terça-feira, 4 de setembro de 2012

Falange Canibal, de Lenine: perfeito!


 

O ótimo disco de Lenine
Mantendo seu caminho de agregador, Lenine transforma um projeto coletivo numa obra bela e forte que ele intitulou de Falange Canibal, um disco muito bom, excelente e que denota toda a versatilidade do músico pernambucano. O álbum tem os melhores músicos da atualidade: Vulgue Tolstoi (grupo que forneceu o parceiro constante guitarrista Júnior Tolstoi), Monoaural (Kasin e Berna Ceppas), Tom Capone (produtor infelizmente falecido prematuramente, que aqui também contribui com programações, guitarra, baixos e otras cositas más), Xandão (guitarrista do Rappa e Caroçu). Além dos amigos compositores, dividem com o anfitrião quase todas as músicas os grandes compositores Carlos Rennó, Ivan Santos, Bráulio Tavares, Sérgio Natureza, Dudu Falcão, Paulo César Pinheiro e Lula Queiroga. A produção também é dividida por muita gente, incluindo Lenine, Tom Capone, Mauro Manzoli.

Gosto muito da sonoridade moderna e caprichada do Lenine. Ecos do ão fala sobre o fonema característico da nossa língua (e sempre difícil para estrangeiros) como linha condutora para também refletir sobre nós brasileiros.

nós temos violência e perversão

mas temos o talento e a invenção

desejos de beleza em profusão

e ideias na cabeça coração

a singeleza e a sofisticação

o choro, a bossa, o samba e o violão

mas se nós temos planos, e eles são

o fim da fome e da difamação

por que não pô-los logo em ação?

tal seja agora a inauguração

da nossa nova civilização

tão singular igual ao nosso ão

e sejam belos, livres, luminosos

os nossos sonhos de nação

 

Trecho de Ecos do Ão, de Lenine

 

Em seguida uma mais lenta, Sonhei, bela como de costume e com aquele violão percussivo e extremamente bem tocado. Mais uma com boa mistura de sons eletrônicos e acústicos, inclusive um bonito oboé. Umbigo começa com um violão magrinho e bateria do cara do Living Colour, Will Calhoun. Também a voz em inglês de Ani Difranco (alguém sabe quem é ela?), Eumir Deodato (o cara existe de verdade!) no hammond e piano elétrico com mão pesada. Com um trecho que diz gosto muito de conversar comigo/ umbigo meu nome é espelho/ não dou ouvidos nem peço conselhos/ umbigo meu nome é certeza/ só é real o que convém à realeza, a música e o disco já valem muito.

Lavadeira do rio tem uma história engraçada: gravada originalmente por Virginia Rosa em seu primeiro disco solo, Batuque, a música se chamava A Rita, mas Chico Buarque compusera nos anos 1960 a bela A Rita, que ficou conhecida nas vozes de Nara Leão e Gal Costa posteriormente. O público estava começando a ficar confuso com duas músicas com o mesmo título e, por este motivo, Lenine resolveu rebatizar a música e, talvez por esta conscientização, Lenine resolveu cantá-la neste disco. A Lavadeira do Rio começa meio balançada, eletrônica até, com uma guitarra invertida discreta. Depois vira um bom rockão! Tem até aquele clichê de bateria só com vocais empolgantes. Esta aqui tem participações especiais da galera do Skank (sem o Samuel Rosa, ufa!) e da Velha Guarda da Mangueira no coro.

Encantamento é uma montagem/colagem de várias músicas, emenda e surge a original do Lenine como se tudo levasse a isso. Nem sol, nem a lua, nem eu é daquelas belíssimas que Lenine compõe, lenta, quase sussurrada, com uns uivos caninos ou lupinos no fundo. Entre as participações especiais, Will Calhoun na wave drum e Xandão na guitarra. Caribantu é só voz e muitas percussões, a cargo do Cambaio (a pós-coisa), seja lá o que for isso, talvez um coletivo de percussão. A Velha Guarda da Mangueira também faz aquele coro bonito.

Quadro-negro é mais uma das bonitas, aqui com efeitos eletrônicos (até na voz) e a participação do Marcelo Lobato (Rappa) na bateria, teclados, theremin e vibrafone. Quem vai pagar a conta?/ quem vai lavar a cruz?/ o último a sair do breu/ acende a luz.

Chega a mais bela do disco, O silêncio das estrelas, com um arranjo lindo e criativo de cordas, incluindo um recurso arriscado, o glissando (os instrumentos vão subindo/descendo sem escalas nas notas temperadas, dando a impressão de desafinação). Solidão/ o silêncio das estrelas/ a ilusão/ eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos/ como um deus, e amanheço mortal. Termina com uma sanfona bonita, a cargo de Regis Gizavo.

No pano da jangada é muito legal, com uma percussão que na verdade são os pés do Lenine na areia e vozes, com vocais dobrados e processados. Viva a tecnologia e a criatividade! Rosebud (o verbo e a verba) é um conto divertido, uma música latina suingada e quebrada. Participação do grupo Yerba Buena nas vozes, percussões/bateria e trompete cucaracho.

E o fim é pra cima, a música com participação integral do Living Colour, O homem dos olhos de raio X que entrou para a minha galeria das melhores músicas do Lenine. Rock balançado e percussivo. Viva o nosso herói pernambucano.

 

Falange Canibal / Lenine

Nota 10

Marcelo Teixeira

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