sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Entrevista com Emília Monteiro


Emília: cantora do Amapá foi revelação de 2013
Entre um contratempo e outro, uma viagem à Macapá e shows ao lado de Dona Onete, Emília Monteiro reservou um tempinho para dar uma entrevista para fechar o Mais Cultura! com chave de ouro. A cantora amapaense, que foi considerada pelo blog como sendo a maior (e melhor) revelação do ano de 2013, é digna de uma elegância sofisticada, de uma cultura sem igual, de um carisma arrebatador, de uma meiguice profunda e de uma delicadeza incomum, que faz deste critico musical ficar ainda mais apaixonado por sua música. Dona de uma voz poderosa e detentora dos cantos amazônicos, Emília Monteiro nos revela sua musicalidade, desvendando segredos, revelações, novidades e mais suingues para o próximo ano e revela que ‘Cheia de Graça vale como benção de Nossa Senhora quanto à analogia com o bom humor e a irreverência’ e diz que ‘as maiores vozes do Brasil são Elis Regina e Clara Nunes’.


Marcelo Teixeira: Por que seu disco recebeu o saboroso título Cheia de Graça?

Emília Monteiro: Marcelo, esta é uma pergunta interessante, porque foi simplesmente o acaso... Ângela Brandão, uma excelente compositora mineira, radicada em Brasília, me mostrou a letra que levava o nome Cheia de Graça e eu além de amar a poesia e todo o significado daquela letra, identifiquei que Cheia de Graça tanto vale como bênção de Nossa Senhora, quanto também à analogia com o bom humor e a irreverência e nos dois casos achei pertinente colocar o nome no CD, assim ele já estaria abençoado e bem humorado ao mesmo tempo...

M.T: Hoje você é uma cantora reconhecida em todo o território nortista e aos poucos está desbravando o Brasil inteiro. Se sente realizada com este sucesso já no disco de estreia?
E.M: Me sinto feliz, percebendo que, por ter feito um disco que não se enquadra numa MPB dita tradicional, consegui ter os bons olhos de blogs especializados em música, assim como de críticos de música e principalmente do público... É claro que era algo que eu gostaria mesmo que acontecesse, mas me surpreendi por estar sendo dessa maneira... Ainda não me considero realizada porque o trabalho acabou de começar, mas estou muito satisfeita, principalmente por ser o primeiro Cd.
 
M.T: Dona Onete é uma figura tarimbada no Norte do País, uma cantora e compositora valorizada no Amapá  e de onde você extraiu algumas de suas canções para gravar Cheia de Graça, inclusive com participação dela. Conte-nos um pouco sobre a amizade de vocês.
E.M: Dona Onete é uma pessoa iluminada, uma força da natureza, uma entidade... A conheci pelo youtube e logo me apaixonei e entrei em contato com ela para gravar uma música, dizendo que estava apaixonada pelo Moreno Morenado dela e que queria gravar eu disse: ‘Dona Onete, eu quero este moreno pra mim!’ Ela riu e falou que esse moreno já tinha dona, que era ela, mas que faria um pra mim... E fez !!! Eu Quero Este Moreno Pra Mim foi uma música feita pra mim por ela... Ela nem me conhecia pessoalmente quando a fez, então a nossa empatia foi instantânea, desde o primeiro momento, quando nos conhecemos pessoalmente, na oportunidade da gravação da participação dela, era como se já a conhecesse de longa data, ela hoje é parte da família, todos nós a amamos. Quando fiz o lançamento do Cd no Clube do Choro dia 30 de julho ela estava lá comigo, me abençoando... É difícil descrever, eu sou super fã dela como artista e como ser humano, um verdadeiro presente da vida !

M.T: Quais foram suas influências musicais?
E.M: Foram várias, minha casa sempre foi uma casa musical, meu pai era cantor em Macapá e deixou de lado o sonho para fazer carreira no Banco do Brasil, ele sempre ouviu de tudo e fez questão de nos passar todas as suas influências musicais, então eu já nasci escutando música, jazz, MPB, Bossa, Jovem Guarda, Tropicalismo, Chorinho, mas principalmente as vozes femininas de cantoras que tocaram a minha alma como Elis Regina, Clara Nunes, Alcione, Zizi Possi, Elza Soares, Ângela Maria, Rita Lee, Fafá de Belém... todas fazem parte da minha formação musical. Nossos fins de semana sempre foram regados de boa comida e muita música, minha mãe sempre disse que casa sem música é uma casa triste, eu concordo com ela ! rsrsrs

M.T: Gostaria de dividir uma música com qual cantor ou cantora em um disco futuro?
E.M: Nossa, que difícil essa pergunta, mas adoraria cantar com todas essas que mencionei acima, algumas infelizmente já se foram, ter cantado com a Dona Onete já é uma realização de sonho, mas minha primeira ‘ídola’ foi a Rita Lee, porque aos 8 anos eu não escutava Balão Mágico, escutava Rita Lee, cantava sentindo Shangrilá como se fosse uma pessoa muito vivida...rsrsrs Quem sabe, né ? rsrsrs

M.T: Seu disco de estreia teve muitos sons do Norte, como carimbó, marabaixo e lundu. Aqui em São Paulo praticamente não se ouve esses sons, que é de uma riqueza profunda. Pensa em algum dia vir a fazer um show pelo Sudeste?
E.M: Claro!! Estamos com planos e projetos de em breve, provavelmente no próximo ano, levar esse som pra Rio, Sampa e Belo Horizonte, são os meus próximos planos, já que o lançamento do Cheia de Graça também já aconteceu em Macapá e já está agendada para o primeiro trimestre em Belém.

M.T: Você sonhava em ser cantora ou tinha outra profissão em mente?
E.M: Eu amava cantar, sozinha, pra amigos ou pra uma platéia grande... Mas não tinha maiores pretensões com a música, não havia pensado seriamente na música como fonte de sobrevivência, era um hobby que me realizava, mas eu acho que a arte não é opção na vida da gente, é missão mesmo. A minha consciência a respeito disso agora é diferente, o Cheia de Graça foi um divisor de águas na minha vida, não me vejo mais sem cantar, então, virou um sonho real.

M.T: Como foi o processo de criação do disco?
E.M: Foi uma delícia!! A idéia começou em 1998 quando gravei a canção Mal de Amor, que é um marabaixo lá em Macapá. A partir daí passei a incluí-la no meu repertório aqui em Brasília, com uma grande curiosidade e aceitação do público... Aí eu já sabia que se algum dia gravasse um CD, ele teria como missão trazer à tona ritmos amazônicos justamente porque as pessoas desconheciam e ainda desconhecem essa riqueza brasileira, fruto da nossa linda miscigenação de 3 raças, a branca, indígena e negra que nesse caso se traduz musicalmente, mas que vai muito além da cultura, passa pela religião, gastronomia, comportamento e sabedoria. Como filha amapaense, não posso deixar de me orgulhar disso tudo e de fazer a minha parte divulgando os compositores e esses ritmos maravilhosos.

M.T: De Ellen Oléria a Zeca Baleiro, passando por Dona Onete, Márcia Tauil, Simone Guimarães e Suely Mesquita, sem falar do experiente Celso Viáfora, completam um time de competentes compositores. Você deixou algum compositor  de fora deste disco?

E.M: Mas é claro!!! Vários!!! Compositores do Amapá, Pará, Brasília, Rondônia, Acre, Sampa e Rio estão na minha mira para o próximo trabalho. Me sinto muito privilegiada de ter podido contar com estes maravilhosos compositores no meu disco de estréia.

M.T: Emília, você foi eleita pelo Mais Cultura! como  cantora revelação este ano. Como se sente sabendo deste título?
E.M: Uau!!! Me sinto feliz e muito grata por estar recebendo esse título, mais feliz ainda porque esse título traz à reboque a certeza de que estou no caminho certo intuitivamente...

M.T: O ex-Titã Charles Gavin e  Zé Vaz, do blog Som do Norte, elogiaram assiduamente seu disco. Logo em seguida veio o blog Eu Ouvo com uma crítica apaixonante. O Mais Cultura! saiu na frente e, em abril deste ano (2012), fez um longo artigo sobre seu lançamento (o mais aguardado de todo o Norte / Nordeste), antes mesmo de estar no mercado fonográfico. Essas críticas em relação ao seu disco aumenta a responsabilidade para o próximo trabalho?
E.M: Com certeza! Tive também a alegria de ter o meu Cd resenhado poeticamente por Aquiles Reis (do MPB4), por Mauro Ferreira (do Blog Notas Musicais), o próprio Zeca Baleiro fez um comentário lindo sobre ele. Sei que a expectativa para um próximo trabalho é natural. O que eu posso dizer é que nesse primeiro trabalho, eu só gravei músicas que traduzem a minha verdade, tenho certeza de que é por isso que as pessoas que gostam é porque conseguiram identificar isso. Não será diferente num próximo trabalho, assim como diz Milton Nascimento em Certas Canções : Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: Como não fui eu que fiz?! Certa emoção me alcança Corta-me a alma sem dor Certas canções me chegam, Como se fosse o amor.

M.T: Sei que ainda é cedo, mas já está pensando em um novo disco?
E.M: Já estou sim, essa pesquisa de repertório nunca pára pra uma intérprete...

M.T: Na sua opinião, qual o critério para se fazer música no Brasil?
E.M: Eu não sei se eu diria critério, mas a característica principal de quem faz música no Brasil com certeza é a perseverança e a fé, porque ainda vivemos num país que não prioriza a cultura, infelizmente. O artista independente, que não conta com a mídia a seu favor é um herói por definição.

M.T: Qual a maior voz do Brasil na sua opinião?
E.M: Eu não conseguiria dizer uma única voz, mas Elis Regina e Clara Nunes são algumas das vozes que me fizeram querer cantar pra libertar a alma desde pequena.

M.T: Emília, se você se auto definir com uma música de seu disco, qual seria esta música e por que?
E.M: Esse é um disco essencialmente feminino, das 12 canções, 7 foram compostas por mulheres, então todas as músicas me traduzem com certeza, se é pra escolher uma, então eu escolho Cheia de Graça, porque foi por um momento pessoal de superação e mudança de paradigmas que eu decidi fazer o CD, e a canção fala do recomeço: ‘Limpei o pó das cortinas, pus alecrim na janela, vento que passar por ela vai mudar o horizonte... Varri o chão e a soleira, lavei com água de cheiro, passo que eu der aqui dentro vai ser de novo o primeiro... Se me fez chorar não tem de quê, é água que eu uso pra me benzer que eu sou Maria Cheia de Graça’!

Emília, gostaria de agradecer profundamente à você pela simpatia e pelo espaço dado ao Mais Cultura!, concebendo esta entrevista, fechando  com chave de ouro o ciclo de artigos para este ano de 2013.


Até 2014!!!


Entrevista com Emília Monteiro
Por Marcelo Teixeira

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

É melhor ser... Simone!


Um disco atrativo de Simone
Simone voltou e mais bela e confiante do que nunca. Assim a cantora sentencia seu novo disco, aos 63 anos de idade e em plena forma, lançando um disco apenas com músicas de cantoras brasileiras, dando uma reviravolta em sua carreira. É Melhor Ser (2013 / 26,99) tem um desfile de ícones brasileiras, como Angela Ro Ro, Rita Lee, Adriana Calcanhoto, Joyce, Fátima Guedes, Dona Ivone Lara, Marina Lima, Teresa Cristina, Joanna, Sueli Costa, Alzíra Espíndola.  As curvas femininas dão toda a diferença neste disco, que está redondo, como definiu a cantora em entrevistas recentes. O amor parece ser o fio condutor das 13 faixas, com suas calmarias e seus ventos uivantes que reinaram praticamente toda a carreira de Simone. É Melhor Ser é ousado e criativo, feminino e sedutor, capaz de nos envolver já nas primeiras notas do primeiro áudio e este momento sublime da cantora reflete de um modo geral dentro da MPB, que está repleto de cantoras novas, mas sem o brilho de Simone. O disco vem em um momento de transição na carreira da cantora, que vinha de um certo ostracismo, lançando discos atemporais e sem graça e sem o apoio da crítica especializada. Quem acompanha a carreira de Simone não estranhará seu lado autoral neste novo disco que, a propósito, recheia o disco com os privilégios femininos e suas pérolas predominantes do amor. Entre as que ainda não havia gravado destaca-se Mulher o Suficiente, de Alzíra Espíndola em parceria com Vera Lúcia Motta, Os Medos, de Joyce com Rodolfo Stroeter e Haicai, de Fátima Guedes. De Zélia Duncan surge Só se for, belo bolero que Simone também assina a co-autoria, Adriana Calcanhotto surge em Aquele plano para me esquecer e de Teresa Cristina temos Trégua suspensa. É Melhor Ser é um disco diferente na carreira de Simone por ser mais a cara de Simone e voltar aos tempos de estrelato total. Simone ainda continua na ativa, dando um show de interpretação e sendo considerada, ainda, um ícone da música popular brasileira. E para as cantoras novas que surgem a cada esquina sem um pingo de criatividade, aconselho a ouvir esse disco sensacional, com uma voz agradabilíssima e sem estrelismos.

 
É Melhor Ser / Simone
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Os oásis de Maria Bethânia


 

Os oásis de Bethânia reunidos
O 50º álbum de Maria Bethânia, Oásis de Bethânia (2012 / Biscoito Fina / 35,00) vem com força total e com um tom de desabafo e fúria por parte da interprete de Cárcara, tamanha a voracidade com que as palavras são jogadas da boca da cantora. A prova maior disso é a regravação de Calúnia, do repertório de Dalva de Oliveira: a letra nervosa já avisa quisestes ofuscar minha fama, até jogar-me na lama só poruq eu vivo a brilhar; sim, mostras-te ser invejo, viraste até mentiroso, só para caluniar. Outro momento de desabafo é Carta de Amor, que, apesar do nome, é na verdade, um aviso dizendo Não mexe comigo, que eu não ando só. Em seguida, santos, entidades e até Jesus, entre muitos outros, são invocados em sua proteção, culminando no fim em um discurso em que afirma que esta pessoa que está tentando derrubá-la não passa de um nada. Maria Bethânia surge ainda mais forte neste disco, depois de lançar inúmeros discos igualmente fortes, com sua voz potente e cortante, mas neste mesmo disco há espaço para interpretações de cunho mais denso e emocional, que é especialidade de Bethânia, como a sensacional Casablanca, de Roque Ferreira e Vive, composta por Djavan. Com este novo trabalho, florido e forte Bethânia reafirma-se como intérprete maior deste Brasil. A sua presença e trabalho ainda é de grande relevância para a nossa música popular, queriam ou não. Oásis de Bethânia se aproxima da literatura, sem afastá-la da música e esse lirismo faz toda a diferença aqui.  O tal oásis de Maria Bethânia fica no sertão, com seu silêncio, seu céu limpo, gente digna e a proximidade de Deus. Com mais de 47 anos de carreira, a cantora lança um disco intimista, como uma capa e cores diversificadas em suas dez faixas e com um sabor de quero mais. O CD traz os seus preferidos Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, além de Jota Velloso (seu subrinho), Djavan (34 anos depois do estouro de Álibi) e dois clássicos: Calúnia, já citado acima e Lágrima, de Orlando Silva. O disco é um dos melhores lançamentos da cantora, que já não precisa mostrar a ninguém sobre sua carreira, trabalho ou algo. Basta fechar os olhos e ouvir os oásis de Bethânia.

 

Oásis de Bethânia / Maria Bethânia
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O Canto Sagrado de Fabiana Cozza


 

Justa homenagem a Clara Nunes
Se viva estivesse, Clara Nunes já estaria com 70 anos, cabelos menos volumosos, talvez mais escuros, pele mais enrugada e nos brindando com seu sorriso encantador. Clara Nunes partiu cedo e deixou um rastro de saudade que não foi preenchido até hoje, mais de trinta anos de sua morte. A lacuna que a cantora deixou jamais será completada e suas músicas jamais terão o mesmo brilho de sua primeira interprete. Clara Nunes não morreu: partiu desta para uma melhor e está viva, eternamente viva, nos nossos corações, mentes e poros. Muitas cantoras se espelharam na beleza no canto da grande Guerreira, assim como muitos cantores também o fizeram, mas negam este destino. Já se foi o tempo em que Roberto Ribeiro, Gonzaguinha, Martinho da Vila ou João Nogueira falavam abertamente que eram apaixonados pela amiga Clara Nunes e que fizeram um samba especialmente à ela. Hoje os cantores mais moderninhos que cantam samba, insistem em dizer ou citar nomes como Dona Yvone Lara, Beth Carvalho, Alcione, mas esquecem da grande dama do samba, a rainha do império, a mestiça cabocla que evoluiu o segmento e que culminou definitivamente o nosso samba aos países aonde jamais imaginiriam que um dia chegaria. Exceto o cantor e compositor Diogo Nogueira, que acaba de lançar um disco inteiramente dedicado às mulheres e que na contracapa fez uma homenagem as mulheres que lhe tornaram um homem completo. Lá tem o nome da Clara, vindo acompanhado das citadas acima e de Clementina de Jesus. Algumas boas cantoras – e outras nem tanto assim – também fizeram neste ano de 2013 homenagens póstumas a cantora, umas com maestria, outras por pura pretensão. Casos como o da cantora Mariene de Castro, que lançou um disco maravilhosamente competente e contemporâneo e que fez desta homenagem uma forma de agradecer ao seu próprio público por esta abertura, tendo em vista que Mariene é uma discípula de Clara. Carla Visi, a cantora baiana que vem do axé fresco e atemporal, resolveu entrar na onda da maré cheia de Clara Nunes para lançar um disco horrendo e feito às pressas, bem característico desta cantora. Com uma capa horripilante e insensível, Carla Visi acabou por completo com as músicas que Clara eternizou, convidando cantores (?) que nada tinham a ver com a obra da homenageada, fazendo disso um dos piores lançamentos do ano. Mas ainda a competência e sensiblidade de uma grande cantora como Fabiana Cozza, vem nos enriquecer com sua potente voz lantente, que adentra em nossos tímpanos sensíveis e oriundos e nos brinda com uma capa deslumbrante, com um festival de músicas maravilhosas e com categoria digna de uma grande estrela da música brasileira. Fabiana Cozza consegue, já na primeira faixa, nos emocionar, nos dirigindo ao cancioneira da cantora mineira, a ponto de nos apaixonar, de nos arrepiar, de nos enaltecer. Fabiana Cozza surge como quem nada quer, nos trazendo um disco magnifico, sentimental e alegre, festivo, bem ao estilo Clara Nunes de ser. Este momento é mágico, porque Fabiana Cozza também é uma adepta do estilo de viver que Clara adotou, fazendo de sua voz e de seu estar, um motivo maior para brindar os fãs e sua própria carreira. Canto Sagrado (2013 / 29,99) é um disco que vem acompado de um DVD e as melhores músicas de Clara estão aqui. Peço atenção para a versão de Fabiana para Portela na Avenida, que ficou sublime, encantadora, arrebatadora. Um fiel trabalho de uma grande artista representando uma diva da música popular brasileira para fechar o ano com chave de ouro. Fabiana soube, milimetricamente, utilizar seus artificios para nos brindar com um disco a altura de seu talento. Voz primorosa, harmonia ginasial, músicas de embelezamento mútuo faz deste disco um presente de luz, um presente divino, um presente saboroso. Que este belo trabalho não seja menosprezado e que muitos possam ouvir, apreciar, comentar, admirar, respirar o ambiente deixado por Clara, sendo agora transpassado por Fabiana Cozza. Um digno e fiel respaldo de Canto Sagrado faz deste trabalho a maior dentre as honrarias feitas para Clara, sem diminuir aqui o trabalho (fiel, sedutor, carimbado, festivo) de Mariene de Castro. Clara Nunes, no meio deste mundaréu de céu e brancas nuvens, está sentindo o povo aqui embaixo celebrando seus 70 anos de vida e ela nos agradece sorrindo, respirando o nosso ar. Viva ela está. No nosso coração e no coração de quem a homenageia diariamente. Viva Fabiana Cozza! Viva o Canto Sagrado de Clara Nunes!

 
Canto Sagrado / Fabiana Cozza
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Gonzagão e Gonzaguinha juntos em disco memorável


 

Pai e filho unidos pela música
Um dos mais emblemáticos cantores de todos os tempos, Gonzaguinha foi um líder político, revolucionário, arquitetando brilhantemente suas canções conforme ia avançando o Brasil numa forma ainda mais emblemática e hostil. Lançado ainda em vinil em 1991, este disco traz belos momentos de Gonzagão e Gonzaguinha, pai e filho, dois dos mais importantes nomes da Música Brasileira. São ocasiões de sociedade que privilegiam composições de Gonzaguinha e a poderosa voz de Luiz Gonzaga, destacando alguns sucessos, e transparecendo uma combinação que teria rendido maiores contribuições à cultura brasileira se não fossem os conflitos que mantiveram pai e filho em caminhos de incompreensão e desafeto por muito tempo. A maior parte das canções é de leituras do pai sobre o trabalho do filho ainda entre 1970 e 1980. No repertório estão pérolas como A vida do viajante (Luiz Gonzaga/Hervê Clodovil), Mariana, Não vendo, nem troco e Eu e minha branca, compostas e interpretadas por Gonzaguinha e Gonzagão pela dupla; From United States of Piauí, Diz que vai virar, Pobreza por pobreza, Lembrança de primavera, Erva Rasteira e a belíssima Festa, compostas por Gonzaguinha, são interpretadas por Gonzagão; Pense n’eu, composta por Gonzaguinha, é interpretada pelos dois – uma das músicas mais belas da compilação; A triste partida (Patativa de Assaré) completa o disco com seu tom de reflexão social, tema bastante forte na obra de Gonzaguinha e na luta de Luiz Gonzaga pelo povo nordestino. Gonzagão & Gonzaguinha Juntos (1991 / Sony / 29,99) é uma coletânea recomendável para o fã de Gonzaguinha que busca conhecer seu lado menos obscuro, tendo em vista que estas canções, mesmo falando da realidade brasileira, são mais leves e ganham a espontaneidade de Gonzagão em interpretações singelas e verdadeiras. Os bustos sociais dos calvários fluminenses e do açoite sertanejo, respectivos berços de Gonzaguinha e Gonzagão, são porta-vozes destes dois importantes artistas que representam um país inteiro com uma música original. Juntos, abraçaram suas dores e seus conflitos, se reconciliaram e permitiram parcerias memoráveis que poderiam render mais frutos se a vida não os tivesse afastado tantas vezes.

 

 

Gonzagão & Gonzaguinha Juntos / Luiz Gonzaga e Gonzaguinha
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Álibi (1978), de Maria Bethânia


Grande disco de Bethânia
Toda grande cantora merece um grande disco e com Maria Bethânia não poderia ser diferente. Primeiro disco de uma cantora brasileira a ultrapassar a marca de 1 milhão de exemplares vendidos, antes Clara Nunes chegou a atingir o número com dois discos, Álibi (1978 / RCA / 23,99) leva o nome de uma música composta por Djavan e incluída no repertório que fez menos sucesso que as outras interpretações da cantora, como O meu amor, de Chico Buarque, Ronda, de Paulo Vanzolini, Explode Coração, de Gonzaguinha, Negue, de Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos ou Sonho Meu, de dona Yvone Lara e Décio Carvalho, que tem parceria com a amiga Gal Costa. A selecção de músicas que garantiram o sucesso deste disco e a passagem definitiva de Bethânia como a maior estrela da música nacional veio com este álbum romântico, que tem a abertura de Diamante Verdadeiro, canção de Caetano Veloso, que mais tarde dara nome a outro disco da irmã e De todas as maneiras, do mestre Chico, e a canção que saúda o Rio de Janeiro, na bela A voz de uma pessoa vitoriosa (Caetano e Wally Salomão. O disco na verdade é uma pérola de achados musicais, contando ainda com a arrepiante Cálice, que tem veia política e crítica sobre a ditadura, composta por Gilberto Gil e Chico Buarque e Interior, da compositora Rosinha de Valença. Neste grande disco, o nome Maria Bethânia está impresso em branco, enquanto o vinil traz o encarte com o nome impresso em dourado vermelho. Vale a pena ter este disco em sua coletânea. Não por ser um disco que ultrapassou barreiras, nem por ser um disco repleto de compositores bons, mas por ser um disco histórico.

 

Álibi / Maria Bethânia
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Milton Nascimento comemora 50 anos de carreira em disco sublime


50 anos de carreira do Bituca
Milton Nascimento sempre disse que a música e ele não tem idade e sendo por este aspecto, o cantor e compositor preferiu resumir 50 anos de carreira em um único disco, chamando aqui os representantes deste universo infinitivamente particular, para celebrar o melhor e mais audacioso projeto da MPB: o Clube da Esquina, marco definitivo da música popular brasileira num todo.  Aqui tudo respira ao som do Clube, que esteve presente com Bituca no início de sua carreira e a facilidade em escalar os companheiros não foi a mesma para decidir o repertório. Canção da América, Maria, Maria, Coração de Estudante, Nos Bailes da Vida, Travessia, Para Lennon e McCarteney, todas estão aqui, em roupagens novas e algumas em duetos com Lô Borges. A melâncolia de Cais, já retratada por Elis Regina, é a melhor parte do disco e pudera, acaba sendo a mais trabalhada de todo o CD. São 50 anos de estrada, ou melhor, 51, repisados em 23 números. Compositor carioca de alma mineira, Milton Nascimento lançou neste ano 50 Anos de Carreira – Uma Travessia (2013 / Universal Music / 38,99), registro ao vivo do show capturado no Rio de Janeiro. Com toques de rock e jazz, o cantor recicla seus principais sucessos e recebe o convidado mais ilustres dessa caminhada: Lô Borges, sócio/amigo/irmão do Clube da Esquina. O tom jazzístico é perceptível nos arranjos sofisticados de músicas como Vera Cruz (1969) e Lília (1972).Já o rock predomina quando Lô Borges está em cena para reviver músicas como Nada Será Como Antes (1972 e Para Lennon e McCartney (1970), tema turbinado com levada elevada. Além de Lô , outro convidado ilustre é o maestro, pianista e amigo mineiro Wagner Tiso, o arranjador de canções e momentos áureos do cantor, que prioriza com maestria as canções de Bituca.

 

Uma Travessia / Milton Nascimento
Nota 9
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Vivo Feliz (2003), de Elza Soares


 

Elza: homenagem ao Rio
Falar de música negra é falar de Elza Soares. Falar de música popular brasileira é falar de Elza Soares. Falar de música por um todo é falar, essencialmente, de Elza Soares. A cantora se orgulha em ser negra, em ser do morro, em ser mulher, favelada e cantora. Reconhecida e tarimbada como a voz do milênio por uma emissora americana, Elza Soares lançou Vivo Feliz (2003 / Trattore / 25,99) em grande estilo, logo após lançar Do Coccix até o Pescoço (2002) em que foi obrigada a voltar aos palcos brasileiros pelas mãos de Chico Buarque e Caetano Veloso. Não foi a toa que Elza regravou dois medalhões da MPB, como Volta Por Cima (Paulo Vanzolini) e Opinião (Zé Ketti), talvez para dar algum recado diretamente a alguém. Seja como for, Vivo Feliz retrata, acima de qualquer suspeita, o momento mais mágico e feliz de uma grande artista (esquecida por muitos) como Elza Soares. Retratando o Rio de Janeiro que tanto ama através da capa e da música Rio de Janeiro, composta por ela e pelo então namorado, Anderson Lugão, o álbum veio com uma sonoridade mais eletrônica que o anterior e isso fez com que muitos fossem ouvir o novo trabalho da cantora. O bom resultado é que Elza agregou valores e referências neste disco, como a vinda de compositores mais novos, casos de Nando Reis e Fred 04, que fizeram toda a diferença aqui com suas jovialidades. O outro lado bom deste disco é o lado compositora de Elza, cujo compôs a salsa Somos Todos Iguais em um clima de (re)visita ao passado e a sensacional derradeira Lata D’Água, que fecha o disco em grande astral. O disco é perfeito e sem retoques, desde a introdução até os momentos em que Elza brinca com sua voz, passando pelos pontos eletrônicos exigidos pelo produtor Arthur Joly. Resultado de grandeza para Elza Soares, que fez um disco pensando na sua sonoridade e na ampliação de seus fãs. E para quem duvidava do estado de graça de Elza Soares, basta ouvir o disco para saber...

 

Vivo Feliz / Elza Soares
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A beleza de Perto (2003), de Olivia Gênesi


Sofisticação em disco perfeito
Quando o ofício de cantar passa a ser a pluralidade maior de uma cantora, esse objetivo transpassa as barreiras horizontais de qualquer esfera e sua música chega aos nossos ouvidos como uma pluma ou um algodão, nos aconchegando e adentrando em nossos poros toda a suavidade transpiratória e transitória que ali existe. Olivia Gênesi é uma dessas cantoras que me orgulham e muito pelo seu cantar e por sua luta para com a música popular brasileira e sua sonoridade é tão rica e tão bela e tão serena, que fico feliz e embasbacado quando a ouço. E hoje faço questão de dizer que tudo começou com este disco, intitulado Perto (2003), o segundo de sua carreira, que hoje, passado dez anos de seu lançamento, eu pude estar lado a lado com a cantora e compositora a qual idolatro muito. Perto foi o pontapé inicial para que eu me debruçasse na carreira desta cantora sensacional e foi o estopim para algumas mudanças em minha vida, como o caso da música Perto, cujo fala de um amor que deveria estar por perto, englobando a saudade e a sensação de solidão. Neste disco, Olivia nos brinda com o melhor de sua música, com canções meramente belas e marcantes como um todo, demonstrando virtuosidade e capricho nas melodias e na voz. Um disco que traz mensagens impactosas e altíssimas notas emocionais, carregadas de sentimentos aflorados e de voz cristalina. Inovando a música popular brasileira, Perto foi além dos horizontes que permeiam a vida de uma cantora: ela chegou a pontos estratégicos de ultrapassar limites e chegar a ouvidos que até então se limitava a ouvir os grandes cantores da MPB. A música de Olivia me faz bem e esse bem é notório quando a ouço. E ouvir Olivia é estar perto do semblante crucial entre o que é belo e o que é satisfatório. Sua sensibilidade ácida e pura é de uma belza rara em canções como O Claro dos Relâmpagos e Nas Asas da Música. E sua personalidade musical é gigantesca em discos como este, aonde a música se faz presente, o brilho de sua voz se faz autêntico e a magnitude de uma grande cantora se faz presente.

 

Perto / Olívia Gênesi
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A música negra brasileira

Dia de festa ao povo negro
A cultura brasileira e, logicamente, a rica música que se faz e consome no país estruturam-se a partir de duas básicas matrizes africanas, provenientes das civilizações conguesa e iorubana. A primeira sustenta a espinha dorsal dessa música, que tem no samba sua face mais exposta. A segunda molda, principalmente, a música religiosa afro-brasileira e os estilos dela decorrentes. Entretanto, embora de africanidade tão expressiva, a música popular brasileira, hoje, ao contrário da afro-cubana, por exemplo, distancia-se cada vez mais dessas matrizes. E caminha para uma globalização tristemente enfraquecedora. A presença africana na música brasileira, pelo menos em referências expressas, vai se tornando cada vez mais rarefeita. Aparece, via Jamaica, no carnaval dos blocos afro baianos e nos sambas-enredo das escolas cariocas e paulistanas – especialmente nas homenagens a divindades. Mas nada de modo tão intenso como ocorre na música que se faz em Cuba e em outros países do Caribe. Mesmo com a explosão comercial da chamada salsa, a partir de Porto Rico e via Miami, na música afro-caribenha de hoje é raro um disco que não contenha pelo menos uma cantiga inspirada em temas da religiosidade africana e interpretada com fervor apaixonado. Tito Puente, Mongo Santamaría, Célia Cruz, Rubén Bladez e muitos outros são exemplos fortes, o mesmo não acontecendo no Brasil, pelo menos na música mais largamente consumida. No Brasil, o pagode, a partir da década de 1990, apesar da voga inicial de grupos cujos nomes, mas só os nomes, evocavam a ancestralidade africana (Raça Negra, Negritude Júnior, Suingue da Cor, Os Morenos etc.), entendemos que foi se transformando em um produto cada vez mais fútil e imediatista para se preocupar com etnicidade. E isto talvez por conta do conjunto de estratégias de desqualificação que ainda hoje sustentam as bases do racismo antinegro no Brasil. É esse racismo que, no nosso entender, vai cada vez mais separando coisas indissociáveis, como o samba e a macumba, a ginga e a mandinga, a música religiosa e a música profana, desafricanizando, enfim, a música popular brasileira. Ou africanizando-a só na aparência, ao sabor de modas globalizantes made in Jamaica ou Bronx.

 
Clementina de Jesus, cantora nascida em Valença, RJ, em 1901, e falecida no Rio, onde vivia desde menina, em 1987, foi uma grande presença de personalidade negra no Brasil. Descoberta para a vida artística já sexagenária, afirmou-se como uma espécie de elo perdido entre a ancestralidade musical africana e o samba urbano. Seu trabalho de maior expressão fez-se através da interpretação de jongos, lundus, sambas da tradição rural e cânticos rituais recriados, como o já Benguelê, de Pixinguinha. Logo depois do surgimento de Clementina, outra importante interseção entre a música popular brasileira e a religiosidade africana ocorre com os afro-sambas (Canto de Ossanha, Ponto do Caboclo Pedra Preta etc) lançados por Baden Powell e Vinícius de Moraes em 1966. E é o mesmo Vinícius que, agora em parceria com Toquinho, veio a lançar um Canto de Oxum, em 1971, e um Canto de Oxalufã, em 1972. Daí em diante, a vertente começa a se rarefazer, com raras incursões, como a do cantor e compositor Martinho da Vila, que, em um de seus discos do final dos anos 70, registrou uma seqüência de cantigas rituais da umbanda.

Clara Nunes nasceu em Minas Gerais no ano de 1942 e morreu no Rio de Janeiro no ano de 1983 e foi uma das maiores cantoras do Brasil, considerada uma das maiores influências do país na música negra. Pesquisadora damúsica popular brasileira, de seus ritmos e de seu folclore, Clara também viajou várias vezes para a África, representando o Brasil. Conhecedora das danças e das tradições afro-brasileiras, ela se converteu à umbanda. Também foi a primeira cantora brasileira a vender mais de 100 mil cópias, derrubando um tabu segundo o qual mulheres não vendiam discos. Clara e Clementina gravaram juntas um partido alto reverenciando a música negra, o lundu, os atabaques. E festejaram juntas este feito.

Desafricanização, como sabemos, é o processo por meio do qual se tira ou procura tirar de um tema ou de um indivíduo os conteúdos que o identificam como de origem africana. À época do escravismo, a principal estratégia dos dominadores nas Américas era fazer com que os cativos esquecessem o mais rapidamente sua condição de africanos e assumissem a de negros, marca de subalternidade. Isto para prevenir o banzo e o desejo de rebelião ou fuga, reações freqüentes, posto que antagônicas.O processo de desafricanização começava ainda no continente de origem, com conversões forçadas ao cristianismo, antes do embarque. Depois, vinha a adoção compulsória do nome cristão, seguido do sobrenome do dono o que representava, para o africano, verdadeira e trágica amputação. Então, vinham as distinções clássicas entre da costa e crioulo, entre boçal e ladino. Acreditamos que a música popular brasileira, de raízes tão acentuadamente africanas, seja vítima de um processo de desafricanização ainda em curso. Senão, vejamos. Quando a bossa-nova resolveu simplificar a complexa polirritmia do samba e restringir sua percussão ao estritamente necessário, não estaria embutido nesse gesto, tido apenas como estético, uma intenção desafricanizadora? E quando a indústria fonográfica procura modernizar os ritmos afro-nordestinos (de maracatu para mangue-beat, por exemplo), não estará querendo fazer deles menos boçais e mais ladinos, pela absorção de conteúdos do pop internacional? Pois esse pop milionário, sem pátria e sem identidade palpável (mesmo quando pretende ser étnico), é exatamente aquela parte da música dos negros americanos que a indústria do entretenimento desafricanizou. Por tudo isso e como sempre disse a grande dama negra da música popular brasileira, Elza Soares, a música preta pede passagem, que o dia da Consciência Negra é celebrado com maestria e com muita música por artistas negros de ontem e de hoje em eventos espalhados por todo o Brasil. De Negra Li a Elza Soares, passando por Jorge Ben e Fabiana Cozza, a música negra é rica em elementos sofisticados diferenciados do pagode do início da década de 1990 e menos conturbado, hoje, do que na época de início de carreira da dama Elza Soares. Viva a música negra brasileira, viva o povo negro, viva o povo brasileiro. Negro na sua maioria!

 

A Música Negra Brasileira
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A explosão de Ney Matogrosso


Alto astral em disco ao vivo
Havia um pouco de loucura nos idos anos de 1999 quando Ney Matogrosso lançou seu disco ao vivo, pois a carreira do cantor estava um pouco abafada pela explosão do sertanejo e da volta do axé. A loucura fez com que Ney fosse surpreendido pela crítica e público quando seu disco foi alçado ao ponto máximo que um artista de sua geração pudesse alcançar: o topo das paradas. O disco Ney Matogrosso Ao Vivo (1999 / Universal Music / 23,99) é um álbum em que pode ser encontrado de tudo um pouco: das grandes regravações, dos belos poemas de Itamar Assumpção, das letras inesquecíveis de Cazuza, da fase dos Secos & Molhados e até cantores mais modernos, como Lenine e Renata Arruda. Em boa fase e muito bem em palco, Ney Matogrosso fez um disco para fechar o ano e abrir o novo milênio em excelente categoria. Boa parte disso vem do disco anterior, Olhos de Farol, em que Pedro Luís reforçava a bandeira como sendo um dos mais brilhantes e notórios compositores de sua geração. Ao Vivo trouxe de volta Ney Matogrosso em alta categoria, incapaz de ser subjulgado como qualquer cantor. Sim, Ney ainda respirava respeito por todos e esse disco veio apenas comprovar isso. Envelhecer no Brasil, como Ney envelheceu com o Brasil, não é uma tarefa fácil. Ney lançou Ao Vivo aos 58 anos de idade e ficar dançando como ele dançou e requebrou as cadeiras nos shows pelo país a fora, não é tarefa para qualquer um. A coerência de Ney e o prazer com que ele dança e interpreta as canções neste disco vão além de sua velhice (no bom sentido). O gás de ânimo de Pedro Luís e Lenine e o fogo ardente de Paulinho Moska, misturados ao sabor de Itamar e aos gestos selenes de Rita Lee, fizeram com que o cantor passasse a virada de milênio com um número maior de fãs mais jovens e de obter maior êxito entre os que já gostavam de Ney. Ao longo de sua carreira, Ney dribla entre fortes doses de adrenalina, libertinagem, liberdade e ousadia e assumiu todos os pecados e hoje segue sozinho, vivo, liberto de qualquer agruras do passado e sem nunca sentir remorsos. E essa liberdade é vivida neste álbum, quando recria com sofisticação inúmeros sucessos do passado, sem ter medo da opinião alheia. Beirando os 59 anos à época, Ney resisitiu à tentação de dançar quase pelado, metamorfoseando-se de plumas e paêtes e se deliciando com as próprias canções.  Aqui não tem apelações, exageros ou coisas do tipo, porque Ney Matogrosso soube exprimir tudo com sabor de requintes excepcionais para fazer com que o seu público dobrasse ou triplicasse. E ele conseguiu. Passados mais de dez anos, Ney Matogrosso Ao Vivo consegue fazer a ponte entre o Ney de ontem e o Ney de hoje e isso faz toda a diferença na carreira do grande cantor.

 

A explosão de Ney Matogrosso
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Tanto Tempo (2000) de Bebel Gilberto


Disco excepcional de Bebel
Primeiro grande trabalho solo de uma das artistas mais completas do Brasil nos Estados Unidos, Bebel Gilberto conseguiu fazer um dos discos mais completos de todos os tempos, misturando a bossa nova de seus pais, Miúcha e João Gilberto, a MPB de seu tio, Chico Buarque, o rock de seus melhores amigos, Cazuza e Dinho Ouro Preto e inspira-se na voz de Nina Miranda para cantarem juntas uma das melhroes faixas. Tanto Tempo (2000 / Ziriguiboom-Crammed Discs / 39,00) surgiu como quem nada queria e explodiu nos Estados Unidos e Japão como um meteoro. Duas vezes indicada ao Grammy, Bebel Gilberto é uma das poucas cantoras que conseguiram êxito maior fora do país de origem que dentro dele, embora tenha fãs espalhados por todo o mundo. A sensualidade deste gênero, resultado do cruzamento sincopado da percurssão do samba com a voz uniforme, é recriada pelo timbre suave e melódico de Bebel, que conta com a ajuda de sofisticados instrumentos acústicos e algumas orquestrações. O resultado é um disco com sabor de música eletrônica, bossa nova, mpb, samba, jazz e tudo isso misturado ao sabor e ao calor de uma voz adorável. Com um cheirinho de forró, pop ou qualquer gênero, Tanto Tempo tem as participações de Mario Caldato Jr, Suba, Amon Tobin, Béco Dranoff, Luís do Monte, João Parahyba e Nina Miranda, dos Smoke City. O sucesso e o reconhecimento de Tanto Tempo, produzido pelo iuguslavo Suba, um especialista em música eletrônica, conseguiu fazer com que Bebel fosse reconhecida pelo seu talento logo de cara, não precisando do reconhecimento de seus pais ilustres. O disco caiu nas graças dos DJs americanos e depois invadiu as pistas de dança do mundo todo a ponto de ser feita uma nova edição remix do mesmo álbum. Tanto Tempo, que tem músicas como Bananeira, Samba e Amor, So Nice e Close Your Eyes, bateu todos os recordes discográficos na época, vendendo 1 milhão de cópias em todo o mundo e tornou-se o mais bem-sucedido trabalho de um artista brasileiro na terra do Tio Sam.

 

Tanto Tempo / Bebel Gilberto
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A histeria de Thalles Roberto em nome de Deus


Thalles: histérico demais
Não sou sou muito adepto da música gospel, mas um cantor ou outro que surge aqui ou ali me instiga a ouvi-lo e a comentar sobre seu trabalho. Sempre que possível, surge um cantor ou uma cantora gospel que acaba sendo muito prestigiada em seu centro evangélico e, para a alegria geral dos irmãos, eles passam das fronteiras universais e chegam a abraçar os que não são evangélicos. Casos de Aline Barros ou do agora garoto propaganda Thalles Roberto, que levam a palavra de Deus às bocas de milhares de pessoas que encontram em seus hinos um motivo maior para se sentirem aliviadas. Confesso que esse tipo de música não me agrada, porém, não me faz mal e cantarolo alguns versos vez ou outra para minha surpresa geral. Dentre todos os lançamentos do momento, Thalles Roberto é significado de grandeza e louvação contínua, mas eu não sei muito bem qual a pegada musical dele. Voz rouca, grave e potente, Thalles Roberto é um legítimo pregador de hinos, contundente e capaz de mobilizar multidões, mas não entendo uma vírgula do que ele canta. Berrando feito um pastor enlouquecido, Thalles Roberto precisa soltar o diafragma para poder expressar suas palavras ou, melhor ainda, precisa parar de dançar freneticamente para poder respirar e cantar. Afinal de contas, suas músicas são bonitas, as mensagens são perfeitas, mas o que estraga tudo isso é o conteúdo central: Thalles Roberto. Mas antes mesmo de se dedicar totalmente à música gospel, Thalles Roberto foi músico de apoio do Jota Quest e da Banda Jamil e Uma Noites. O cantor é um dos mais renomados e admirados artistas de sua geração religiosa, tendo sido indicado ao Grammy Latino e ao Troféu Promessas (não levando nenhum). Tudo isso pode ser levado por água abaixo pela histeria do cantor, que insiste em gritar, pular e parecer receber um santo em palco. Será que é preciso tudo isso para levar o nome de Deus aos ouvidos mais solenes? Menos, Thalles Roberto, bem menos!

 

A histeria de Thalles Roberto em nome de Deus
Marcelo Teixeira