sábado, 30 de julho de 2016

Liniker - cantor e cantora ao mesmo tempo!


Liniker: ousadia e novidade em 2016
Sempre venho batendo na mesma tecla de que a música popular brasileira precisa de renovação e essa renovação não está apenas no sentido figurado de cantar, de compor ou de estar presente na representação conjunta de todo o conteúdo formal de musicalidade. É preciso uma reinventação única, capaz de nos hipnotizar, nos impactar, nos catalisar numa singela força de expressão, que nos faça arregar os olhos, abrirmos as bocas, arrepiar nossas peles e nos fazer sairmos do espetáculo com a mente inquieta, insana, cheia de música boa e com imagens jamais repartidas, quebradas ou esquecidas. Liniker nasceu homem, se comporta como homem, tem voz de homem e se apresenta como homem transvestido de mulher. Não chega a ser uma aberração para ninguém, mas Liniker soube provocar a ira de muitas pessoas ao se apresentar numa forma espontânea, capaz de nos prender o fôlego e prender a respiração tamanha a sua participação no palco, na música que canta e naquilo que produz. Liniker nasceu com o nome Liniker e é esse mesmo nome que o consagrou para que a música o revelasse ao Brasil com toda a sua formosura e sua docilidade em poder cantar suas canções numa totalidade máxima entre o prazer e o sabor de cada palavra soltada ao vento. A plateia delira, os músicos se rebelam ao bel-prazer geral e todos entram no clima. Sendo um misto de tudo aquilo que o Brasil já produziu de bom e da melhor qualidade artística, Liniker é o cantor de protesto que mais bem representa, nos dias de hoje, a sua verve artística, não se comparando com o fenomenal Filipe Catto e muito menos com o cafona Johnny Hooker. Ele é mais do que isso e seu testamento é maior que sua veia musical. Liniker pode ser uma miscelânea de tudo aquilo que já vimos anteriormente: um pouco de Luiz Melodia, uma pitada generosa de Itamar Assumpção, um sal de Maria Bethânia, um doce de Gonzaguinha, um gosto de Tulipa Ruiz, um  tempero de Rita Lee, uma gosto de Sandra Sá, um bocado de Tim Maia, um pedaço de Clara Nunes, um sorisso de Elis Regina, um canto Dolores Duran. Liniker é uma surpresa notória dentro da MPB e seu canto ecoará por muitos anos e ultrapassará fronteiras. É um cantor de verdade, com vontade própria, luz própria, sentimentos próprios e com carisma de artista generoso. O seu jeito feminino de cantar não assusta, pois sua música é muito maior que qualquer vestimenta ou adereço peculiar. Liniker é um cantor que já nasceu pronto, que tem astúsia pronta e que precisa ser ouvido o mais depressa possível.

Liniker – cantor e cantora ao mesmo tempo
Por Marcelo Teixeira

domingo, 24 de julho de 2016

O fraco encontro de Samuel Rosa e Lô Borges em disco ao vivo


Samuel e Lô: ontem e hoje
O Clube da Esquina foi um movimento musical que alcançou voo mais que significativo dentro do âmbito da música popular brasileira e que teve como principais articuladores Milton Nascimento e Lô Borges. O sucesso foi tão imediato que elevou a popularidade do estado de Minas Gerais para o centro das atenções e até o então presidente JK aderiu ao movimento, tornando-se fã número 1 de todos os integrantes. Mais de trinta anos se passaram e eis que a junção do ontem com o hoje voltou a povoar o mercado fonográfico com um disco que visa homenagear o movimento mineiro com pitadas de pop rock atual. O encontro de Samuel Rosa e Lô Borges não tem um significado maior que o simples fato de cantarem sucessos que ainda estão na boca do povo. O pop rock meloso de Samuel encontra a música singela de categoria ímpar de Lô Borges para formarem a dupla do momento em um encontro formal para cantarem sucessos renomados de um tempo áureo da MPB. Mas o que poderia ser bem feito acabou sendo desprezível: a voz de Lô Borges não é mais a mesma e a voz de Samuel Rosa é cansativa, arrastada, sufocada, melindrosa. Não existe uma ligação capaz de suprir o iddeal momento espontâneo com a qualidade musical de um tempo que ficou para trás, mas com raízes significativas e que deveriam ficar lá, quietas, intactas. Não há emoção no disco, assim como não há perfeição. Samuel Rosa e Lô Borges Ao Vivo (2016 / Sony Music / 35,00) é um disco morno quase esfriando, mas que tem um peso importante dentro da música nacional, que é o de resgatar pérolas embutidas em um cancioneiro próprio (o que, para mim, pessoalmente, deveria ficar intacta!).  Mas as duas pontas dessa história musical se encontram para consolidarem um momento único: o encontro de Samuel e Lô passa a ser um divisor de águas para aqueles que não conheceram o Clube da Esquina. Mesmo sendo um disco cansativo, o encontro dos dois não ficará mais do que pouco tempo registrado aqui, em um disco atemporal, tímido, mas com letras bem caprichadas e que elevaram um tempo glorioso da música popular brasileira.

 

Samuel Rosa e Lô Borges Ao Vivo (2016)
Nota 8
Marcelo Teixeira

 

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto?


Por que devemos ouvir Adriana?
Dona de uma voz irresistível e detentora de discos antológicos, Adriana Calcanhotto é mais que uma letrista competente dentro da música popular brasileira. A gaúcha que contempla a paisagem carioca tem o domínio fácil de criar composições românticas dentro de um campo semântico de bel-prazer, atravessando os horizontes do infinito para aprofundar em sentimentos desesperados e desamparados com o brilhantismo de uma mente inquieta. Essa é Adriana Calcanhotto, a cantora que inspira multidões, que devaneia os sonhos mais perplexos e que instaura mistérios cabíveis de calmaria insana. Mas dentro da atmosfera musical de Adriana existe uma personalidade muito forte, incandescente, próspera e audaz que nos remete a uma indagação profunda: por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto? A resposta não é tão fácil quanto possível de ser explicada, mas existe uma contrapartida básica e singela para tal demonstração do porque devemos ouvir suas músicas. Adriana tem em seu currículo o panorama carioca registrada em músicas como Carioca e Maresia, tem o vendaval de explosão magnética em canções como Senhas, Vambora e Mentiras e tem a emoção aflorada em músicas como Inverno e Esquadros. Mas não é só isso. De todas as cantoras surgidas na década de 1990 (Marisa Monte e Adriana duelaram firmemente para se manterem no topo das melhores cantoras surgidas nesse tempo), Adriana foi a que melhor representou a MPB, tendo em consequência maior disso seu tino para compor aquilo que a população exigia. Se de um lado tínhamos Marisa Monte e seu lado mais alternativo de cantar e compor, de outro tínhamos Adriana com seu estilo mais calmo, denso e que adentrava por entre nossos poros e peles com um dissabor incansável. Sendo uma expoente do Tropicalismo de Caetano e Gil, Adriana nos apresenta em suas canções àquilo que outras cantoras não nos mostram: sua versatilidade entre o cantar e o brincar, sua sensação térmica em reestruturar canções antigas, sua magia em trazer à tona ilustres personagens já esquecidos pelo tempo. Foi assim que trouxe Frida Kahlo para o seu universo na música Esquadros e que reviveu Hélio Oiticica em Parangolé Pamplona, sobre o trabalho do artista de 1968 chamado Capa Feita no Corpo.  Waly Salomão certa vez disse que Adriana constitui uma ótima vitrine para a poesia e ele estava coberto de razão. Waly é remanescente do Tropicalismo, tem na bagagem ótimas letras e seu estilo de garoto fanfarrão se contrapôs com o estilo cinzento de Adriana, que é o estilo de uma artista que é cúmplice de seu próprio estilo. Além de trazer para a sua música todo o tropicalismo ocidental, traz também a poesia que muitos desconhecem, fazendo disso um arsenal ainda mais motivador para sua obra. A poesia de Mário de Sá Carneiro, Cid Campos e Augusto de Campos, Ferreira Gullar e Oswald de Andrade estão escancaradas em forma de música por sua voz tão aveludada quanto autoral. É por essas e outras que devemos ouvir Adriana: não é qualquer cantora que consegue unir o passado com o presente, fazer de um simples elo de sofisticação singular com a beleza popular e fazer delirar os corações apaixonados com seu semblante angelical. Precisamos ouvir Adriana Calcanhotto para termos a certeza de que a música popular brasileira é rica em detalhes e que pode ser útil também perante a poesia concreta e abstrata, perpassando pela pintura visível de grandes mestres das cores.

 

Por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto
Por Marcelo Teixeira

quinta-feira, 7 de julho de 2016

O Brasil de Inclassificáveis por Ney Matogrosso


Brasil Inclassificável por Ney
A música Inclassificáveis foi composta e gravada por Arnaldo Antunes no ano de 1996 para o álbum O Silêncio e contava a participação de Chico Science, expoente da música nordestina de qualidade excepcional na época e que trata de um tema muito pouco conhecido por todos nós: a formação do povo brasileiro como um todo. Inclassificáveis traz a tona na seara musical a fenda dos olhos das pessoas perante o Socialismo, a Antropologia e a diferenciação de suas raças. Para inicio de conversa, não estamos falando de coisas fáceis: cantar Arnaldo Antunes já é uma tarefa dificil e seus pensamentos com relação àquilo que o rodeia é uma relação de complexidade muito maior que sua própria imginação conduz. Tendo como crítica clássica sobre um tema tão pouco minado no Brasil (Clara Nunes já vinha com essa miscegenação de raças em sua carreira na década de 1970), Arnaldo apenas reforçou um assunto subliminar sobre aquilo que sabemos que existe, mas que ninguém tem na consciência privada de que é importante para detectarmos quem realmente somos e sobre nossa própria origem, revelando nossos antepassados. Quando foi lançada, a música na voz de Arnaldo e Science não rendeu tantas promessas musicais, mas quando Ney Matogrosso e sua força teatral a cantou no excelente álbum que leva o título da canção, as pessoas pararam e refletiram: de onde é que viemos? Porém, Ney Matogroso não entrou na onda de ser um sociólogo da música popular brasileira: ele mesclou essa canção antropológica de Arnaldo com canções políticas de Cazuza,  Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil com o romantismo lírico de Itamar Assunpção e com os versos de peso moderado de Carlos Careqa e Pedro Luis. Óbvio que Inclassificáveis teve um peso muito maior neste álbum, pois a música não tem fácil articulação vocal e cantar da forma perfeita com a qual Ney canta a transformou em uma das melhores faixas do disco. Inclassificáveis (2008 / EMI / 28,99) é um disco completo, com uma capa perfeita e que traz um Ney Matogrosso ainda mais vigoroso dentro de sua arte, dentro de seu universo e dentro de suas conquistas.  Arnaldo Antunes compôs Inclassificáveis em um nível muito acima de sua intelectualidade: aqui ele trabalha com neologismos e construções harmônicas de modo a formar uma verdadeira coberta de tiras etno-culturais que formam a analogia do povo brasileiro, interrogando a todo momento a matriz exemplar desse povo (índio, branco e negro), indo direto ao ponto nevrálgico de novas formações culturais, como o mulato, o cafuzo e o mameluco. A partir dessas mesclagens surgem os crilouros, tupinamblocos, guaranisseis, ciganagôs e judárabes.  Somos brasileiros inclassificáveis, pois somos frutos de nossa combinação racial secular. Assim como enfatizou Arnaldo cantado brilhantemente por Ney, aqui não tem cor, tem cores. Ao analisar o disco inteiro de Ney Matogrosso e refletir basicamente o que uma canção tem a ver com a outra, entre socialismo, antropologia, política e romantismo, posso atestar que vivemos em um Brasil inclassificável.

 

Inclassificáveis (2008) / Ney Matogrosso
Nota 10
Marcelo Teixeira