domingo, 30 de setembro de 2012

Hebe Camargo: luto oficial de uma semana


 

Convivi com Hebe por 25 anos
Há uma comoção generalizada pela morte de Hebe Camargo, pelo tamanho de sua personalidade, de seu nome e sobrenome, pela junção do que foi uma das maiores artistas que este país já teve e pelo enorme legado que a grande artista nos deixa. Não sei por onde começar ou se devo terminar este artigo, mas quero aqui agradecer por tudo o que você fez, Hebe, tanto por mim, quanto por pessoas diversas e espalhadas pelo este mundo gigantesco e que tanto te admirava. Sua risada ficará aqui, gravada em minha mente. Eu que cresci assistindo ao seu programa, corria o mais rápido possível do meu trabalho para poder acompanhar ao máximo o segundo bloco do programa Hebe, sempre às segundas feiras pelo SBT e, consequentemente, às terças feiras, na Rede TV. Só tenho a agradecer pela sua pessoa boníssima e, se me chamam de engraçado ou de culto, devo estas palavras à você, pois muitas charadas eu copiava de ti. Se chamo alguns amigos de gracinha em conversas descontraídas, devo à você. E graças à você, eu tenho feito uma luta a favor da nossa política. Você se foi, mas sua presença sempre ficará guardada em minha lembrança e com certeza, os selinhos, as alegrias, as emoções convividas de dentro da TV para a minha sala de estar estarão sempre escondidas no meu mais profundo eu. Os sofás estarão com um lado pendente.

E sabe o que eu me sinto tão triste no dia de hoje? Porque fiquei órfão mais uma vez. Em 1986 morria meu pai, um homem que adorava o programa Hebe na Bandeirantes e, quando estreava em Março de 1986 no SBT, eu tinha apenas 5 anos de idade, mas o suficiente para conhecer grandes nomes da música, do entretenimento, do jornalismo. Eu já tinha noção de quem era Chacrinha, Bolinha, Silvio Santos, Eliseth Cardoso e tudo isso graças à cultura de meu pai e tinha noção das mortes de Elis Regina e Clara Nunes graças à cultura de minha mãe. No mesmo ano em que Hebe estreava no SBT, seria o ano de morte de meu pai.

Só quero ressaltar uma alegria que eu tenho para dividir com os leitores do blog: no final de 1999, Hebe Camargo foi fazer comprar numa loja chique de colchões nos Jardins, na Al. Lorena, muito próximo de meu antigo trabalho. Minha alegria foi tamanha porque vieram me contar que a HEBE CAMARGO estava ali (nesta altura, todos sabiam de minha admiração por ela) e eu vi seu filho, Marcelo, descendo de um lado da mercedez branca e de outro ela, esfuziante, brilhante em seus colares de ouro. Não pude chegar perto dela, porque a rua foi tomada de gente e os seguranças da apresentadora também não deixaram.

Portanto, em homenagem à Hebe Camargo, representando o vazio que existe dentro de mim, particularmente, e dentro de milhares e milhares de pessoas que sentem o mesmo vazio que eu, o Blog Mais Cultura! permanecerá de luto por uma semana.

Como dizia Hebe: a vida é pra ser vivida!

 

Luto por Hebe Camargo

Marcelo Teixeira

sábado, 29 de setembro de 2012

Hebe Camargo: Luto!


Hoje o Brasil e os brasileiros estão de luto. Morreu Hebe Camargo, uma mulher de fibra, uma apresentadora competente, uma excelente mãe, uma cantora acima de tudo. Adoradora da amizade, idealizadora de ideias, Hebe era aquilo que todos gostariam de ser. Hebe era uma artista completa. Hoje o Mais Cultura! está de luto. Morreu Hebe Camargo.

 

Marcelo Teixeira

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Bloco do Eu Sozinho, sensacional álbum de Los Hermanos, de 2001


 

Ótimo disco pós anos 2000
O que esperar do segundo disco de um grupo que surge com um hit fácil que acaba em superexposição, com aparições em programas de domingo a tarde? Nada? Pois é, eu cai nessa e quando Los Hermanos, após o sucesso pop e fácil de Ana Júlia, lançou Bloco do Eu sozinho, seu segundo trabalho lançado em 2001, não dei muita atenção. Eu e a mídia toda, que ignorou por completo esse disco na época do seu lançamento. Não se ouviu nada nas rádios (as mesmas que cansaram literalmente de tocar Ana Júlia anos antes) e acabaram rompendo com a gravadora. Tempos depois, resolvi me libertar do preconceito (confesso), fui até alguma loja e comprei o disco sem nunca ter escutado nada (motivado pelo elogio que li em alguma revista confiável). E qual não foi minha surpresa a me deparar com uma das minhas melhores aquisições naquela época.

Tudo começa com Todo carnaval tem seu fim esbanjando uma bela nota 10 com um sensacional arranjo de metais de Rodrigo Amarante (a composição é do Marcelo Camelo). Na sequência, A Flor começa tímida até arrebentar com um ritmo surpreendente e muito bem trabalhado. Retrato pra Iaiá vem sonora numa balada mais tranquila. Depois de Assim Será (maravilhosamente destoante) e a poética Casa Pré-fabricada (Cobre a culpa vã... até amanhã eu vou ficar e fazer do seu sorriso um abrigo), que Roberta Sá gravou anos depois em sua estreia no disco Braseiro, até surgir outro ponto alto do disco, com a criativa e genial Cadê teu Suin-?, momento de pura inspiração de Marcelo Camelo.

Depois vem a lindíssima Sentimental, de Rodrigo Amarante, excelente trilha sonora para um romance, onde o sentimento de rejeição, acrescida de conselhos sentimentais no telefone quase imperceptível, resulta em outra música maravilhosamente harmoniosa. Segue-se com Chez Antoine, cujo toque francês não se restringe apenas à letra, mas ao ritmo semelhante ao um realejo. E seguida, Deixa estar e Mais uma canção, outra romântica onde os arranjos de metais dão um toque especial. Fingi na hora de rir merece destaque pelas guitarras distorcidas.

Depois mais um ponto alto do disco (talvez o maior), com Veja bem meu bem, canção de letra tão original e bem elaborada que outros grandes cantores como Maria Rita e Ney Matogrosso resolveram interpretá-la em seus trabalhos individuais. Posteriormente, demonstrando que um disco homogêneo pode apresentar diferentes ritmos, Los Hermanos surgem com um som puramente hardcore - ou seria punk?, com Tão sozinho. Para concluir essa verdadeira obra-prima, Adeus Você, sintetizado o tema recorrente que dá uniformidade ao trabalho: pra que minha vida siga adiante.

Esse disco mudou totalmente minha opinião com relação ao potencial dos barbudos que fizeram parte de Los Hermanos. O fim anunciado no ano passado só serviu para minha admiração pelo grupo fosse maior, pois novamente tiveram a coragem de remar contra a maré no auge do reconhecimento do trabalho. A questão agora é saber se realmente todo carnaval realmente tem seu fim? Se tiver, pelo menos deixaram grandes recordações.

 

Bloco do Eu Sozinho / Los Hermanos

Nota 10

Marcelo Teixeira

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O esquecido disco dos Secos & Molhados, de 1974





Secos & Molhados, tendo Ney à frente
Diferentemente do primeiro, com um pé no rock progressivo e no rock'n'roll underground, este disco dos Secos e Molhados é mais acústico e menos ousado. Mas vamos a segundo e também essencial, o último com a formação clássica: João Ricardo, Ney Matogrosso e Gerson Conrad, além dos músicos de apoio Willy Verdaguer, John Flavin, Triana Romero, Rosadas, Emilio Carrero, Norival e Jorge Omar. Com ótimas gravações, este disco é uma verdadeira obra-prima do cancioneiro musical e é uma pena que muitos hoje em dia torçam os narizes para ele. Se bem que os verdadeiros amantes da MPB ainda o elogiam e dizem que ele é um dos caros e raros discos de rock progressivo de todos os tempos.

Tercer Mundo, apesar de ser em espanhol, é de autoria própria (João Ricardo e Julio Cortazar), bem levada latina, típica e bela, pré rótulo world music. Único sucesso do disco, Flores astrais traz um slide muito legal, esperto e bem legal. Eu conheci a música naquele conhecido ao vivo do RPM. Não: não digas nada tem uma curiosidade: é coautoria entre João Ricardo e Fernando Pessoa, provavelmente uma poesia musicada pelo João. Música plácida, violão, voz e flauta. Medo mulato inicia meio vaudeville com um pianinho, depois acompanhado de ruídos, voz do Ney, flautas, teclados e uma bateria meio percussiva e pontual. Bonita, bem diferente, retomando o tema sobrenatural do primeiro álbum.

Oh! Mulher infiel é um tema ousado pros anos 70 (um tempo onde não havia divórcio, acreditem), mas o arranjo é bem tranquilo criando um contraste inusitado. Vôo já traz um som mais rock com um phaser ou flanger em estéreo bem diferente do som careta do disco, uma gaita complementa a viagem. Muitas vozes harmonizadas. Angústia é das minhas preferidas, violão marcando o tempo, um clima meio drum'n'bass (cabe até um remix daquele comecinho), vocais dinâmicos, piano suingado, muito muito à frente do seu tempo! Só peca aquele som de guitarra dos anos setenta, fuzz magrinho e espetado.

O Hierofante (sacerdote supremo dos mistérios antigos do Egito e da Grécia, afinal Mais Cultura! também é cultura!) é uma das mais rock'n'roll daqui, guitarras na cara, é mais uma de coautoria poéticas (João Ricardo e Oswald de Andrade), vocais divertidos e múltiplos em estéreo (aconselho ouvir com fone, viagem pura). Caixinha de música do João é uma instrumental surpresa calminha com vocalizes do Ney, meio new age, fantasmagórica, curta e bela.

O doce e o amargo tem um som meio português, depois vira uma bela canção triste e melancólica, voltando à placidez acústica. Preto velho podia ter uns tambores, mas é mais uma calminha com a letra nonsense e vocais harmonizados. Delírio começa meio rock'n'roll com pianinho, entra uma guitarra suja, dá uma delirada meio diminuta no piano quadrado, solinho fuzz com um som quase bom...legal! Toada & rock & mambo & tango & etc tem um nome sensacional, com guitarra suingada, vocais sussurrados muito legais, Ney canta muito bem.

 Disco quase esquecido e felizmente recuperado na coleção Dois Momentos com a compilação e masterização by Charles Gavin.

 

Secos & Molhados

Nota 10

Marcelo Teixeira

 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O excelente álbum de Cazuza


O melhor de Cazuza está neste álbum
Ezequiel Neves, grande amigo de Cazuza (e eu cismo em dizer que foi o descobridor do artista), conseguiu morrer no mesmo dia, 7 de julho, que o amigo. Cazuza morreu no dia 7 de julho de 1990 e Ezequiel no dia 7 de julho de 2010 e junto com Nico Resende (também tecladista no disco), produziu esse primeiro disco solo de Cazuza, chamado de Cazuza, mas conhecido como Exagerado. E Exagerado seria um excelente nome de disco, mais ainda sendo de quem é. A essa altura, não preciso explicar quem é, o que fez antes, de quem ele é filho etc. Aqui vamos escutar e comentar esse disco de estreia, muito muito bom. O gosto de caju extrapolava o blues/rock’n’roll do Barão Vermelho e, consequentemente, o levou à carreira solo, onde poderia flertar com a MPB, o samba, Dolores Duran, Lupicínio Rodrigues, Cartola, bossa-nova etc. Agenor de Miranda Araújo Neto lançou 5 discos em 4 anos, alguns dos quais serão resenhados aqui. Conta muito a urgência de saber-se soropositivo, numa época em que a sobrevida era bem menor.

O disco tem uma sonoridade mais limpa, menos rock do que os do Barão, mas ainda não tão MPB quanto os posteriores. Começa bem, Exagerado é um clássico, parceria brilhante com Ezequiel e Leoni. Também tem um solo belíssimo, curto e expressivo. Cúmplice é a canção seguinte, pop, legal. Mal nenhum é das melhores, parceria com Lobão: Eu não posso causar mal nenhum, a não ser a mim mesmo, o óbvio eventualmente parece genial, principalmente em certas matérias sensíveis, tendentes à histeria, como aqui no caso, as drogas.

Balada de um vagabundo, parceria de Frejat e Waly Salomão, legal também, pop também. Destaques: maracujá de gaveta num prédio vazio num terreno baldio, um vício só pra mim não basta/ é uma inflação de amor incontrolável. Segue a belíssima e açucarada Codinome Beija Flor, parceria com Ezequiel e Reinaldo Arias. Conhecidíssima, mas ainda boa de ouvir. Prendia o choro e aguava o bom do amor. Pra mim, um clássico do cancioneiro de Cazuza.

Desastre mental tem uns timbres de guitarra mais pesados no começo, alternando com uma calma nos versos. Legal. Seguem três parcerias com Frejat: Boa vida, pop nada demais; Só as mães são felizes, blues censurado (você nunca sonhou ser currada por animais/ nem transou com cadáveres/ nem quis comer a sua mãe) e muito legal – mesmo que eu prefira a versão do Barão; e Rock da descerebração, que também foi gravada pelo Barão num ao vivo excelente.

Viva Cazuza e Ezequiel!

Nota 10

Marcelo Teixeira

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A malandragem no samba de Mart'nália


Não tentem rotular a cantora Mart’nália. Isso é tarefa perdida e é tarefa de quem não entende de música. Madrugada mostra porque ela é uma das melhores cantoras do Brasil atualmente. Sem o resquício dos sambas baianos que marcaram Menino Do Rio, seu disco anterior no qual foi acompanhada por músicos da banda de Maria Bethânia (e ainda teve a produção do maestro da baiana, Jaime Alem), Madrugada apresenta Mart’nália em um ambiente do qual se mostra muito mais íntima. O disco pode ser considerado, com algumas exceções, um disco solar. Com muito mais peso do que seus trabalhos anteriores, Madrugada é um típico disco de samba carioca, sem aquela cara industrializada que permeia o trabalho de alguns grandes sambistas que tanto sucesso fazem atualmente. Logo na primeira faixa do disco, Alívio, mostra realmente o valor de um verdadeiro disco. A parceria do produtor e baixista Arthur Maia com Djavan funciona muito bem na voz de Mart’nália. O soul abolerado, verdade seja dita, é um início bem morno. Sorte que Tava Por Aí, um samba-pop bacaníssimo – um dos melhores do disco –, composto pela própria com o fiel parceiro Mombaça, coloca o álbum nos eixos. Com o peso do surdo e uma grande letra (Sou Zé Malandro, sou de rua / E bem que eu gosto / São Jorge é quem manda na lua / Me disse que eu tudo posso), a segunda faixa mostra realmente o que o ouvinte pode esperar de Madrugada.

As seis canções seguintes seguem o estilo malandro de ser da cantora. Deu Ruim, um samba mais lento, com destaque para os tamborins de André Siqueira, desce bem. Mas não tão bem quanto Ela é a Minha Cara, música de Celso Fonseca, produzida pelo próprio e que por vezes parece ser meio autobiográfico. Misturando uma guitarra jazzy (também de Fonseca) com surdos e tamborins e uma bela letra de Ronaldo Bastos (Causa reboliço aonde passa / Desce mais redondo que a cachaça / Ela é a fulana de tal), a música é outro bom momento do disco. Celso Fonseca também produziu duas regravações, digamos, um pouco perigosas: Batendo a Porta, clássico de 1974, do segundo disco de João Nogueira, e Sai Dessa, gravada por ninguém menos do que Elis Regina em seu último disco.

Difícil dizer em qual Mart’nália se sai melhor. Celso Fonseca transformou Sai Dessa em um elegante samba jazzificado, que ficou bem parecido, mas, ao mesmo tempo, bem diferente da quase insuperável gravação de Elis Regina. E em Batendo a Porta, a ótima guitarra (jazzística, mas uma vez) de Celso Fonseca, quase ofusca a excelente interpretação de Mart’nália. Não Encontro Quem Me Queira e Fé, ambas produzidas por Arthur Maia são mais populares (e isso não é uma crítica) do que as trabalhadas por Celso Fonseca. A primeira, composição de Thiago Mocotó, segue o estilo despojado dos Demônios da Garoa, enquanto que a segunda, com a letra esperançosa de Jorge Agrião e Evandro Lima (A gente tem que levar fé / Acreditar não sucumbir / Na vida sabe como é / Cuidado pra não se iludir), poderia muito bem fazer parte do repertório de Zeca Pagodinho.

As quatro faixas seguintes poderiam realmente representar a Madrugada do álbum. São canções mais introspectivas e com arranjos mais discretos. Em Angola, na qual, como o próprio título já sugere, Mart’nália se aproxima dos ritmos africanos (cheia de marimbas, congas e timbales), se afastando do samba, o que faz dela apenas uma canção mediana. A regravação de Alegre Menina, música que alçou Djavan ao estrelato, é o oposto de Sai Dessa. Se na canção gravada por Elis, a filha de Martinho se saiu muito bem, na composição de Dori Caymmi e Jorge Amado, o resultado não foi dos melhores. Apesar de Mart’nália cantar com um estilo bem próprio, a sua gravação não supera a (esta sim, pelo visto, insuperável) de Djavan. E a participação de Luiza Possi na faixa é dispensável, aliás, o que anda acontecendo com Luiza Possi? Recentemente, ela desperdiçou um talento e tanto no DVD e CD do pagodeiro Thiaguinho.

Mas quando regrava a obra de seu pai, Mart’nália se sai bem melhor. Tom Maior, clássico do primeiro disco de Martinho da Vila, ganha mais uma interpretação – Marina Lima já a havia registrado em seu Acústico MTV – primorosa. Emoção à flor da pele. Na faixa seguinte, Sem Dizer Adeus, a cantora ainda consegue se superar. Das canções que não fazem parte do universo do samba, esta, de Paulinho Moska, é, sem dúvidas, a melhor. A voz de Mart’nália juntamente com o violoncelo de Lui Coimbra e o clarinete de Ademir Jr., tudo envolto por uma belíssima letra (Se eu não sei o nome do que sinto / Não tem nome que domine o meu querer / Não vou voltar atrás / O chão sumiu a cada passo que eu dei) fazem desta canção outro grande destaque de Madrugada.

Por isso eu peço para não rotularem Mart’nália. Sinto informar, mas, querendo Mart’nália ou não, acabou superando. E muito!

 

Madrugada / Mart’nália

Nota 10

Marcelo Teixeira

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A nova farsa de Latino


Latino pega onda no sucesso coreano
Que Latino é um lixo comercialmente falando, disso ninguém pode duvidar. Ainda mais agora, com o novo hit que o artista (?) está lançando, Despedida de Solteiro, que é determinado pelo cantor como o hit do verão. Que país é este aonde uma música com teor de baixo nível, estrutura de péssima qualidade artística e sem um pingo de cultura, vem mostrar às pessoas do mundo inteiro sobre traição, cavalgadas etc? Além de a música ser ridícula, Latino praticamente não tem em sua carreira muitas composições próprias, dignas de se pôr em seu currículo e erguer como um troféu. Aliás, precisamos rever suas qualidades artísticas, seus dons musicais e sua postura perante a cultura brasileira, pois ele mais parece um copiador de músicas de sucesso espalhadas pelo mundo do que um digno representante da arte brasileira, adjetivo, aliás, que lhe falta e muito. Latino não canta nada, tem uma dancinha horrenda e ultimamente tem prestado grandes serviços à desonra do nosso patrimônio maior: a cultura. Música? Não, Latino definitivamente não faz música. Hoje o Mais Cultura! está de luto por termos que ouvir, aos berros, esse tal cantor fazer apologias as despedidas de solteiros, tendo como carro chefe o megassucesso coreano. Prefiro não me estender neste artigo, mas até hoje me pergunto: quem é Latino?

 

A nova farsa de Latino

Marcelo Teixeira

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sim e Não, de Nando Reis


Belo som e boas músicas
Seu nome responde a qualquer tentativa de classificar o disco de Nando Reis e os Infernais lançado em 2006: Afinal, este é um disco de rock? Sim e não. É um disco de baladas de amor? Sim e não. É o primeiro disco do compositor sem a sombra de Cássia Eller, que foi sua voz em Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo e no póstumo Dez de Dezembro, disco onde a cantora gravou as canções mais célebres do compositor. Cássia se foi, mas Nando segue em frente. Também é o primeiro disco que marca a fase clean de Nando Reis, afastado do álcool e de outras drogas. De alguma forma, essa nova fase transparece no álbum, ao mesmo tempo em que também estão presentes referências à sua vida anterior, tornando este o seu mais autobiográfico trabalho. Mas estranhamente o disco abre com sua música mais fraca, Sim, uma melancólica declaração de amor que será totalmente esquecida quando chegar ao final da audição. Em seguida, vem o hit deste disco: Sou Dela. A levada da música é irresistível, grudenta sem ser pegajosa, o pop-rock perfeito. O refrão traz uma sutil referência sobre seu momento: Estava tão longe, num outro lugar, trancado e distante, na esfera lunar.... Mas agora, o Nando é dela e a música transborda a alegria desta descoberta e celebra este amor renovado.

N é uma balada de saudade. Uma saudade de quem fica menos de uma semana sem ver a mulher amada. Parece um exagero, mas quem já viveu uma história de amor quinzenal, de rodoviária, sabe bem como é essa saudade e a intensidade do encontro. A introdução traz um Carlos Pontual tocando um lick simples e intenso na strato, lembrando o lado mais sentimental de Clapton. Monóico é o primeiro rock'n'roll stoniano deste disco. Baita música com uma poesia um pouco diferente daquela que é a clássica do Nando Reis. No jogo de palavras há uma troca de papéis e é a mulher que o penetra. Nos Meus Olhos é outra balada, mais uma vez, um pouco diferente também da poesia típica do NR. Aqui ele mistura frases curtas e suas clássicas frases longas.

Santa Maria é um rock'n'roll stoniano de estrada, que conta a história de um amor inesquecível, marcado pelo calçar e descalçar das botas de uma mulher amada. Espatódea é simplesmente, a mais linda canção de amor de pai pra filha já escrita em português. A música dedicada à caçula Zoé diz: não sei se o mundo é bão, mas ele está melhor desde que você chegou e explicou o mundo pra mim. O arranjo é delicado como a flor, e a gente vai percebendo o sim e não, o yin e yang se alternando ao longo do disco.

Pra Luzir o Dia é uma canção folk de poesia curta que se concentra em temas do dia-a-dia, celebrando as coisa simples desta vida: bolo pra comer, bola pra bater, som para ouvir, sono pra dormir. Uma bela e suave orquestração acompanha o arranjo. Como se o Mar é uma canção de amor que lembra os arranjos típicos da soul music brasileira dos anos 70, a la Tim Maia. Pena que a letra não seja tão boa quanto a música. Nando volta com mais uma canção de amor, pra um amor que se despede em Pra Ela Voltar, e reclama: desde que ela foi embora nada mais funcionou.

Caneco 70 é o mais stoniano dos rocks deste disco. Desde as guitarras, até um uh uh! que lembra Sympathy for the Devil. Porque será que eu gosto tanto deste disco? Outra canção de estrada, conta uma história de amor real, com suas delícias e cagadas. Teríamos futuro se eu não fosse um selvagem. No final, uma micro autobiografia: canta seu amor pela sua São Paulo natal, pelo seu São Paulo Futebol Clube, time do coração, os pais, os filhos... Meio que justificando seu comportamento, se apresentando, sei lá...

Não sei quantas vezes te deixei bem triste, Não sei se comigo foi feliz ou não. Não sou exatamente o cara mais fácil que existe. Mas posso te dizer que para sempre te trarei dentro do meu coração. Não, não, não. E sim.

O disco termina com Ti Amo, um raga a la George Harrison, onde a melodia da música toda é cantada por um ti amo, com se entoasse um mantra. Um sim. Sim de amor não só pela sua amada (aquela de Sou Dela), mas pela sua nova vida e os prazeres que estão por vir (como cantado em Pra Luzir o Dia).

 

Sim e Não / Nando Reis

Nota 10

Marcelo Teixeira

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O início de Adriana Calcanhotto


 


Enguiço tem a bela voz de Adriana
Muito conhecida hoje por trabalhos autorais, já que nos últimos CDs a maioria das canções são de autoria própria, nesse primeiro disco ela optou por priorizar seu lado intérprete, ainda que também tenha músicas próprias, como Enguiço (que deu nome ao disco) e Mortaes. Embora eu goste muito de suas composições que certamente contribuíram para consolidar sua carreira nesses mais de vinte anos, esse primeiro disco acabou ficando marcado por algumas interpretações de canções de outros músicos, mas que com a voz e arranjos dela, adquiriram vida própria. Depois de iniciar com a citada Enguiço, ao som de uma banda de metais (saxofones, trumpetes, trombones, etc), vem Naquela Estação, bela canção de João Donato, Caetano Veloso e Ronaldo Bastos que tocou muito nas rádios na época e serviu para apresentar Adriana Calcanhoto ao público.

Em seguida, ela transformou completamente a canção do Roberto e Erasmo, Caminhoneiro (cuja original eu particularmente não gostava). Com novo arranjo e uma voz límpida, o resultado ficou muito bom. Em seguida, fez a mesma coisa com Sonífera Ilha, desacelerando completamente a conhecida música dos Titãs, incluindo cordas e empregando à canção um novo sentido. Ao interpretar a canção de Luiz Peixoto e Vicente Paiva feita para Carmen Miranda, quando retornou ao Brasil após sua primeira viagem aos Estados Unidos, Adriana Calcanhoto consegue outro belo resultado para Disseram que voltei americanizada.

Na sequência, Calcanhoto desfila seu Orgulho de um Sambista, de Gilson de Souza numa suave canção de amor de carnaval. Fiel às suas origens (ainda que hoje seja, antes de tudo, uma cantora brasileira), ela ainda inclui no repertório Nunca, de Lupicínio Rodrigues, o mais clássico compositor gaúcho, novamente acompanhada por instrumentos de cordas que valorizam sua voz, embora a canção tenha caído como uma luva na voz de Zizi Possi.

Depois de Pão Doce de Carlos Sandroni, que conta com a participação do também gaúcho Renato Borghetti (Borghettinho) e de Mortaes, a segunda música autoria própria nesse seu primeiro disco, ela finaliza com a bem humorada Injuriado de Eduardo Dusek, acelerando o ritmo, dando boa demonstração de sua versatilidade.

Desde o lançamento desse disco, em 1990, Adriana Calcanhoto (que também desenvolve excelentes trabalhos paralelos como Adriana Partimpim) vem consolidando cada vez mais sua carreira e hoje é, certamente uma das cantoras e compositoras brasileiras mais versáteis. E embora discos posteriores dela possam ser considerados até melhores, Enguiço serviu como cartão de visita de uma intérprete que concilia suavidade com personalidade. Felizmente para nós, ela seguiu atrás de algo impressionante.

 

 

Enguiço / Adriana Calcanhotto

Nota 10

Marcelo Teixeira

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A melhor fase de Rita Lee


 


A perfeição de Rita está aqui

Estou começando a achar que a Rita Lee de antigamente era mais legal, mais simpática e mais degustadora do que a Rita Lee de hoje, embora a essência de sua musicalidade seja a mesma que a de ontem e um pouco rebuscada que a de hoje. Gosto das músicas antigas da Rita, porém, algumas (raras) canções atuais, conseguem nos prender em um disco inteiro de sua autoria.  Hoje trago para o Mais Cultura! o disco de 1980 intitulado apenas Rita Lee, e que segue na mesma linha do disco homônimo de 1979. É muito difícil dizer qual é o melhor dos dois (eu pendo um pouco mais para este por razões estritamente pessoais). Rita e Roberto estão no auge da forma com muito rock'n'roll, balada, pop e música de festa. Eles inauguram o pop brasileiro da década de 80, sem perder as raízes roqueiras da rainha.

Lança Perfume está no inconsciente de qualquer um que tivesse mais de 10 anos em 1980. Bem-me-quer é rock'n'roll no melhor estilo, e a letra é sensacional. Destaque para a guitarra fuzz de Roberto. Baila Comigo foi a principal balada de 1980.

Shangri-lá é outra balada. Bem lenta, a instrumentação aqui é bem econômica, uma levada de ovation acompanhada por teclado (e voz). No final entram, suaves, percussão e baixo. Caso Sério é um bolerão que tem a ginga emprestada a dupla por Roberto e a sensualidade que se tornou a marca de Rita Lee.

Nem Luxo Nem Lixo, como Chega Mais (de 79), começa com um super riff de metais. Marina Lima regravou uma versão legal na virada do milênio, mas esta aqui ainda é campeã, com direito a acordeom e tudo mais. João Ninguém é um reggae no melhor estilo A Cor-do-Som. A letra conta a história de João Ninguém, sem talento pra ser feliz, milionário por vocação, lembrando seus tempos de cronista com os mutantes. E o disco termina botando pra quebrar com Ôrra Meu!, puta rock stoniano pra lembrar a galera que ali estava a guerrilheira-forasteira Rita Lee.

Este disco talvez entre para o meu imaginário e eu goste tanto, porque eu nem era nascido ainda! E, pra mim, tudo o que o Brasil produzira de melhor estava antes ou durante a década de 1980.

 

Rita Lee / Rita Lee

Nota 10

Marcelo Teixeira

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O rap positivo de Criolo


Sensacional disco de Criolo
Para começo de conversa, Criolo (que até pouco tempo era Criolo Doido) disponibiliza em seu site oficial o disco para baixar gratuitamente (www.criolo.net). Ponto positivo, que demonstra que além de estar conectado, sabe – talvez melhor do que muita gente por ai – que nos tempos atuais mais do que tentar inutilmente criar mecanismos para dificultar o download de suas músicas, o mais importante é utilizar de forma positiva as mídias atuais para divulgar o trabalho. E funciona, além de demonstrar, mais uma vez, uma postura simpática perante o público. Só que obviamente o fato de ter respostas inteligentes e postura simpática perante o público não seria suficiente para ser incluído nesse blog se tivesse algum disco realmente digno de nota.

Com a carreira mais fortemente fixada no rap desde 1989, nesse seu último disco (o segundo de estúdio) ele optou por misturar gêneros, estilos e instrumentos de forma muito inteligente e, certamente, isso contribuiu para que tivesse maior reconhecimento. O disco inicia-se com Bogotá, uma inteligente letra com um estilo de dificílima definição, levada ao som de trompete e saxes. Gosto disso. Subirusdoistiozin, a seguinte, tem uma pegada mais próxima às suas raízes e já tinha sido lançada anteriormente como single, sendo uma das mais conhecidas de sua carreira.

Pausa para uma balada triste em Não existe amor em SP, um retrato belo da sua própria cidade, paradoxalmente dona de uma efervescência cultural e triste impessoalidade, retratada tão bem na letra dessa canção. A mudança de ritmos e estilos continua em Mariô, com uma pegada que lembra sons de umbanda com uma crítica social. Me perdoem os que conhecem aspectos de umbanda ou se falei besteira aqui, mas foi apenas uma referência sem nenhum rigor científico implícito nessa definição.

Freguês da meia-noite é quase um tango com todo o drama inerente ao estilo, que tem a cidade de São Paulo como palco. Como se não bastasse ser uma bela canção, tem um clipe excelente, muito bem feito (com qualidade HD) que vale a pena ver e ouvir. Nova reviravolta com Grajauex, som em que suas raízes do rap retornam com toda força. Até mesmo eu que não sou muito desse estilo, gostei dessa. Já o histórico de letras engajadas que combatem as desigualdades está bem presente nas duas seguintes: Samba Sambei e Sucrilhos.

A penúltima música começa com um som de violino e viola para entrar com uma letra forte e autobiográfica. A mistura de estilos ao longo do disco se faz presente em uma só canção em Lion Man, um rap que conta com uma sonoridade ímpar, sem perder a seu engajamento. Sensacional.

O nó da tua orelha ainda dói em mim... E Cebolinha mandou avisar... Quando a "fleguesa" chegar...Muitos pãezinhos há de degustar... O disco finaliza com um samba muito bem humorado e inteligente em Linha de Frente, trazendo a turma da Monica (aquela mesmo, do Maurício do Souza) para a rotina da periferia de São Paulo. Faustosa.

Enfim, confesso que demorei a conhecer o trabalho do Criolo, já que o rap não é muito a minha praia (apesar de respeitar o estilo). Só resolvi parar e dar atenção ao seu som quando vi, em rede social, trecho de uma entrevista dele em que dá uma resposta excelente a uma brincadeira infeliz de fundo homofóbico do apresentador de um programa (que prefiro nem citar porque o objetivo aqui não é criar polêmica, ao menos não com este artigo!). Então, deixei o preconceito com o rap de lado, escutei suas músicas e gostei tanto que virei fã. Como diria o Criolo, Não precisa morrer pra ver Deus... Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você.

 

Nó na Orelha / Criolo

Nota 10

Marcelo Teixeira

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A Letra A, de Nando Reis


Ótimo disco solo de Nando Reis
Uma capa tatuada: a cor, o nome, as letras negras batidas à máquina. E a vida deu um montão de volta e esse álbum veio parar aqui na minha mão como um doce presente. A letra A é um disco feito sob a minha medida: puro rock viajante, um rápido-lento delicioso, que pede o aconchego do ouvido e movimentos lentos dos ombros e da cabeça num balanço combinado e suave. A letra A captura tua atenção para as letras, para cada palavra, para poesia longa e embaraçada de prosa. É um disco de amor. Mais um disco de amor. É assim que o Nando parece estar confortável, e aí que é o legal! E tudo ele transforma em estória, num mini cotidiano: o gramado, a casa, a bolsa a tiracolo, a cor do esmalte, os pés nus nas sandálias, as miçangas, os lábios e os olhos. Nando Reis nesse disco é pontual, olha para um mundo que só os seus olhos alcançam, está à procura das coisas simples ao redor. Ele trata daquele pequeno que é grande. Grande porque está em todos nós. Não preciso dizer mais nada sobre este maravilhoso disco, cheio de desenhos abstratos em preto e branco e mensagens afloradas de pinceladas provocantes, amorosas, singelas, harmoniosas, infernais. Apenas ouçam!

 

A Letra A / Nando Reis

Nota 10

Marcelo Teixeira

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O determinado álbum de Mallu Magalhães


Ótimo disco de Mallu
Mallu Magalhães sempre me chamou atenção. De longe ouvia falar de seu nome, de toda a estória do MySpace, das suas composições, da sua adolescência que se misturava com sua habilidade em consertar seus próprios instrumentos musicais. Ao fim tive contato com sua voz infantil, meio amanteigada – que ao invés de entrar pelos nossos ouvidos, escorrega, devagarinho. E confesso que achei o máximo! Quando pinta um único olho de azul nos seus shows, Mallu me faz lembrar Rita Lee – garota mutante com seus coraçõezinhos no rosto na sua fase Tropicália. Mas Mallu me lembra também Bethânia, que aos 16 anos subiu no palco do Teatro Opinião. Essas intervenções feitas por criaturas tão jovens são de uma ternura incrível, porque o limite entre a brincadeira e a coisa séria, entre o medo e coragem, são muito tênues.

Seu disco é muito delicado, gostoso mesmo de ouvir. Muitas das músicas parecem ter sido compostas com alto teor de amor no sangue. My home is my man é rock retrô, forte, guitarra presente em volume alto. Tudo rapidinho e aos poucos o som vai desbotando. Shine Yellow é outra de que gosto muito! Meio reggae, com sopros e percussões.

Esse segundo disco parece um tanto autobiográfico e Make it easy deixa claro isso. A música bastante blues começa com um assovio, como um calmante para a alma na hora de enfrentar a mãe. O disco, forte, às vezes parece meio complicado, as faixas por vezes não harmonizam a beleza do disco e muitas das vezes, Mallu se perde na própria voz e nesta fase, ela ainda não conheceria Marcello Camelo mais à fundo (isso veio acontecer depois e desta união estável de marido/mulher, nasceu o ótimo Pitanga).

Make it easy: essa é a minha favorita! Música de uma paz incrível e a ideia de transformar em canção essa angústia feminina na hora de encarar o tamanho do amor, é maravilhosa. E o vocal masculino é do (ainda) namorado.

Bee on the grass me lembra um tanto o som dos Beatles, slow, cheio de sopros, vozes abafadas e borbulhentas, como se drogas psicodélicas estivessem navegando pelas superfícies líquidas dos nossos canais. Outra muito boa, country total é  You ain’t gonna loose me.

E o disco acaba com O herói, o marginal. Sua canção mais forte, linda, com um arranjo definitivo. E aí Mallu Magalhães quase deixa seu tom de menina e entra fortalecida, viajando na sua própria voz, cresce e termina. E outra vez, Tropicália!

 

Mallu Magalhães / Mallu Magalhães

Nota 10

Marcelo Teixeira

 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A beleza de Céu


O primeiro disco de Céu: ótimo
Que a música brasileira é cheia de grandes cantoras, belas vozes, elegantes, sensuais, e de muito bom gosto não é novidade. Mas quando uma nova cantora aparece com repertório novo, banda nova, cara nova, tudo novo, e de muito boa qualidade é sempre uma delícia. É o caso da cantora Céu, que apareceu com este disco homônimo de 2004, onde a mistura da tradição, violão, cavaquinho, pandeiro e percussão típica do samba, com a modernidade de scratches e loops eletrônicos convive com tamanha suavidade que mal se percebe a inusitada mistura. Em Lenda, Céu canta suavemente uma ameaça a príncipe encantado: num instante você vira sapo. É ela quem manda, e já avisa de saída. O choro Malemolência é executado com scratches acompanhando cavaquinho, e em Roda ela adverte de cara que caiu na roda ou acorda ou vai rodar... Lúcio Maia (da Nação Zumbi) é convidado para tocar guitarra nesta faixa. Rainha é minha música predileta, coincidentemente é a única que ela assina sozinha a composição. A música é levada por um baixo hipnótico que comanda o ritmo da seção percussiva e o naipe de metais. O refrão em forma de pergunta-resposta é um primor e na música toda, Céu contrapõe força e suavidade magistralmente.

10 Contados é um lamento acústico (na harmonia, porque o ritmo é recheado de loops eletrônicos) de saudade, bem-humorado e Céu faz voz e contracanto, ficou lindo! Segue Mais um Lamento, de saudade como o anterior, só que mais sóbrio. Neste mais um lamento entre tantos já feitos, Céu é mais mulher que a criança-adolescente do anterior. Concrete Jungle é um dos dois covers do disco, e ficou sensacional. Céu mais uma vez suaviza a Selva de Concreto e a ginga lenta do reggae fica mais suingada, mais abrasileirada aqui. Lúcio Maia, de novo, ajuda nas guitarras ao lado parceiro e produtor Beto Villares.

Véu da Noite é quase um jam session da banda já que o verso da música é mínimo. Uma concessão justa, já que a música ficou excelente, muito bem temperada na seção rítmica e com o balanço certo de guitarra, teclado e sopros. O chorinho Valsa pra Biu Roque vem em seguida, apresentando um formato mais tradicional só de voz, violão e bandolim. Ave Cruz é uma queixa, meu deus faça o favor de retornar o recado... o meu cabelo insiste em acordar despenteado. Até pra se queixar ela mantém o bom-humor. Essa aparentemente foi a música de rádio do disco, que apesar da roupagem eletrônica é um samba.

De João Bosco e Aldir Blanc vem O Ronco da Cuíca, que ficou excelente nesta roupagem moderna, mostrando que o caminho que seu som indica encaixa muito bem na tradição da MPB. O disco termina com o sambinha Bobagem e o delicioso Samba na Sola, um elogio ao povo brasileiro, antes de uma versão remix de Malemolência. A foto da capa ilustra o primeiro verso de Bobagem: minha beleza não é efêmera como o que eu vejo em bancas por aí... Só essa foto já vale o disco.

 

Céu / Céu

Nota 10

Marcelo Teixeira

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Renato Braz e a essência de ser Renato Braz


 


O cantor Renato Braz: um dos melhores
Desde o lançamento deste blog, em Novembro de 2011, que eu venho rabiscando e desenhando e pensando sobre Renato Braz, um dos cantores mais envolventes na minha opinião. Alguns devem estar se perguntando o porque Renato não entrou na seleta lista dos melhores cantores dos últimos 10 anos na MPB e a resposta é simples: Renato Braz é muito melhor do que 10 ou 20 cantores juntos e eu não o inclui porque Renato Braz tem uma particularidade muito maior: além de tímido, canta muito bem e consegue fazer do palco em que canta, sua sala de estar, aonde recebe seus convidados com pompa e maestria. Não o ter incluído em minha lista dos melhores cantores não faz deste homem um ser inferior perante os outros colocados, mas sim, na melhor das posições, pois, como disse, Renato Braz não merece nem o primeiro, nem o último lugar, pois ele aparece em todos os lugares com requinte.

Renato Braz nasceu em São Paulo. A música sempre o acompanhou em casa, com a mãe cantando. Aos 15 anos começou a tocar bateria e depois percussão. Iniciou ainda cedo a tocar na noite. Em 1996 lançou o primeiro CD, homônimo. Dois anos depois veio o segundo, História Antiga. Em 2002 o número de CDs de sua carreira dobrou e lançou com magnitude Outro Quilombo. Mas, como venceu o V Prêmio Visa Edição Vocal, um dos prêmios era o direito de gravar um CD. No final do ano chegou às lojas, Quixote, pelo selo Eldorado, o seu CD mais conhecido, aplaudido por público e crítica e sendo um dos melhores discos regionais da seara brasileira.

Renato Braz é uma das referências obrigatórias no atual cenário da música brasileira. O violão inconfundível de Renato Braz traduz a música brasileira de qualidade. O pragmatismo das formas das canções contrasta em harmonia com a ousadia da maneira peculiar como Renato toca seu violão. O dedilhado sutil, o bom gosto dos arranjos, simples, relaxantes. Tudo emoldurado pela sonoridade caipira perfaz um dos mais belos trabalhos da música regional contemporânea.

Prometo, em breve, redesenhar ainda mais sobre este, que é um dos maiores e melhores cantoras da verdadeira música popular brasileira com orgulho.

 

Renato Braz e a essência de ser Renato Braz

Marcelo Teixeira

terça-feira, 11 de setembro de 2012

E se acordássemos em 1977...?


 


 

Quatro grandes nomes da MPB juntos
Eu nem era nascido quando Miúcha, Tom Jobim, Toquinho e Vinicius de Moraes fizeram este disco e eu nem pensava em música quando descobri este disco, meio que por acaso, numa loja qualquer de discos e, quando vi a capa, achei meio estranha, chata, caricata: uma mulher com três homens de mãos dadas, rindo, felizes, para uma plateia que não está retratada na foto. Anos depois, entendendo de música, consegui obter o disco em mãos e confesso: é um dos meus melhores. Melhor ainda é assisti-los, cada qual ao seu estilo, em DVD que está disponível nas melhores lojas do ramo. Miúcha é, de quebra, uma das maiores cantoras que este país já teve e é uma pena que poucos reconheçam isso. O mesmo acontece com Toquinho, que hoje tem mais fama por ser amigo pessoal do poeta Vinicius de Moraes e não pela sua rica musicalidade que hoje tenta transpassar às pessoas (no Japão, Toquinho é, ao lado de Joyce Moreno) o cantor mais executado e conhecido e admirado por sua música. Trata-se da gravação em 1977 do show no Canecão (casa de espetáculo famosa no Rio de Janeiro à época), que reuniu quatro gigantes da bossa nova em um momento de total sintonia, difícil de ocorrer em ocasiões semelhantes.

Começa em ritmo eletrizante com Estamos Aí, emendando com a entrada de Vinícius de Moraes recitando a sensacional Dia da Criação. Confesso que naturalmente sou avesso a poesias em show de música, mas dessa vez, o poeta acertou totalmente o tom. Em seguida, partem para uma Tarde em Itapuã, composição da parceria Toquinho/Vinícius que dispensa apresentação, emendando com Gente Humilde (Toquinho). Em seguida, duas canções em uma: Carta ao Tom e Carta do Tom, uma espécie de brincadeira entre esses amigos que retratavam em carta ao distante Tom, como a cidade havia mudado.

O disco segue com um cantinho e um violão do Tom Jobim interpretando o clássico Corcovado, canção que serviu de inspiração para batizarem, justamente diga-se de passagem, o aeroporto internacional do Rio de Janeiro de Maestro Antônio Carlos Jobim, emendando com Wave. Em seguida, Miúcha entra no palco para dar o toque feminino ao show, com a versão que se tornou definitiva de Pela Luz dos Olhos Teus, em interpretação dupla com Tom. No momento certo, o ritmo diminui com Saia do Caminho e Samba pra Vinícius, mais uma homenagem de Miúcha e Toquinho ao poeta.

Mesmo com toda a fama, com toda a Brahma, com toda a cama, com toda a lama, o quarteto segue com Vai Levando, de Chico Buarque e Caetano (outro dois monstros sagrados que acabaram, dessa forma, também contribuindo para esse disco). Na sequência, Água de Beber é outra que dispensa comentários, seguida da mais famosa canção composta em mesa de bar por amigos inspirados pela beleza de uma garota que passa. Garota de Ipanema foi eleita a 14ª canção essencial da música brasileira pela revista Bravo e deveria ser matéria obrigatória no ensino fundamental. Nessa interpretação, há inserções de lembranças do Vinícius da garota vestida de normalista que olhava e sorria pra eles... por causa do amor...

Depois de Sei lá, mais um momento de pura inspiração da parceria Toquinho/Vinícius com frases lapidares como a hora do sim é um descuido do não. Genial. Se você quer ser minha namorada..., o show segue em um momento romântico com mais uma bela interpretação da Miúcha com Minha Namorada. Como se não bastasse, o disco finaliza com Chega de Saudade (eleita 4ª canção essencial da música brasileira pela Bravo), pois há menos peixinhos a nadar no mar do que os beijinhos que eu darei na sua boca, complementando com Se todos fossem igual a você e um bis de Estamos Aí. Felizmente, depois de um tempo passei a valorizar esse disco que hoje ocupa lugar especial na minha prateleira. Tudo isso porque hoje é sábado.
Portanto, se acordássemos em 1977, ainda teriamos a chance de ver quatro monstros sagrados na sua melhor forma de expressão, nos dando de bandeja um grande disco. Ainda teríamos Vinicius vivo (ele morreria em 1980) e ainda teríamos a verdadeira música brasileira mais viva do que nunca.

 
E se acordássemos em 1977...?

Tom / Vinicius / Toquinho / Miúcha / Gravado ao vivo no Canecão (1977)

Nota 10

Marcelo Teixeira