quinta-feira, 14 de julho de 2016

Por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto?


Por que devemos ouvir Adriana?
Dona de uma voz irresistível e detentora de discos antológicos, Adriana Calcanhotto é mais que uma letrista competente dentro da música popular brasileira. A gaúcha que contempla a paisagem carioca tem o domínio fácil de criar composições românticas dentro de um campo semântico de bel-prazer, atravessando os horizontes do infinito para aprofundar em sentimentos desesperados e desamparados com o brilhantismo de uma mente inquieta. Essa é Adriana Calcanhotto, a cantora que inspira multidões, que devaneia os sonhos mais perplexos e que instaura mistérios cabíveis de calmaria insana. Mas dentro da atmosfera musical de Adriana existe uma personalidade muito forte, incandescente, próspera e audaz que nos remete a uma indagação profunda: por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto? A resposta não é tão fácil quanto possível de ser explicada, mas existe uma contrapartida básica e singela para tal demonstração do porque devemos ouvir suas músicas. Adriana tem em seu currículo o panorama carioca registrada em músicas como Carioca e Maresia, tem o vendaval de explosão magnética em canções como Senhas, Vambora e Mentiras e tem a emoção aflorada em músicas como Inverno e Esquadros. Mas não é só isso. De todas as cantoras surgidas na década de 1990 (Marisa Monte e Adriana duelaram firmemente para se manterem no topo das melhores cantoras surgidas nesse tempo), Adriana foi a que melhor representou a MPB, tendo em consequência maior disso seu tino para compor aquilo que a população exigia. Se de um lado tínhamos Marisa Monte e seu lado mais alternativo de cantar e compor, de outro tínhamos Adriana com seu estilo mais calmo, denso e que adentrava por entre nossos poros e peles com um dissabor incansável. Sendo uma expoente do Tropicalismo de Caetano e Gil, Adriana nos apresenta em suas canções àquilo que outras cantoras não nos mostram: sua versatilidade entre o cantar e o brincar, sua sensação térmica em reestruturar canções antigas, sua magia em trazer à tona ilustres personagens já esquecidos pelo tempo. Foi assim que trouxe Frida Kahlo para o seu universo na música Esquadros e que reviveu Hélio Oiticica em Parangolé Pamplona, sobre o trabalho do artista de 1968 chamado Capa Feita no Corpo.  Waly Salomão certa vez disse que Adriana constitui uma ótima vitrine para a poesia e ele estava coberto de razão. Waly é remanescente do Tropicalismo, tem na bagagem ótimas letras e seu estilo de garoto fanfarrão se contrapôs com o estilo cinzento de Adriana, que é o estilo de uma artista que é cúmplice de seu próprio estilo. Além de trazer para a sua música todo o tropicalismo ocidental, traz também a poesia que muitos desconhecem, fazendo disso um arsenal ainda mais motivador para sua obra. A poesia de Mário de Sá Carneiro, Cid Campos e Augusto de Campos, Ferreira Gullar e Oswald de Andrade estão escancaradas em forma de música por sua voz tão aveludada quanto autoral. É por essas e outras que devemos ouvir Adriana: não é qualquer cantora que consegue unir o passado com o presente, fazer de um simples elo de sofisticação singular com a beleza popular e fazer delirar os corações apaixonados com seu semblante angelical. Precisamos ouvir Adriana Calcanhotto para termos a certeza de que a música popular brasileira é rica em detalhes e que pode ser útil também perante a poesia concreta e abstrata, perpassando pela pintura visível de grandes mestres das cores.

 

Por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto
Por Marcelo Teixeira

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