteando nos palcos em movimentos amplos e largos, dançando praticamente sem parar, o som aqui fica praticamente a cargo da orquestra, movida pelo violão e pela suntuosa voz da cantora. Músicas carimbadas como O Canto da Cidade, Música de Rua, Você Não Entende Nada estão lá, em formato intimista e atemporal. Vindo desde os primórdios de sua carreira magistralmente bem conduzida, Daniela resolveu homenagear os mestres Chico Buarque e Gilberto Gil, assim como para mostrar que tudo é música brasileira, tudo é samba, tudo é brasilidade.  Vale a pena ouvir o som quase bossa novista da eterna rainha do axé em um momento único, especial e sublime.


O axé, a voz e o violão (2016) / Daniela Mercury
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

sábado, 26 de agosto de 2017

Os Tribalistas de 2017: melhor que em 2002


Os tribalistas: melhor que em 2002
Com um estilo mais autoral e menos conturbado que o primeiro lançamento de 2002, os Tribalistas ressurgem em um momento transformador e único na vida dos três mosqueteiros amigos e fazedores de música. A volta dos cinquentões, como já havia escrito em artigo anterior, demonstra toda a versatilidade de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte em meio a crises musicais que o Brasil vem passando nos últimos tempos. O novo disco é muito melhor que o disco que o de outrora a começar pelas letras, muito mais elaboradas e menos populista e pela sofisticação da capa, das vozes e do cenário musical que cada um interpreta em seus estilos solitários. Pode parecer banal, mas Tribalistas (2017 / Universal Music / 29,99) é um disco que merece ser ouvido e reouvido porque a sonoridade produzida aqui é de uma maestria sem igual. Assim como ainda acredito que ser tribal é pertencer ao grupo criado pelo trio, ou seja, apenas amigos são convidados a cantar com eles em estúdio ou ao vivo, fazendo desse tribalismo um ato de amor à música. É como se amigos de outros tempos se reunissem e ficassem cantando ao luar: é assim como este belo álbum é representado. Para se unir ao trio de amigos, a cantora portuguesa Carminho fecha o disco com uma delicadeza sem igual, na faixa que soa como infantil Os peixinhos. Tribalistas traz algumas mudanças em seu jeito de cantar e de ver o mundo e não se iguala ao trabalho anterior no quesito musicalidade, mas músicas como Feliz e Fora da Memória (e talvez apenas as duas) se assemelham com o disco de 2002. Para tanto, o trio estão muito engajados e antenados com o que acontece ao redor do Brasil ao abordar a música Diáspora. Sendo uma das melhores fases criativas de Arnaldo, Carlinhos e Marisa, Tribalistas subiu no meu conceito e passa a ter um respeito dentro daquilo que considero o melhor da música popular brasileira.


Tribalistas (2017) / Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte
Nota 9
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Eis o novo e velho Chico Buarque em Caravanas (2017)

Eis as caravanas de Chico Buarque
Mesmo sendo chamado de machista por metade daqueles que ouviram a faixa Tua Cantiga, disponibilizada dias atrás pelas redes sociais, Chico Buarque parece não ter dado muita trela e, mesmo com uma resposta singela sobre o caso, fez seu comboio passar a frente de uma dúzia de insatisfeitos e lançar seu novo trabalho à beira de muita crítica e muito blá blá blá. Depois de um hiato silencioso de seis anos, eis que Chico Buarque, o todo soberano cantor, poeta, político, compositor, amante das mulheres, dos bêbados, dos trabalhadores, solta o verbo em sete canções inéditas e em duas regravações. Não irei tratar aqui de um artista completo que Chico é, mas sim, medir esforços para não dizer o quanto insatisfeito ficarão os insatisfeitos e o quanto mais crítico fico com relação à sua música. Para todos os efeitos, gosto das músicas e de tudo aquilo que Chico faça ou venha a fazer, mas meu papel não é agradar aqueles que gosto ou defender um partido que na qual não estou disposto a fazê-lo. Caravanas (2017 / Biscoito Fino / 29,99) chega hoje às lojas físicas de todo o Brasil trazendo um disco bom (não ótimo), pegando rabeira em discos anteriores e se aproximando e muito de sua última criação, Chico, lançada em 2011, que já vinha com um martírio penoso de ter semelhanças com discos anteriores. Mas faz sentido o título que Chico deu ao seu novo trabalho: caravana é o mesmo que comitiva, comboio, frota e algo que remete a uma viagem; logo, Chico pega viagem em grandes distâncias para poder chegar a um lugar comum, que é o coração de alguém. Quem? Vamos por partes: quando lançou o espetacular As Cidades (1998), vindo de uma alegoria fantástica e criativa de Carioca (2006), o cantor não tinha nenhuma madame em mente. Alguns anos anteriores, Ivan Lins e Chico compuseram a emblemática Renata Maria, gravada magistralmente por Leila Pinheiro em seu disco Nos Horizontes do Mundo (2005), cujo até hoje soa como uma homenagem a alguma namorada. Depois disso, ele fez duas pérolas em formatos de trabalho (As Cidades e Carioca) e parou no tempo. Em 2011 lançou o morno Chico, em que nascera devido seu romantismo em torno da cantora e compositora Thaís Gullín. O namoro não deu certo e, cinco anos depois de separados, Chico conhece uma curitibana, com quem, segundo dizem, mantêm uma relação amorosa. Eis o ponto de partida para que o mestre do cancioneiro feminino tivesse prestes a voltar a compor. E isso de fato aconteceu com o nascimento de Caravanas. Será que Chico Buarque só vai conseguir compor quando estiver namorando? Seja como for, Caravanas não é um disco maravilhaso, mas como se trata de Chico Buarque, a espera é bem vinda e muito aguardada. Em alguns casos há um certo acerto, como o caso de Dueto, música que não é inédita, gravado com sua neta Clara Buarque, em que neta mostra ao avô o lado real e tecnológico das redes sociais. Outra sacada foi o também neto Chico Brown vir com sua esperteza em Massarandupió, onde o jogo de palavras rima perfeitamente com frases bem construídas, mas que nos remete a Subúrbio, onde há funk, palavrão e tudo aquilo que nunca esperamos de Chico, composta em 2006. Única faixa em espanhol, Casualmente é uma mistura simplória entre Havana e Brasil. E o samba-canção, marca registrada em discos iniciais, marca presença aqui com Desaforos, faixa que nos remete a Cotidiano. Enfim, a Caravana de Chico Buarque chegou, mas não trazendo tantas alegrias como era o esperado, porém, chegou um momento que transcende sua verve criativa dentro do imaginário dos netos, tão criativos quanto o avô, que, nesses últimos anos vem deixando a desejar, sem perder sua importância dentro da música popular brasileira.


Caravanas (2017) / Chico Buarque
Nota 7
Por Marcelo Teixeira

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Fernando Lauria presta homenagem a Gonzaguinha

Homenagem a Gonzaguinha


O cantor Fernando Lauria lança o álbum Gonzaguinha Palavra por Palavra no próximo dia 29 de agosto (terça feira), às 21 horas, no Teatro Itália, em São Paulo. Lauria acompanhado por João Cristal no piano, Marcos Paiva no baixo-acústico e Daniel de Paula na bateria, apresenta uma bela homenagem ao eterno Gonzaguinha, morto prematuramente em 1991. Trata-se de uma das minhas maiores influências musicais e há tempos planejo este projeto, explica o cantor. O atual álbum possui 12 faixas e a gravação e a mixagem ficaram por conta de Luis Paulo Serafim e ainda contou com as participações especiais de Daniel Gonzaga (Feliz), Graça Cunha (Lindo Lago do Amor) e Cassio Ferreira (Galope). Mas outras canções belíssimas estão no repertório, como Explode Coração, Diga Lá Meu Coração, O que é o que é, entre outras. O cantor realiza o show em tom emocionado e carregado de sentimentos explosivos. Vale a pena conferir esse show, que está envolvido com o Projeto Terças Musicadas.
Serviços:
Terças Musicadas apresenta Fernando Lauria e Trio em Gonzaguinha Palavra por Palavra
Data: 29/08/2017 – 21 horas
Local: Teatro Itália – Av. Ipiranga, 344 – Edifício Itália – Subsolo – Metrô República
Vendas online pelo site: www.compreingressos.com.
Telefone da bilheteria do teatro: (11) 3155 – 1979

Créditos da foto: Rodrigo Castro

sábado, 12 de agosto de 2017

A volta dos cinquentões Tribalistas


Os cinquentões Marisa, Arnaldo e Carlinhos

Quem não sabia que os Tribalistas voltariam, por favor, que atire a primeira pedra contra a própria cabeça! Estava nítido que o trio Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown voltariam a atuar, mesmo que isso demorasse vinte ou trinta anos. Quinze anos depois de lançarem a explosão musical que uniria os três amigos, eis que eles voltam com um disco de inéditas repleto de sensações e vibrações positivas, com características marcantes e suavidade diferente de seu roteiro inicial. E o disco vem em um momento especial para os três: enquanto Arnaldo completará 57 anos em setembro e Carlinhos 55 em novembro, Marisa completou 50 em julho passado. O trio de cinquentões mudou a concepção de música adquirida em sua primeira incursão e agora conseguem explorar mais as nuances musicais que outrora era impessoal e não reconhecida por eles. O markenting deles é forte: lançar inicialmente 4 músicas no mercado internético para lançarem no final desse mês o disco pronto. A ideia central de reunir Marisa, Arnaldo e Carlinhos é tão simples quanto objetiva: no centro, Marisa, que é amiga e detentora de várias canções de ambos, defende a tese de que amigos são importantes em nossa vida e, por esse motivo, devem ser repatriados numa esfera atemporal, uniforme e sensata. Arnaldo e Carlinhos, díspares de uma mesma sintonia musical musicalizada por Marisa, encontraram em seus versos uma maneira de unir e monopolizar aquilo que ambos jamais poderiam encontrar, que é a voz de Marisa dentro de um mesmo patamar. Carlinhos e Arnaldo conseguem, cada qual ao seu jeito, unificar na voz cristalina de Marisa aquilo que ambos querem transmitir e, sendo assim, conseguem fazê-lo com uma maestria ímpar. Embora seja um trio, cada musico aqui têm uma particularidade diferente: Marisa é a mentora do grupo, enquanto Carlinhos destoa a atmosfera transloucada de versos improvisados, trazendo a africanidade regente em sua verve e Arnaldo, um típico filósofo da atualidade, que consegue mirar em profundas, ricas e pobres vertentes num olhar puro e certeiro. Os Tribalistas são criteriosos e, por isso mesmo, erram e acertam em algumas canções. Se no primeiro disco, cujo fui um crítico ferrenho para tal, transcorridos 15 anos, posso dizer que alguma coisa mudou com relação à música que eles produziram. Agora há uma sonoridade menos populista e mais autoral, mais rude e mais intelectual, o que não aconteceu com o primeiro. Já era dada como certa a volta dos três aventureiros tribais e foi bom que esse hiato de quinze anos tenha ocorrido, pois, assim, a sua música ficou boa, dentro de um limite audível que os Tribalistas propuseram a cantar.

 
 
 

A volta dos Tribalistas
Por Marcelo Teixeira

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Leny Andrade - uma cantora brasileira


Leny : grande dama da MPB e sem rótulos
Embora muitos ou poucos a considerem como uma cantora de jazz, a própria Leny Andrade não se considera rotulada como tal. Leny gosta de ser chamada de cantora. Simplesmente cantora. Em alto e bom som e na sua mais plenitude definição. E por que e para quê limitá-la a um gênero quando se sabe que ela domina tantos outros? Se precisar for classificá-la de alguma maneira, a única palavra possível seria: brasileira. Então assim a chamemos: Leny Andrade, uma cantora brasileira. Assim como é uma cantora brasileira que fez mais sucesso (com merecimento) do que em solo americano, a própria Leny diz que é uma aspirante cantora americana. Nada nada e nada longe da verdade. Leny canta desde 1983, quase todo o ano, em Nova York. E tanto que, em 1993, dez anos depois, já com o Green card na bolsa, resolveu montar por lá um agradável espaço em formato de moradia onde pudesse pousar o corpo durante suas longas e lotadas temporadas no Ballroom, no Blue Note, no Town Hall e nas demais casas que disputavam o seu canto. Era também uma base confortável para onde retornar depois de se apresentar em Washington, em Los Angeles ou em cidades americanas. E até hoje é assim, com a diferença de que seu principal placo em Nova York passou a ser a casa de jazz mais respeitada do mundo: o Birdland, assim chamada para homeagear o saxofonista Charlie Bird Prker. Nenhuma cantora pode ser comparada à Leny, exceto Ella Fitzgerald. Excelente cantora que é, Leny é uma cantora que improvisa em vocais, lógica e assimétricas em explosivo dinamismo. Nascida no Rio de Janeiro em 1943, a cantora foi criada em conjuntos habitacionais e desde pequena sonhava em ser cantora. Ingressou na Bossa Nova tendo dois pontos centrais e cruciais: de um lado João Gilberto, que mantinha uma postura cool, equilibrada, simplista, justa e exata e de outro lado tinha a linha feminina que contrariava com a de Nara Leão, Dulce Nunes, Astrud Gilbert, Odette Lara, Wanda Sá, Joyce, Miúcha, Elza Soares, Elis Regina. Mas ao mesmo tempo que Leny tinha o exemplo e companheirismo de João Gilberto, ela se dividia entre outras inspirações e vertentes masculinas, como Wilson Simonal, Jorge Ben e Emílio Santiago. Mas ao adentrar na Bossa Nova, Leny provou que era Sambop, estilo totalmente diferente do estilo banquinho e violão. Um dos maiores desmentidos à história de que a bossa nova era cantar baixinho foi a entrada de Leny no movimento: cantar baixinho não era com ela. E mesmo assim, Leny foi a mais consagrada dentro desse time de cantoras extraordinárias. Miéle e Ronaldo Bôscoli foram os responsáveis pelo impacto da presença de Leny em solo brasileiro, quando produziram o histórico show Gemini V, que também contava com Pery Ribeiro e o Bossa Três. Depois disso, Leny percebeu que aqui não seria seu verdadeiro palco, embora saiba da sua responsabilidade em ser brasileira: o Brasil não a respeitaria como cantora, mulher e dona de uma das vozes mais autorais de seu tempo. Fez e faz sucesso nos Estados Unidos pelo conjunto da obra e lá o povo americano a reverencia como sendo a maior cantora de jazz do mundo.

Leny Andrade – uma cantora brasileira
Por Marcelo Teixeira

sábado, 5 de agosto de 2017

A morte de Luiz Melodia


Até qualquer hora, Luiz!
FOI  como uma bomba caindo sobre minha cabeça quando recebi nas primeiras horas da manhã de ontem que Luiz Melodia havia morrido. O Brasil ficou sem Luiz e sem Melodia. Se já estava complicado ouvir música em um país descabido de música, o que será de nós agora sem Luiz Melodia? O nosso ébano, nosso Zé Bedeu, nossa voz do morro carioca e nosso negro gato se foi para tristeza de muitos. Em 2015 me encontrei com Melodia em plena Avenida Paulista, aqui em São Paulo, onde falamos sobre as diferenças entre São Paulo e Rio de Janeiro e sobre muita música. Para quem não sabe, Luiz era um grande defensor da raça negra e lutava pela igualdade de valores e pela desigualdade que assolava nosso país. Foi um encontro natural, como de dois amigos que se reencontram em um momento qualquer. Luiz Melodia atravessou por mim como quem atravessa suas músicas por nossos poros, mentes e corpo. Perdemos a voz, perdemos o encanto, o jeito danado e o soul jazz de um dos maiores e melhores cantores do Brasil. Ontem passei o dia chorando, triste, relembrando desse dia que, para mim, já era importante e agora será mais ainda. Luiz Melodia não foi um cantor qualquer e muito menos um cantor de um estilo único: Luiz fora de uma categoria ímpar, de uma excelência sem igual, de uma humildade tamanha e de uma reciprocidade igual. Desde julho do ano passado, o cantor vinha se tratando de uma doença autoimune e chegou a passar por um transplante de medula óssea. Luiz, carioca da gema, estava internado no Hospital Quinta d’Or e morreu ontem pela madrugada aos 66 anos, devido à complicações de um câncer que atacou sua medula. O cantor foi sepultado agora pela manhã no cemitério do Catumbi, Rio de Janeiro. Familiares, amigos famosos e anônimos compareceram ao velório. Ele deixa a esposa Jane Reis e dois filhos, Mahal e Hiran. Sentiremos saudades, Luiz. Muitas saudades.

O adeus a Luiz Melodia
Por Marcelo Teixeira