sexta-feira, 14 de abril de 2017

O retrato concreto de Alberto Salgado em Cabaça D'Água (2017)


Cabaça: excelente CD
O bom artista é aquele que sintetiza a sua obra em cima de sua outra obra, buscando o seu melhor e interiorizando o mecanismo de conhecimento pleno de sua arte por meio de mensagens criptografadas em forma de música, dança, letras e artes cênicas. Muitas vezes ocorre o contrário: o artista, seja ele em qualquer esfera, se baseia em trabalhos anteriores para que seu reconhecimento seja marcado por sua marca registrada, não fugindo do lugar comum e com ambientações dentro de um mesmo segmento, de uma mesma moldagem, não se utilizando de outras roupagens, não usufruindo novas ferramentas ou novas inspirações. Não é o caso do cantor e compositor brasiliense Alberto Salgado, que vêm de uma inquietação transparente e inerente perante o seu trabalho musical. Se olharmos para trás, veremos que Além do Quintal (2014) é um disco brilhante, com ritmos que agradam a todos e com a perfeição em um trabalho que o destacou no cenário da música brasileira por ser um disco autêntico, verdadeiro e ser considerado por muitos como uma obra-prima. Quatro anos distancia o primeiro CD de seu novo lançamento, Cabaça D’Água (2017), que já se tornou clássico antes mesmo de vir a público. É sempre uma ansiedade esperar pelo novo trabalho de Alberto Salgado, que é um desses cantores que nos pegam pela forma como compõe e pela voz que enaltece seu talento. Diferentemente de Além do Quintal, esse novo CD traz toda a movimentação sombria que o Nordeste assola, a tragédia de Mariana (Minas Gerais), as belezas de um futuro, os amores possíveis e a seca que matam os peixes. É um disco importantíssimo para entender o Brasil, pois Cabaça D’Água traz uma antropologia filosófica nas entrelinhas e que fica fácil a sua associação com a politicagem herdada em alguns âmbitos nacionais.  A esfera de escopo musical para a música de Alberto ressurge em um momento importante dentro daquilo que podemos catalisar com o inesperado, com o surreal, com a fantasia imaginada e idealizada por nossas mentes para que tudo não passe de um simples sonho. A realidade está embutida em versos como a vaidade do homem consome sede de viver, tanto pinga que some água de beber (Cabaça D’Água) e em ói que a tua coragem não me põe medo, ói que a minha vontade é teu desejo, ói que ce dormiu tarde e eu acordei cedo (Ói). Com produção do próprio Alberto Salgado e com a arte gráfica de Carol Senna, o disco ganha ares de uma estrutura privilegiada referente à mensagem que se deseja passar: antropologicamente, a cabaça é utilizada para servir alimentação para alguns povos e para muitos é utilizada como recipiente de água. Também podemos associar a cabaça como utensílio de várias gerações desde Cristovão Colombo, no ano de 1492, para guardar ouros e outras relíquias importantes para que não fossem furtadas. Levada da África para a Ásia, Europa e Américas como formalização da migração humana, a cabaça foi um importante instrumento como fonte de alimentação por meio dos oceanos para esses povos.  Aqui encontramos uma contradição que no disco de Alberto Salgado ela é bem explorada em ambos os aspectos: na música que leva título do álbum, Cabaça D’Água, o cantor se preocupa com a falta de água no planeta e nos lança a questão sobre a sede por água de beber. Já na música Da jangada em pleno mar, Alberto canta sobre as injustiças sociais que assolam nossas vidas perante as utopias existenciais. Vale ressaltar que esse decantamento é importantíssimo para a competência de todo o trabalho de Alberto, pois ele soube ministrar muito bem os lados representativos pela cabaça d’água refletida sociologicamente entre nós.  As participações especiais são para lá de especiais: Chico César dá o ar poético de sua graça em Ave de Mim, Silvério Pessoa nos surpreende pela força vocal no xote Pele de baixo da unha, Rafael Miranda nos encanta na derradeira Quem foi? e a sensacional cantora Carol Senna (grande revelação) dá o tom de lirismo em Força da fé. Um CD que precisa ser ouvido com o mesmo encantamento provocado pelo sentimentalismo de Alberto Salgado, um cantor que se torna a cada dia um expoente da nova safra da música nacional, com suas competências e sua originalidade impecável e que nos favorece o melhor de sua música.

 

Dados do disco

Produção: Alberto Salgado

Gravação: Feedback Studio Brasília

Técnicos de gravação: Valerinho Xavier, James Castro e Kiko Klaus

Mixagem e Masterização: Kiko Klaus / Estúdio Camarada Mixmaster | BH – MG

Concepções de arranjos: Alberto Salgado, Célio Maciel e Sandro Jadão

Arte gráfica: Carol Senna

Fotos de Alberto Salgado: Célio Maciel

Participais especiais:

Chico César na música Ave de Mim

Carol Senna na música Força da Fé

Silvério Pessoa na música Pele de Baixo da Unha

Rafael Miranda na música Quem Foi?

Produzido por PONTO4 Digital

Contatos:


Facebook: contato.albertosalgado

 

Cabaça D’Água (2017) / Alberto Salgado
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O fantástico mundo de Luisa Maita


O fantástico mundo de Luisa
Não é todo dia que podemos ter a honra de ouvir uma cantora como Luisa Maita nas plataformas digitais, mas posso garantir que quem compra seus CDs ou assiste aos seus shows, reconhece sua importância dentro da música popular brasileira. Simplesmente, Luiza é uma cantora diferenciada, culta, refinada, intelectualmente cult e popularmente do povão. Se a massa encefálica ainda não descobriu Luisa Maita, então tem alguma coisa estranha nesse nicho: ela está aqui, bem no meio do povo, cercada por equipamentos refinados, mas com letras que simbolizam a tenra estrutura que pertencem à população. Se você não a ouviu, se você não a viu, se você não a conheceu ainda, peço para que corra e ouça Lero-Lero (2010) e seu mais novo lançamento, Fio da Memória (2016), que são obras-primas dignas dos melhores prêmios. Ela está ali bem diante de seus olhos, bem perto de seus ouvidos e ao alcance de suas mãos e se você perde essa oportunidade, infelizmente não há o que fazer. Seis exatos anos distanciam Lero-Lero de Fio da Memória e esse tempo foi primordial para que um fosse a extensão de complemento do outro, sem que ambos tivessem ligações diretas. Quando lançou o primeiro disco, a cantora era um dos nomes mais fortes do cenário musical, onde um pouco antes a cantora Céu despontava com sendo uma das melhores. Não há semelhança alguma entre ambas as cantoras e enquanto Céu seguiu uma linha mais vanguardista, Luisa optou por seguir uma linha mais atemporal, mas sofisticada, mais popular com requintes de intelectualidade. Não que Céu não tenha esses requisitos, mas enquanto uma seguiu uma linha mais popularesca dentro de um padrão não blindado, a outra seguiu por uma linha tênue entre a sofisticação e a beleza de uma pluralidade, que para entrar é preciso de senha. Se lá no início desse artigo eu disse que você precisava conhecer Luisa Maita e aqui digo que você precisa pegar uma senha, é porque não é qualquer um que vai escutar a rigor as músicas de Luisa com o mesmo afinco que escutam a música de Céu. Aqui entra a senha. Céu não é mais blindada, assim como não é mais Roberta Sá nem Mariana Aydar, enquanto que Luisa continua com uma blindagem que requer senha para entrar. Isso é bom porque a blindagem a cerca dos cunhões das paranerfálias musicais existentes. Mas é ruim porque Luisa pode viver em uma blindagem existencial por muito tempo. Lero-Lero é brasileiro, orgânico e com cheiro da zona sul de São Paulo: um cheiro cinzento, com mistura de barro e árvores secas. Fio da Memória é um disco que, a princípio, causa um estranhamento mórbido, secular, personificada e homeopática. É preciso ouvir de novo e de novo e de novo e quando você menos perceber, estará cansado de tanto que não ouviu ainda. Contraditório? Nenhum pouco. Faço referências à Lero-Lero porque para entrar no mundo maitense, você precisa ouvi-lo antes de entrar de cabeça em Fio da Memória. É como ler Platão sem entender Sócrates. Precisamos manter um pouco a blindagem de Luisa para que tenhamos certeza de que seu próximo disco será ainda mais categorial que Lero e Fio. Por enquanto, pegue uma senha enquanto não há filas exorbitantes de uma população insana e embarque no fantástico mundo de Luisa Maita.

 

Fio da Memória (2016) / Luisa Maita
Nota 10
Por Marcelo Teixeira