sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

MC Guimê ou Funk Ostentação?


MC Guimê: ele não me assusta mais
Em seu novo disco Abraçaço (2012), Caetano Veloso traduz muito bem o que é funk na música Funk Melódico: não aprendi nada com aquela sentimental canção, nada pra alertar meu coração, diz os versos iniciais da canção. E antes mesmo da morte trágica de MC Daleste, que o funk não acrescenta em nada na vida de ninguém, embora seja um movimento musical que anda fazendo a cabeça da periferia brasileira.  Claro que gosto não se discute, mas se está aí jogado às traças, temos o direito de opinar. MC Guimê virou estrela no mundo da música funk e este fardo ele carrega há um certo tempo, elevando o seu nome ao estrelato da música brasileira. Criou o funk ostentação, patrocinado por grandes empresários que sonhavam em lucrar alto e deste feitio conseguiu um lugar ao sol, marcando presença em programas de auditório e em shows super lotados. MC Guimê conseguiu a fama repentina de uma hora para outra, deixando o funk com ar despojado, menos ácido, mais audível. Mas ainda assim, a ostentação ao qual tanto fala e criou, se refere a que? Antes o funk era visto com olhos pequenos e furiosos, com letras que ninguém entendia e sequer paravam para ouvir, torcendo nariz e bocas. Daleste talvez tenha conseguido um feito para o movimento, mas uma bala foi alojada em seu corpo antes de conhecer o verdadeiro significado da ostentação. Ostentação, para MC Guimê é a melhor parte de sua vida artística: foi com essa palavra que ele conseguiu tanta fama e, obviamente, tanto dinheiro. Seu nome de batismo é Guilherme Aparecido Dantas e por incrível que possa parecer, era um garoto pouco interessado em estudar, mas passava o tempo escutando funk e, com isso, cursou apenas até a quarta série. Faz sentido o sucesso de Guimê nos dias de hoje: ele preferiu o tão sonhado funk ao invés de estudar e para isso trabalhou muito antes de ser o famoso mais conhecido do mundo do funk ostentação: de lavador de carros passando por carregador de flores, Guimê cantarolava aqui e ali seus versos, baixinho, para que ninguém pudesse ouvir. Em meio a drogas, bebidas alcoólicas e muita fumaça, Guimê subiu no mais alto do topo da música e conseguiu gravar seu nome na mesma: hoje é reconhecido como MC Guimê, o dono do funk ostentação.  Tatuado da cabeça aos pés, literalmente, Guimê não se intimida com as pichações em seu corpo, no que ele define como arte. Mas as tatuagens para ele tem nome e sobrenome: um pacto entre tintas, caricatura estranha, nome próprio para definir como um artista dentro do artista. Resumindo: ele queria ser diferente e conseguiu ser diferente. Ouro, pulseira, brincos, anéis, bonés prateados, carros importados, música de impacto para a circunferência, MC Guimê é o oposto de sua trajetória musical: o fruto entre o certo e o errado e o errado que deu certo. Sua música não salvará o planeta, assim como não salvará os brasileiros do futuro incerto, mas sua palavra tem força e poder dentro do universo ao qual é considerado majestade. MC Guimê tem influência dentro e fora do funk e isso para ele é a sua ostentação. Confesso que MC Guimê não me irrita, muito menos me tira do sério com suas músicas de baixo calão. Até ouço uma música ou outra do cantor. E ainda acredito que ele seja um futuro cantor de MPB, pois a tal ostentação um dia cairá. Flertando aqui e ali com a MPB e o samba, Guimê se mostra flexível com a música num todo, deixando livre arbítrio para compor, assim como fizera Marcelo D2, que conseguiu maior prestígio e respeito dentro da música assim que copulou com a MPB, sendo homenageado de perto.por bambas e mais bambas da MPB. Ostentação é o efeito de ostentar, tendo afetação direta na maneira de exibir riquezas ou dotes, tendo alardes de ações ou qualidades. Em outras palavras, ostentação é riqueza, pompa, fausto, luxo.  MC Guimê prova de seu próprio líquido ao se lançar como um funkeiro ostentação do momento, não pensando no amanhã. Suas músicas tem apologia a drogas ilícitas e a mulheres vulgares. E mesmo assim, ainda tem tempo para andar de carros importados, demonstrando que o funk pode ser fonte de riqueza futura, desde que sabendo ousar, tendo atitude e pensar diretamente na palavra ostentação. O funk então teria saído mesmo das favelas? Ou teria saído de um beco qualquer e indo parar nas linhas emergentes? MC Guimê é a prova de que o funk e a sua capacidade de pensar foram o ponto extra para o calibre de seus sonhos: ostentando aquilo que se almeja, chegamos em algum lugar. Mesmo que este lugar não seja o seu.

 

MC Guimê ou Funk Ostentação?
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Luiz Marques: um cantor a altura do Brasil


Luiz Marques: talento e sofisticação
Em 2005, o cantor e compositor mineiro Luiz Marques brindou a música popular brasileira com um CD que carrega apenas o seu nome e sobrenome. A partir daquele momento, surgia um dos discos mais emocionantes que já ouvi em toda a minha vida: um disco caprichado, completo, perfeito, divino, adorado, sensível, romântico, brasileiro. Luiz Marques é um dos melhores cantores e compositores de seu tempo e este talento já é comprovado por sua carreira composta de muita música, brasilidade e carisma. E Minas Gerais agradece ao seu propensão e ao seu prestígio junto à boa MPB, que vez ou outra nos norteia com cantores à sua altura. Uma boa voz, que interliga a cultura de sua região com a doçura de todo o Brasil, Luiz Marques consegue alcançar horizontes tão altos e puros, que sua música se torna algo pertencente à nós, meros ouvintes, que ficamos embasbacados com o tamanho de sua natureza. Suas músicas refletem aquilo que queremos ouvir: seja uma canção de protesto, seja uma canção religiosa (Luiz é devoto de Santa Terezinha), seja nas canções de sentimentalismo aflorado, como na bela e arrebatadora Nem Um Minuto, que mais parece uma carta de amor sem volta, um acalanto, um resfriamento de alma. Sua música é verdadeira, sua voz é um uníssono contra a poluição sonora que cisma em assolar nossos ouvidos. Como ele mesmo canta na música de protestação Fênix no Ar: ‘eu vou dançar, eu vou cantar, eu vou voar!’ E é justamente isso o que o cantor faz de melhor: cantar. Seu brejeiro reconvexo de cantoria nos deixa encantados e a emoção é certeira ao ouvirmos músicas como Para Te Encontrar, que conta a história de um amor perdido no ar, mas que fazemos de tudo para encontrá-lo. Homenagens à Belo Horizonte estão na singela Ser Tão Cidade e basta fecharmos os olhos para visualizarmos a cidade, o mato, o leite derramado, os pastos, a cidade, o sertão, o amor. Basta fecharmos os olhos para sentirmos o cheiro de Minas Gerais, um cheiro puro, de chuva, de sol, de belo horizonte.  Mídia do Caos é um manifesto contra a mídia especializada em notícias ruins e nas pessoas que insistem em ficar atentas, antenadas, sublinhadas neste caos chamado tragédia, sendo uma boa sacada para criticar, assim, todos os meios de comunicação em massa. Mas a tarefa de Luiz Marques é cantar e isso ele o faz muito bem. Cantar. Soltar a sua sensibilidade para o próximo. Voar na melodia de suas letras e de seus sonhos. Voar, apenas. O ponto alto de Luiz é a sua sensibilidade, que nos transpassa através de sua emoção, contida, guardada dentro de si, num manto sagrado, num confortável riso singelo. Esse talvez seja o segredo de Luiz Marques: ele surge, começa a cantar, começa a  nos emocionar, começamos a nos envolver e ele a nos embalar com suas ricas músicas, com seu rico vocabulário, com sua rica interpretação, com seu majestoso violão e nos emocionamos sem querer, pedindo para que aquele momento não acabe jamais. Isso é para poucos. Ouvindo Luiz Marques e seja qual for a música de sua autoria ou de qualquer um de seus CDs ou do DVD Mira Certa, eu consigo ter um momento de paz, de tranquilidade, momento em que consigo pensar nos planos, no próximo futuro, na boa música brasileira. Essa sensação de poder criativo e imaginário é para poucos. E Luiz Marques é um dos poucos cantores e compositores que conseguem me hipnotizar com sua música.

 

Luiz Marques: um cantor a altura do Brasil
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A nova (e triunfal) Ana Carolina


Ana: volta por cima em novo disco
Fazia tempo que eu não escrevia sobre Ana Carolina. Aliás, desde quando comecei a escrever para este blog eu não fiz outra coisa senão criticar Ana Carolina. A cantora surgiu como uma das grandes revelações dentro da MPB, cantando de Chico Buarque a Djavan e até regravações de Gal Costa, dando a entender que a MPB estava salva, mas que logo após seu terceiro disco tudo isso mudara e Ana Carolina se renderia ao pop confuso e paralelo da periférica cidade sem dono que assola o Brasil com suas diretrizes mal intencionadas. Mas depois de tanto tempo, Ana volta radiante em um disco de ineditas desde 2009 e volta triunfal para o cenário da música popular brasileira como uma das grandes cantoras deste país. Com uma excelente capa (uma das mais criativas de sua carreira e uma das mais bonitas dentro da MPB), Ana Carolina voltou a ser uma cantora de verdade, de nome e sobrenome e voltou a ser... Ana Carolina. Saindo da rotina de quase uma década de sucessos precários e desnecessários, Ana Carolina mergulhou inteiramente no pop e na velha e boa MPB em seu novo disco #AC (2013 / 29,99 / Armazém). A cantora solta seu vozeirão característico em cima de uma programação eletrônica com percussão e manda bem em quase todas as faixas. Ainda assim, mesmo passando por sons diferentes dos habituais, Ana Carolina realmente se sente mais a vontade em seu novo disco, sendo ela mesma. Mesmo sendo uma das principais artistas da atualidade, Ana Carolina fez de seu sexto disco um dos melhores de 2013 em 14 anos de carreira e o trabalho tem parcerias com nomes de peso, como o mestre Guinga, criador da música Leveza de Valsa, Edu Krieger (que desta vez rouba o lugar de Antonio Villeroy e abocanha cinco faixas no álbum) e as participações de Moreno Veloso e Carlos Rennó. Produzido pelo competente Alê Siqueira e pela própria Ana, o disco temporiza temas contemporâneos, dividindo atenção com artistas renomados no mundo musical. Chico Buarque, o culpado pela formação musical de Ana Carolina, está presente e faz uma bela participação na música Resposta da Rita, cujo foi gravada na década de 1960 por Nara Leão e deixando uma vigorosa Ana Carolina restabelecida dentro da música popular brasileira com um disco a altura de seu talento.

 

#AC (2013) / Ana Carolina
Nota 8
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Os planos de Márcia Tauil para 2014


Márcia e Roberto: vem coisa boa por ai.
A cantora Márcia Tauil se encontrou com um dos pais da Bossa Nova, Roberto Menescal, para juntos desenvolverem uma parceria que será lançada no próximo disco da cantora, que está para ser lançado neste ano de 2014 com muita ansiedade por este crítico que vos escreve. Todos os discos de Márcia são um bem para a nossa vida, para os nossos ouvidos e para a nossa cultura, pois sua voz é espetacular e aveludada. E não é de hoje que os dois monstros sagrados da música brasileira se encontram: esse espetáculo de vozes, violões e cantorias vem acontecendo há um certo tempo, na ponte Rio-Brasília, de onde saiu o sensacional disco Elas Cantam Menescal, quando quatro grandes e belas vozes se uniram para reverenciar o talento de Menescal. Agora em pré produção para o novo disco, Márcia convidou Menescal para  dividir com ela a tarefa e o desafio de fazerem algo benéfico para a nossa cultura brasileira. A cantora esteve no Rio de Janeiro, em plena Cidade Maravilhosa, dando os retoques nas gravações e pelo visto, vem coisa boa por aí. Aliás, tudo o que vem desses dois gênios da música brasileira é visto como coisa boa, música certeira, música de calibre, música gostosa para ouvir. Agora basta esperarmos para que o disco fique pronto com todas as calorias que Márcia Tauil possa nos presentear.

 
Os planos de Márcia Tauil para 2014
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Trio Bonito: a nova sensação de Brasília


Trio: uma mulher, dois homens
Já disse em outros artigos o quanto a voz de Nathália Lima é doce e cristalina. Brasiliense e grande pesquisadora da música popular brasileira, Nathália é uma das maiores cantoras do Brasil, sendo reconhecida até mesmo por Roberto Menescal, um dos pais da Bossa Nova, ao qual fez uma bela participação no disco Elas Cantam Menescal. O ano nem começou direito e Nathália já entrou de cabeça em planos que vão além de sua rica e saudável voz: a cantora se juntou a dois amigos e juntos criaram o Trio Bonito, que já vem fazendo um certo barulho na capital do Brasil, local onde o grupo foi formado.  Nascido em Janeiro deste ano, o Trio Bonito é composto pela competência e jovialidade de Nathália Lima (voz), pelas guitarras de João Baptista e pelo percussionista Mariano Toniatti e o grupo surgiu para trazer alegria por meio das músicas mais bonitas e amadas no mundo, vulgo a nossa música popular brasileira. Com influências de grandes compositores populares da antiga e da nova geração, como Gonzaguinha, Roque Ferreira, Chico Buarque, Edu Krieger, Zeca Baleiro, Criolo e de grandes mestres do brega, como Reginaldo Rossi e Nelson Ned, o Trio apresenta os mais variados ritmos brasileiros e suas referências, tudo com muita modernidade e com novas roupagens, em clima de festa.  Portanto, quem gosta de músicas boas, interpretadas por uma voz bonita e talentosa, tem que conhecer o trabalho de Nathália Lima. Basta acessar o site www.soundcloud.com/triobonito e conferir a voracidade e capacidade vocal da cantora. Simplesmente belo, o Trio Bonito tem tudo para emplacar como um dos trios mais sensacionais dos últimos tempos, tanto pela qualidade vocal, quanto pela técnica de todos envolvidos. A porta-voz do trio é uma jovem muito bonita e já mostrou maturidade artística ao lado do monstro sagrado Menescal e ajuda a conservar a área musical brasiliense com sua rica formação musical. A voz firme e diáfana de Nathália viaja dos graves ao agudo com extrema facilidade e leveza e esse brilho em sua carreira de interprete faz toda a diferença. O estilo do Trio Bonito é fortemente ligado às raízes brasileiras de forte qualidade e grande relevância musical, sendo marcado principalmente pela cultura e pelo reverenciamento brasileiro e é essa a diferença e sofisticação do trio, que consegue captar toda a alegria, dramaticidade, sensibilidade e carência nas músicas, dando-lhes novos acordes. Gostei e muito do que ouvi ao som do Trio Bonito e a vontade é de estar sentado de frente à eles, os vendo cantar, tocar e nos alegrar. E apostem: o Trio Bonito será uma grande referência musical para todos nós.

 

Trio Bonito
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Flávio Tris: um sopro de alívio na MPB


As boas intenções de Flávio
Cantor independente do cenário musical brasileiro, Flávio Tris é exatamente aquilo que eu gosto de ouvir, sem ter a afetação generalizada que alguns bons cantores carregam hoje em dia: ele tem música na veia, tem boa voz, tem estilo e canta muito bem. Comparo Flávio a dois grandes cantores surgidos nos últimos tempos: Filipe Catto e Marcelo Jeneci, mas cada um ao seu jeito e Flávio também ao seu jeito. A comparação é inevitável até mesmo porque suas músicas se entrelaçam e, se fecharmos os olhos, temos a sensação de duvidar de quem é a letra, de quem é o som, de quem é a melodia, de quem é aquilo: de Marcelo, de Filipe, de Flávio? O bom mesmo é que Flávio surgiu em 2010 expondo um resultado em EP com cinco faixas mal digeridas pelo público. Em 2013, o cantor voltou a aparecer e apresentou nove canções autorais, unificadas a quatro daquele trabalho de estreia. Lançado na forma independende, com apoio do governo paulista, o disco teve a competente produção de Alê Siqueira e recebeu o título com apenas o nome do artista. Se dividindo entre o vigoroso violão e o magistral piano , Flávio se mostra inspirado em várias faixas, tanto nas letras quanto nas melodias. Nesse primeiro tópico, o disco tem achados poéticos, que aqui nos revelam um novo Caetano, de forma direta e forte. É o caso singelo de Selva, que trata o ato sexual de uma forma pouco ortodoxa. Pandora também é cheia de beleza e suavidades, assim como Asa de São João é um baião moderno, que mantém os olhos na tradição nordestina.  A voz melancólica de Flávio e as poucas variações de suas letras soa, por vezes, irônica demais para um disco sentimental e uniforme, mas essa qualidade é a principal atração para que o cantor os convide para ouvi-lo, valorizando seu disco do começo ao fim. O encontro com Tulipa Ruiz no bolero Sejas Tu é o ponto alto. Sublime. Divino. Audacioso. Hino mesmo é a sensacional Sol Nosso de Cada Tempo, que ganha toques divinos e vocais de Celso Sim. Encerrando o disco com chave de ouro, Tudo é uma marchinha de carnaval que ganha coro do principal coro masculino da nova safra de excelentes cantores da MPB: Celso Sim, Leo Cavalcanti e Filipe Catto. Flávio Tris acertou em cheio nesse disco e por um tris não entra na música popular brasileira como um dos melhores cantores de sua geração. Vale ouvir muitas vezes.


Flávio Tris / Flávio Tris
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Os sinais de Ney Matogrosso


 
Ney em boa fase
Ney Matogrosso consegue agradar à gregos e troianos, literalmente. É um cantor que não parou no tempo, não canta músicas para ficar na memória de um subconsciente qualquer, não canta músicas intelectualizadas, como faz hoje Chico Buarque ou João Bosco e entra na onda de Caetano Veloso, Djavan e Gilberto Gil, que fazem um som mais moderninho para a idade que tem. Ney Matogrosso virou pop, cult, cool. E essa onda de modismos a qual adentrou fez muito bem a sua carreira marcada por músicas fantásticas e egocêntricas e ao mesmo tempo se transformam num cartão postal para a modernidade e, quem sabe, para a posteridade. Ney Matogrosso lançou no final do ano passado o sensacional Atento aos Sinais (2013 / 28,99 / Som Livre) título que saiu da canção Oração, de Dani Black, um dos compositores mais procurados da atualidade e que traz uma nova roupagem ao mundo de Ney, como as parafernalhas e vestimentas que todos esperavam. Desde Inclassificáveis (2008), Ney não vinha se vestindo a carater e deixou a sua voz falar mais alto do que seus passos e danças. Com Atento aos Sinais volta ao ar o velho Ney Matogrosso, o pop, o cult, o cool. Ney Matogrosso é um dos artistas mais marcantes dentro da MPB e uma das figuras mais aclamadas pela crítica especializada. Assim, talvez, pode ser definido o cantor, dono de uma carreira marcada pela irreverência e pela ousadia em suas performances e que lançou no ano passado um disco que marca seus 40 anos de carreira. O CD tem interpretação singular de Ney para compositores novos e consagrados, como Paulinho da Viola, Itamar Assumpção, Criolo, Vitor Ramil entre outros. Mesclando canções em uma criteriosa seleção, o repertório inclui músicas como Roendo as Unhas, de Paulinho da Viola, duas de Itamar e Oração, de Dani Black, música que inspirou o título do álbum. Atento aos Sinais é um disco intimista. Com músicas de alto astral e com pitadas de politicagem, o disco vem recheado de nuances, músicas conturbadas e com um acento mais politcamente correto. Ney volta a adotar o estilo descobridor de talentos, mas veio flertar com compositores de outras estirpes musicais, como Criolo, de quem gravou Freguês da Meia-Noite, passando por Rafael Rocha em Não Consigo e tendo o seu maior talento como prova maior de que os novos são talentosos, como o caso de Dani Black. Mas em quase todo disco de Ney já podemos esperar um pouco de Itamar Assumpção, Vitor Ramil, Alzíra Espíndola e Pedro Luís e aqui não foi diferente. Embora tenha sido um erro fatal regravar Noite Torta e Isso Não Vai Ficar Assim (ambas de Itamar) e ter escolhido uma música menos calorosa de Pedro Luís, o disco ainda assim é um dos melhores que fecharam o ano de 2013. Noite Torta e Isso Não Vai Ficar Assim foram gravadas anteriormente por Zélia Duncan em seu disco do ano passado, em que homenageia o grande Itamar Assumpção, morto em 2003 em decorrência de um câncer, na qual o próprio Ney faz uma bela participação na segunda música citada. Em seu próprio disco, Ney (re)transforma a música, dando o ar de sua graça, mas o que acontece é um festival de canção repetida. Porém, seria melhor ter regravado Fico Louco, que só fora regrada por Virginia Rosa em seu disco de estreia e trata-se de uma música atual. Já Incêndio relembra um tempo perdido de Pedro Luís no grupo A Parede e regravar está música talvez não tenha sido um achado e tanto para o cancioneiro de Ney, já que as músicas de Pedro são sempre sensacionais (vale lembrar Miséria no Japão ou Fraterno, ambas gravadas por Ney em discos anteriores e que foram as sensações do momento). Abrindo com Rua da Passagem, um protesto de Arnaldo Antunes e Lenine, a música se tornou um sucesso nas redes sociais e veio a calhar sobre a falta de educação das pessoas nas ruas e em ambientes sociais, o que veio a calhar bem na fase de protesto do disco. Ousadia é pouco perto da sensual Beijos de Ímã, da família musical Espíndola, que nos remete às músicas de gueixa com um sotaque que só o Ney consegue fazer. Há também a profusão de palavras em Tupi Fusão, que nos remete a música Inclassificáveis e a engraçada Samba do BlackBerry. Ney conseguiu fechar o ano passado com o pé direito, digno de poucos artistas com a sua magnitude. E ainda tem tempo para ser humano, homem e sensato em não se sentir estrela.
 

Atento aos Sinais (2013) / Ney Matogrosso
Nota 8
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Mais Cultura 2014!


 
Mais Cultura 2014!
“Escrever requer usar disfarces”. A frase, proferida no excelente livro Outras Cores, do escritor turco Orhan Pamuk serve de exemplo para iniciar a maratona de artigos sobre cantoras e cantores para este ano de 2014. Obviamente que usar disfarces para escrever artigos musicais não é preciso estar usando máscaras para poder escrever o que se pensa ou que o leitor não quer ler. Mas usar disfarces, neste caso, requer ousadia, distração e cultura. Ousar é um dos pontos fortes de minha personalidade escrita e ousarei (ou tentarei) ousar ainda mais na  dicção de cada frase escrita. Distrair requer um momento em que eu mesmo falo comigo mesmo, afinal, quando sento na frente do noteboock, o que mais parece é que estou conversando com o cantor, orientando, tentando decifrar-te, tentando fazer com que ele me ouça e eu lhe digo seus erros e seus acertos. Distrair não precisa de disfarces, mas posso tentar usar minhas artimanhas para disfarçar meus arroubos distraídos. Cultura é o que mais quero escrever. Por mais que algumas pessoas insistem em dizer que eu não tenha que escrever sobre os lixos brasileiros assolados por aí, eu insisto que tenho que divulgar o que é de bom gosto e o que é péssimo gosto. Eu sempre digo que não sou formador de opinião, mas sim, um crítico que apenas comenta o que é para ser comentado. Assim como um escritor ouve críticas positivas ou negativas sobre seu trabalho, um determinado cantor ou cantora passa pelo mesmo crivo, um crítico musical passa pelo mesmo tormento ao qual os cantores passam. Se eu parar para ler as críticas severas à minha pessoa, eu já teria parado de escrever há muito tempo. O que aprendi nesse meio tempo foi que ser crítico tem lá suas vantagens: a vantagem de ser lido, adorado e odiado. Pra mim não importa. O ano de 2014 inicia-se como o ano das promessas musicais, tendo em vista que pelas minhas andanças, pesquisas e idas e vindas, descobri muita coisa boa, muita cantora escondida, alguns cantores presos em seus mundinhos e muita porcaria assolada nas favelas, barzinhos, inferninhos e casas de Madame Sophie. Que venha 2014. Sem disfarces.
 

Mais Cultura! 2014
Por Marcelo Teixeira