sábado, 24 de junho de 2017

A importância de Markinhos Moura


Markinhos: a voz de 1980
Assim como Ney Matogrosso na década de 1970, Markinhos Moura foi o grande responsável por diversas baladas que embalaram pessoas de diversos gêneros na década de 1980, sendo a continuidade existencial de um rito que começou com Ney sobre a diversidade sexual que existe com mais veemência nos dias de hoje. A importância de Markinhos Moura na música, explorando esse lado sensual, mesmo que contido, mas com uma dramaticidade não efêmera e de grande porte, foi o mote central para que tenhamos hoje cantores com a sexualidade aflorada e suas diversidades acentuadas a tal ponto de que as pessoas não questionem sobre tal atitude. O mundo mudou seus conceitos sobre tudo e até a música teve o impacto generalizado por tal feitio e a postura desenvolta de Ney e a magnífica transposição contida de Markinhos foram o mote substancial diversificado mostrando a luta por um espaço que até então era massacrado e discriminado por muitos. Havia o preconceito escancarado e muitas vezes velado sobre os dois artistas, o que fazia com que ambos fossem massificados dentro de um sistema unilateral que os unissem dualmente. Enquanto Ney vinha com uma luva estampada na cara e com danças sensuais a cerca da exploração de seu corpo, Markinhos era o oposto e se mostrava de cara límpida e com passos contidos e simples acerca de sua dimensão artística. Aqui encontra-se o oposto entre dois artistas que buscavam um lugar de respeito mútuo dentro de seu espaço, o espaço que era caracterizado e concebido por meio da música e de sua importância para elencar o nível de suas representações. Markinhos Moura fora o grande sucessor de Ney na década seguinte a dele e, com a morte de Elis Regina em 1982, sua voz ficou ainda mais atrelada dentro do cancioneiro feminino, mas com um respeito digno das grandes estrelas. Se hoje temos Filipe Catto e Liniker, assim como o Não Renegados, devemos muito a competência exemplar de artistas como Ney e Markinhos, que exploraram de forma categorial a diversidade de gêneros com uma categoria impressionante e mediática que merecem respeito. Com enorme sucesso graças ao clássico Mel Mel, Markinhos se afastou da grande mídia, mas não deixou de ser o excelente cantor que é: o intérprete de Anjo Azul é destaque constante no Bar do Nelson, no bairro de Santa Cecília, onde recepciona e tem o sorriso cativante de ponta a ponta das orelhas. Ouvir Markinhos Moura é viajar no tempo, um tempo saudoso, cheio de alegria atemporal e que nos anestesiava por completo. Seu grande salto se deu em 1985, quando lançou o disco Diretrizes, mas foi em 1987 que sua música e voz de fato estouraram no Brasil inteiro, quando Meu Mel foi enfim imortalizada. Assim como altos e baixos, a vida do artista deu uma pequena derrapada e ele saiu de cena ainda na década de 1990, mas sem perder o brilho de sua carreira. Markinhos continua a cantar e muito: em 2010 lançou o antológico Mulheres e Canções, em que canta ao lado de cantoras como Verônica Ferriani, Zezé Motta, Fabiana Cozza e Maria Alcina. É digno que a juventude de hoje em dia conheça e saiba da importância desse grande cantor que fora enorme sucesso de público e crítica em uma época repleta de mistérios e ao mesmo tempo de um lirismo profundo e encantador.

A importância de Markinhos Moura
Por Marcelo Teixeira

terça-feira, 20 de junho de 2017

Eliza Clívia - descanso digno das estrelas

Eliza merece o descanso digno
Muitas vezes ficamos horrorizados com a onda de violência que assola as redes sociais e a banalização com a qual as pessoas se expõem de uma maneira tão visceral e onipresente com algo que as incomodam, que foge de suas realidades e que se neutralizam com suas imperfeições. O avesso do avesso também é o corte mais profundo na carne e que muitas vezes esse corte só é sentido no outro e nunca em nós mesmos. Ninguém pede para morrer. Ninguém pede para ser feliz naquilo que faz e gosta. A violência não está apenas na forma inadequada de inapropriação de valores deturpados pela sociedade egocêntrica que requerem direitos e favores que beiram a insignificância não digna de uma retaliação popular. As pessoas não sabem o dia de amanhã quando lidamos com a imagem do outro, com o nome do outro. Tinha conhecimento do sucesso de Eliza Clívia no Nordeste e sabia de seu sonho de vir fazer um show no Sudeste, mas ela mesma sabia das adversidades que barravam sua vinda à São Paulo, ao Rio de Janeiro ou à Minas Gerais. As pessoas queriam que ela saísse do Nordeste e explodisse pelos quatro cantos do Brasil. Isso não foi possível. Mas Eliza Clívia era maior que sua voz e maior que seu talento. A inconsciência humana faz coisas absurdas e que não podemos acreditar. Esqueceram a voz de uma cantora popular e exaltaram seu corpo destruído dentro de um carro. A multidão que se espremiam para dar-lhes o último adeus sabiam que aquela voz jamais voltará. Mas as pessoas nefastas que brincam com o sentimento alheio correram para as redes sociais para rirem da desgraça que acometeu no silêncio de sua voz. Eliza Clívia não merece isso. Retirem seus vídeos após a batida daquele ônibus contra seu carro, parem de compartilhar fotos e vídeos desse dia. Respeitem a dor familiar e o sofrimento dos fãs. Eliza Clívia merece o digno descanso das estrelas.
 

Eliza Clívia
Por Marcelo Teixeira

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Chico Buarque - 73 anos


Chico - 73 anos
Não é fácil ser Chico Buarque e poder chegar aos 73 anos como se estivesse com os mesmos 21 anos de idade, quando iniciou sua carreira, nos festivais de São Paulo, saindo de sua cidade natal, Rio de Janeiro, para poder ganhar o mundo. Não é fácil ser Chico Buarque de Hollanda, cantor, compositor, crítico, escritor, músico, adorador de poesias e de Pablo Neruda e ainda por cima carregar um belo par de olhos azuis. Não é fácil ser Chico Buarque e chegar aos 73 anos de idade tendo que driblar a censura, tendo que se esquivar de perguntas sobre seu passado, sendo perseguido por fãs e admiradores no mundo inteiro para que lance um disco novo. Chico Buarque completo hoje 73 anos de idade com uma jovialidade incrível e uma aparência nada cansada. O artista, considerado o melhor entre os melhores da arte brasileira, chegou ao patamar de ídolo mundial por ser carimbador de um estilo marcado entre a sofisticação e a nobreza, título esses que poucos no Brasil conseguem carregar. Com mais de 50 anos de carreira, Chico tem 80 discos lançados, dois álbuns premiados com o Grammy Latino, oito títulos publicados, três prêmios Jabuti – o maior da literatura brasileira -, cinco peças teatrais e participações como roteirista e ator em cinco filmes. Além de sua história em forma romanceada, o cantor tem passagens emblemáticas em diversas fases entre sambas, músicas censuradas de cunho político e social. Chico é avesso às comemorações que o circundam e, por esse motivo, é bem capaz de ficar recluso assim como ficara em outros aniversários, em que se exilava em seu apartamento em Paris ou se camuflava em seu apartamento no Leblon. Circunda nesses anos gloriosos o bom humor de Chico, traço marcante em sua personalidade, assim como a idolatria à discrição. Nesses 73 anos de idade, o bom moço Chico Buarque nos brindou com o melhor de sua personalidade e bom humor fino e sarcástico, que muitos proferiram a ele o status de pai (Cássia Eller fora uma das que bradaram em áudio que seu sonho era ser filha de Chico). Seja como for, o ícone brasileiro chega a sua mais bela formosura, mais alta nobreza, glorificada por um sorriso escancarado no rosto e um belo par de olhos azuis. Salve Chico. Viva Buarque de Hollanda.

 

Chico Buarque – 73 anos
Por Marcelo Teixeira

 

domingo, 18 de junho de 2017

Maria Bethânia - 71 anos


Parabéns, Maria Bethânia
Marcada pela dramaticidade e pela paixão, Maria Bethânia nunca se ateve a rótulos, ritmos ou movimentos musicais e, como poucos, conquistou a liberdade de cantar o que gosta e ao seu jeito. Com sua voz, representa um Brasil ao mesmo tempo agreste e sofisticado, onde convivem em harmonia a toada nordestina e a canção urbana e romântica. Como bem definiu Vinícius de Moraes na década de 1970, Bethânia cantando é como uma árvore queimando.  Comparada a Roberto Carlos na arte de dar vida a canções românticas, a cantora funde em sua voz a aspereza do Nordeste, sua origem, à sensualidade e doçura com que embala amores. Menina magricela – igual ao irmão, Caetano Veloso, de Santo Amaro da Purificação, no interior baiano, Maria Bethânia imitava cantoras famosas como Dalva de Oliveira e Ângela Maria. Sonhava em ser bailarina, trapezista e sonhava, principalmente, com o palco. E assim foi. Considerada uma das nossas melhores intérpretes, Bethânia é a nossa estrela maior e como toda estrela, ela completa mais um ano de vida. Não é qualquer cantora que chega aos 71 anos de idade com uma carreira turbinada e sendo adorava e requisitada por muitos. O Mais Cultura Brasileira e seus leitores orgulhosamente parabeniza a Abelha Rainha por mais um ano de vida! Viva Bethânia!

Maria Bethânia – 71 anos
Por Marcelo Teixeira

Cala a boca, Anitta!


O melhor de Anitta é cantando
Gosto da Anitta, mas quando ela está de boca fechada, porque quando dá suas entrevistas, sinto um nojo de suas proferidas frases de efeito nada moral! Em recente entrevista para Pedro Bial (Conversa com Bial, Globo, 2017), a cantora disse que Carmen Miranda não era um produto brasileiro e que ela não fora um motivo de musicalização no Brasil. Bial, meio constrangido, tentou consertar seu erro e disse que Carmen era portuguesa, mas que revolucionou a música brasileira com seu cantar. Vamos retomar esse episódio: com o sucesso de Carmen pelo mundo afora, muitas cantoras queriam ser iguais a ela. Bibi Ferreira é sua afilhada. Ângela Maria era sua empregada doméstica e que cuidava de Carmen à revelia. Clara Nunes era a sucessora de Carmen quando esta faleceu, em 1955. E Anitta, uma cantora popular que insiste em dizer que veio da favela em meio à dinheirama que tem hoje em dia, vêm dizer que Carmen Miranda não é um produto brasileiro? O que falta para certos (ou muitos) cantores é justamente uma aula de cultura musical, coisa que talvez não o tenham. Não posso aqui tentar defenestrar Anitta como se ela fosse uma cantora qualquer, pois ela não o é. Gosto de suas músicas, de sua dança, de sua valorização acerca de sua competência musical, mas não posso me curvar diante sua imbecilidade em dizer coisas desconexas e sem conhecimento. O que mais gosto em Anitta é sua garra para ser reconhecida como ela é e não se transformar em um fantoche dos outros. Ao dizer que ela valoriza a posição da mulher com suas músicas, ela blefou feio. Onde que suas músicas são qualidades e atributos para a valorização da mulher nos dias de hoje? O melhor de Anitta é sua boca fechada e apenas cantando. Anitta é o tipo de produto comercial que é para ser executada ali e pronto. Mas insisto que ela canta bem, dança maravilhosamente bem e é só. Se em todas as entrevistas ela pudesse apenas cantar, seria de bom tamanho. Não há controversas nesse artigo, pois o que quero dizer é exatamente aquilo que Anitta me representa: ela é uma excelente artista (têm seus erros, mas todos os artistas o têm), canta bem, dança maravilhosamente bem, mas quando abre a boca para conversar, acaba sendo uma negação incrível. Ainda assim a respeito como mulher que soube chegar aonde queria – o estrelato. Aproveitando a deixa, quero dizer que seu novo single, Paradinha, é legal e instigante: composta em espanhol, a música foi feita para atrair o público latino, assim como fizera a cantora colombiana Shakira ao lançar disco em inglês. Filmado nos Estados Unidos, o vídeo mostra a ascendência de uma estrela nacional se infiltrando em solo americano com categoria de grande diva da música brasileira. Sim, Anitta é uma estrela, uma diva e o novo clipe / single não deixa dúvidas. Mas ainda prefiro Anitta de boca fechada quando dá entrevistas.

Cala a boca, Anitta
Por Marcelo Teixeira

domingo, 11 de junho de 2017

O desabafo de Elba Ramalho


Elba: coerente e precisa
Elba Ramalho é uma das melhores e maiores cantoras do país e que fez uma rica trajetória na música popular brasileira focada e centrada no regionalismo musical de sua terra natal, Paraíba, para conseguir consolidar o forró e o frevo de Pernambuco, de seu amigo Alceu Valença, dentro de um patamar de altíssima grandeza. Não foi uma coisa de um ano e meio ou dois anos para que isso acontecesse, mas sim, mais de duas décadas para que Elba e companhia limitada conseguissem fazer com que a música de raiz nordestina estivesse dentro das insígnias musicais brasileiras e fosse referência lá fora. Conseguiu, com tamanha veemência e coragem, colocar o forró e o frevo dentro das alegorias festivas nacionais e o estilo forró e frevo hoje são patrimônios imateriais, coisa que muita gente praticamente desconhece. Porém, o desabafo desta grande cantora pegou a todos de surpresa e com tamanha voracidade. Por que, em épocas de festas juninas, o forró fora posto de lado para servir ao público do sertanejo universitário? Não faz sentido termos que comparecer às festas juninas espalhadas pelo estado de São Paulo e termos que ouvir, com certa exatidão de cansaço auditivo, músicas de cunho duvidoso para a festividade, com grande apelo ao erotismo e forte presença de dançarinas seminuas dançando em horários inapropriados. A festa de Junho não pede isso, mas somos obrigados a assistir tais aberrações. Precisamos estudar o conceito de festas juninas locais fora do eixo Rio/São Paulo para que possamos entender a significância que esse momento pede. Mas o desabafo de Elba é justamente o contraponto desta minha colocação citada na frase acima: em sua cidade natal, Paraíba, o forró deixou de ser uma coisa levada a sério e passou a ser um mero ritmo qualquer, dando espaço e vazão para o sertanejo. Óbvio que existe espaço musical para todos os ritmos, mas é preciso um certo respeito pela cultura do outro, pelo espaço do outro, pela presença do outro. Nem todos que estão no forró verdadeiramente dito gostam de sertanejo universitário e na certa muitos que ali estão, querem ver as típicas danças tradicionais. Por que, então, precisamos assistir a aberrações sertanejas em um momento dos forrozeiros? Elba entrou no coro dos injustiçados e precisou vociferar para que tivesse sido ouvida. Elba criticou duramente a programação de São João anunciada pelos locais que tradicionalmente celebram as festas juninas como Campina Grande (Paraíba) e Caruaru (Pernambuco) e ficou irritadíssima com o que ouviu: ao falar sobre o assunto com diversos jornalistas, a cantora disse que não canta em Barretos por ser um evento deles e que não gostaria de ir a uma festa de São João que não tivesse forró.  Assim como o frevo de Pernambuco é um movimento do Carnaval nordestino, o forró é uma festa promovida pelo povo paraibano e nordestino como um todo, marcando território em suas festas regadas de tradicionalismo, festanças e alegrias. É preciso haver mais respeito. É preciso ouvir o desabafo de Elba: Falei com a Paraíba, reivindiquei porque o São João de lá está muito mais comprometido que o São João daqui. Eu não tenho nada contra nenhum artista, nada contra nenhum sertanejo. Tem espaço para tudo, no céu cabem para todos os artistas, ninguém atropela ninguém. Porém eu não toco na Festa de Barretos, Dominguinhos também não cantava. A festa é deles, é dos sertanejos, e eles têm bem esta coisa: essa área é nossa. Ícone do forro nordestino, Elba tem livre caminho e arbítrio para falar o que pensa sobre qualquer assunto e dentro de seu universo particular e muito conhecido, o forró, ela tem acesso direto para dizer o que pensa. Aí quando chega aqui no São João em Campina Grande, não ter o Biliu de Campina, não ter Alcymar Monteiro, eu reclamei bastante, cara, não ter os trios. Quando chega o São João, se você não tem forró... Eu não quero ir a uma festa que não tenha forró. Façamos das palavras de Elba uma profecia perante os arroubos da mídia e dos farsantes musicais. O forró precisa ser respeitado!

 

O desabafo de Elba Ramalho
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 9 de junho de 2017

As indiretas diretas de Mallu Magalhães em Vem (2017)


Mallu: capa perfeita
Quem me conhece sabe o quanto gosto da Mallu Magalhães, mesmo sabendo que ela nunca figurará entre as melhores cantoras do Brasil, muito menos terá a melhor voz amanhã ou depois de amanhã. Mas na certa Mallu Magalhães é uma cantora diferenciada nos dias de hoje e a prova disso é que a cada disco lançado, uma pitadinha de indireta vai para alguém a quem ela gostaria de mandar uma direta bem certeira. Entendeu? OK, eu explico. Mallu sabe que não é dessas cantoras que agradam apenas pelo fato de ser uma cantora brasileira que tenta (eu disse tenta) estar entre as tops das cantoras brasileiras. Ela não precisa, evidentemente, de estar entre as tops cantoras brasileiras porque ela não precisa estar nesse roll. Mas Mallu sabe que não é uma cantora dita sensacional, ótima, perfeita e charmosa, mas sabe que tem muito mais qualidade que muitas cantoras clichês que estão espalhadas por aí com roupas curtas e sapatos altos, dançando com os quadris para lá e para cá. As indiretas diretas certeiras de Mallu se fazem presente em todos os seus discos e desde quando ela se entende musicalmente por gente que critica parcial ou totalmente o seu trabalho. Acata quem quer, responde quem aceita. Mallu é muito mais que uma cantora: ela é uma super cantora! Digo que Mallu é uma raposa e como todas as raposas, ela aparece, mostra seu serviço e volta a ficar no seu cantinho. O tempo para isso é tão rápido que você nem percebeu que ela passou. Poucos conseguem entender o mundo filosófico de Mallu e é justamente este o grande insight de sua carreira: ela é um mistério e ao mesmo tempo uma saborosa surpresa. Esqueça se você vai ouvir o novo disco com a intenção de encontrar aqui sinais de Banda do Mar (2014) ou qualquer coisa que Mallu já tenha lançado antes. Dividida entre Portugal, a bossa nova, o Rio de Janeiro e São Paulo, o disco tem uma atmosfera caricatural dela mesma, ou seja, de Mallu Magalhães dentro de sua melhor esfera: o da menina que se transforma em mulher, a artista que se transmuta de mistérios e preciosidades, tal qual a primeira peça teatral escrita por Clarice Lispector (1920 – 1977), Pobre Menina Rica (1930).  Seria demais dizer que Mallu Magalhães é a Clarice Lispector da música e perguntar que mistérios tem Mallu? Seis anos após o lançamento do espetacular Pitanga (2011), Mallu volta à cena musical com o gostosinho e diferente Vem (2017 / Sony Music / 29,99), disco este que causa uma estranheza ao primeiro som justamente por ser o oposto daquilo que a cantora vinha produzindo anteriormente. Esta mudança quase repentina em seu estilo tem um propósito: transformar-se em uma cantora sólida para as futuras gerações, das pessoas que hoje não tem cérebro, mas que amanhã perceberão o quanto perderam em não ouvir suas músicas hoje.

 

Vem (2017) / Mallu Magalhães
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

segunda-feira, 5 de junho de 2017

A Viagem Encantada (1975) de Jorginho do Império


Jorginho e o melhor disco de sua carreira
Considerado o sucessor de Martinho da Vila, o cantor e compositor Jorginho do Império se perdeu na carreira e se esquivou de ser um dos ídolos do samba nos dias de hoje. Com uma voz agradabilíssima, um jeito espontâneo de cantar, com um carisma invejável dentro do universo do samba e com discos sensacionais lançados no mercado fonográfico nos anos de 1970, Jorginho tinha tudo para decolar e estar no mesmo páreo que outros bambas, como João Nogueira, Roberto Ribeiro ou Benito di Paula. Independente desse mero detalhe, o cantor deixou patenteado um dos melhores registros fonográficos de sua carreira, o excelente Viagem Encantada (1975 / Polydor / 23,99), que é uma leitura clássica daquilo que se chama samba de verdade. Jorginho conseguiu extrair em um único disco toda a experiência que conhecia do samba e todo o seu consagrado reinado dentro desse segmento para exprimir todo o seu sentimento perante suas músicas. É um dos melhores discos de samba de todos os tempos em voz masculina e é uma pena que este clássico disco não se encontra facilmente em CD nem em sebos, nem em lojas convencionais. Não podemos, em momento algum, deixar essa obra morrer, muito menos deixar que a carreira de Jorginho do Império seja apagada.

Viagem Encantada (1975) / Jorginho do Império
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Sambas do absurdo comprova o que são absurdos


Sambas do absurdo: capa absurda
Se fosse apenas pela compreensão do que é samba, já seria um belo argumento para comprarmos o disco. Mas levando em conta que temos a junção de Juçara Marçal, Rodrigo Campos e Gui Amabis, temos que rever nossos conceitos e saborear até onde puder para termos a certeza de que aqui há uma qualidade impressionante em boa parte do álbum. Não chega a ser um disco perfeito, mas a sonoridade que envolve o samba e a voz agradabilíssima de Juçara nos corrompe a uma satisfação plena de originalidade e astúcia. Mesmo havendo uma breve assimetria de durabilidade absurda de atos, fica impossível não absorvermos as canções como um todo, com a sua força extraordinária e sagaz, demonstrando toda a sua grandiosidade em torno de três grandes artistas da música nacional. Sambas do Absurdo (2017 / YB / 28,99) é um disco que reúne a saga competente de três artistas conceituados, cada qual com seu público fiel e que se reuniram para fazerem o impossível por uma causa justa: mostras as vicissitudes da samba. Havendo uma sincronia entre o sincretismo do samba com a poesia em sua essência total, o resultado desse álbum nos repele ao universo infiltrado de tempos soberbos em que o estilo se polemizou em áreas que não eram apenas o morro. Há simbioses existenciais dentro da cadência sincopada provocativa e erótica nas apimentadas canções, alimentados por uma perfilação de músicas com diversos temas transversais e com assuntos que se entrelaçam aqui e ali, como sexo, conflitos, urbanização, identidades de gêneros. São reflexões que nos remetem ao bom e velho cancioneiro de outrora, em que o ouvinte parava para refletir e discutir sobre a música de botequim, sobre o cantor, sobre a mulher, sobre a vida. São levezas de outrora que jamais voltarão ao mercado fonográfico. Com apenas oito faixas, Samba do Absurdo traz uma analogia diferenciada na titulação de suas músicas: todas elas são marcadas pelo mesmo nome, mas com numeração diferente. Assim, podemos dar nome pessoal às músicas como exemplificação e isso não acomete no desenrolar do disco, que são todas com o nome absurdo e com numeração de trás para frente. Uma bela e genial sacada do trio, que fez de um disco simples a um disco de primeira grandeza dentro do pantaleão destinado a evolução. Juçara Marçal é tão boa como intérprete que chega a nos dar um nó na garganta quando canta, mesmo com uma suavidade angelical que a rodeia. Encantadora do começo ao fim, sua voz é uma suavidade existencial aos nossos ouvidos, mesmo com faixas sombrias e temerosas, sufocantes e temidas, chocantes e norteadoras. Chega a ser um absurdo sua voz. Mas absurdo mesmo é não ouvir o disco.

Samba do Absurdo (2017) / Juçara Marçal, Rodrigo Campos e Gui Amabis
Nota 8
Por Marcelo Teixeira