domingo, 28 de agosto de 2016

A sofisticação de Clara Nunes ao cantar Tom e Chico


Clara: sofisticação na MPB
Engana-se quem pensa que Clara Nunes foi uma cantora apenas de samba ou que tinha a sua religiosidade à risca para cantar aquilo que o povo brasileiro precisava aprender sobre cultura africana. Óbvio que o reduto da cantora era poder mostrar que a africanidade existente dentro de cada um de nós era proveniente de uma religião, mas isso foi tão emblemático em sua vida particular, que hoje, decorrido mais de trinta anos de sua morte, ainda reverbera a imagem de Clara de que ela fora uma cantora de macumba. Isso, fora de contexto, serve de lição para os analfabetos de plantão, afinal, aquilo que Clara cantou reflete e muito em nossa vida cultural e religiosa. A África está ligada em nossas raízes mais ainda do que Portugal, que colonizou nosso país. Mas Clara foi muito mais que uma cantora de samba: ela cantou e encantou as músicas de Tom Jobim e Chico Buarque como nenhuma outra cantora ousou em fazer.  Clara Nunes Canta Tom & Chico (2005 / EMI / 23,99) é uma coletânea original que reúne as canções gravadas por Clara de dois monstros sagrados da nossa música popular brasileira. Com produção de Luiz Linhares Garcia e Cláudio Rabello, o disco é impecavelmente perfeito pelo teor das composições, pela natureza de um repertório bem elaborado e pela delicadeza com que cada compositor gerou sua cria. Clara soube aproveitar o momento sublime em canções que enaltecem o romantismo, com teor político e sabor embolorado com rústicas minimalistas, com a perfeição de sua voz e a suavidade de sua imagem.  Fica impossível não resistir aos encantos de Sábia (1968), ao romance na luta de duas mulheres pelo mesmo homem amparadas pela guia de asfalto em Umas e Outras (1973), ao imperialismo português em Fado Tropical (1977), aos encantamentos amorosos e sentimentais à flor da pele de Novo Amor (1982), a política irrestrita e cabal de Apesar de Você (1977) e ao samba moderno e feito sob medida para Clara em Morena de Angola (1980), que fizeram o Brasil e a África sambarem ao samba encantador de Chico Buarque. Esse disco demonstra a importância de Clara na nossa música e de duas esferas na MPB: o patrono Tom Jobim e seu pupilo rebelde Chico Buarque.

 

Clara Nunes Canta Tom & Chico (2005) / Clara Nunes
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O estado de poesia de Chico César


Chico César e sua poesia
Chico César é um dos melhores cantores e compositores de seu tempo e a prova disso é a quantidade de discos lançados sempre com a excepcional excelência de músicas consagradas e pelo aporte de cantoras que já o gravaram. Seu estilo vai muito mais além de Mama África, música que o consagrou e o revelou da Paraíba para o Brasil inteiro, fazendo de sua carreira um arsenal de metáforas consagradas. Chico César é um raro tipo de cantor que tem na veia a verdadeira música de raiz, brasileira, típica e nordestina. Estado de Poesia (2015 /Urban Jungle – Natura Musical / 24,00) é mais que um disco de músicas inéditas de Chico César: é um expoente de poesias catalisadas de um homem paraibano que consegue transpassar sua leitura através de sentimentos próprios e com significações alheias.  Estado de Poesia reflete o momento atual de Chico: mais poético, mais harmonioso, delicioso de ouvir e que une a delicadeza de ritmos brasileiros com a sonoridade universal, contendo, no mesmo disco, ritmos como samba, forró, toada e reggae, características unilaterais que sempre regeram a vida artística de Chico. Estado de Poesia se iguala a outros discos importantes na carreira do cantor, como Respeitem Meus Cabelos, Brancos (2002) e De Uns Tempos Para Cá (2011) tamanha a sua força poética, lírica e unilateral.  Vale lembrar que a faixa-título do álbum foi gravada por ninguém menos que Maria Bethânia no DVD Carta de Amor, como celebração de sua amizade com o artista paraibano. E não é nenhum segredo o amor que a cantora baiana tem pelo Chico. Estado de Poesia é um disco que fala de amor, de amor próprio, de licença poética, de vida, de união. Expoente natural da cultura brasileira, Chico César nos brinda com mais um disco autoral, perfeito, sem retoques e com a sinfonia fina de sua rica intelectualidade.

 

Estado de Poesia (2015) / Chico César
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O pop juvenil de Tiago Iorc


Pop moderninho de Iorc
Dentro de seu mundinho pop juvenil, Tiago Iorc reina absoluto como o dono do pedaço, pedindo espaço entre Fiuk e Lucas Lucco, mas sem se ferir por completo, sendo que seu espaço está devidamente garantido entre as adolescentes afloridas de talco de nenêm. Mesmo sendo uma vertente poderosa a favor do cancioneiro moderno, o cantor e compositor não é uma das melhores e mais promissoras vozes da música brasileira, mas seu estilo de bom moço e partideiro de família abastada o fizeram ser um dos ícones mais importantes do cenário musical dos últimos tempos. Tiago tem lá suas qualidades, mas também tem lá seus defeitos. Por qualidades podemos dizer que ele entrou de cabeça na onda musical em um momento em que a sua música se distancia do estilo pop agresssivo de NX Zero, se distancia do pop romântico meloso de Fiuk e se distancia do pop eletrônico estranho de Lucas Lucco e, por esse quesito, ganha pontos satisfatórios para a sua carreira. Outro ponto positivo de Tiago é seu sorriso, que consegue ser real, mas não passa de um sorriso encabulado, tímido e sensato. Mas sempre onde há qualidades há defeitos e, nesse caso, o parâmetro se iguala. Tiago canta bem, mas é só. Não compõe tão magistralmente assim e, em resumo, não se sustenta em um disco inteiro. A qualidade da capa de seu primeiro trabalho solo é fantástica, mas se formos levar ao pé da letra pelo miolo da arte, temos um serviço incompleto: mesmo tendo uma voz legalzinha, o disco é enfadonho, cansativo, arrastado e que se iguala completamente entre uma mesmicíe e outra. Para maiores detalhamentos, não posso sugerir que a música de Tiago seja abafada, camuflada ou esquecida, pois ele é parte itinerante no mercado adolescente, mas o cantor peca pela exaustão de suas músicas, carregadas no romantismo peculiar nonsense e pelo exagero de profusão de ideias sentimentais que confundem seu verdadeiro lugar dentro da música. De resto, o cantor está merecidamente no seu posto de cantorzinho da menininha no portão, da mamãezinha que sabe que a filha ainda não tem um namoradinho e do papai que sabe que sua filhinha está indo bem na escola. Todos esses méritos devem-se exclusivamente a Tiago Iorc, o cantor que cativa com o sorriso, mas que é embalado por um disco imparcial.

 

O pop juvenil de Tiago Iorc
Nota 8
Marcelo Teixeira

sábado, 6 de agosto de 2016

Adeus, Vander Lee!


Vander Lee: morte precoce
Vander Lee não era um cantor muito conhecido do público em geral, mas tinha a o seu público especial, aquele público que acompanhava de perto a carreira do artista, que sabia de cor suas letras e não perdia seus shows. O cantor não tinha uma grande voz, não era popular, não era famoso, mas conseguiu fazer de sua música um instrumento de trabalho poderoso, cuidadoso, corajoso e audacioso. Mesmo não tendo uma voz característica de grandes artistas de seu tempo, ele sabia como hipnotizar seus ouvintes da melhor forma possível: através de sua composição certeira, arisca, rica. Foram poucas canções em uma carreira marcada pela amorosidade à música brasileira, mas destas, podemos dizer que foram suficientemente francas no ponto de vista solitário de um artista neutro, imparcial, não popularesco. Vander Lee teve pouco tempo de vida, morreu jovem, começou tarde na música, mas angariou letras sensacionais que em pouco tempo arrebatou nas vozes de Alcione, Leila Pinheiro, Gal Costa, Maria Bethânia, Rita Benneditto. Foram músicas fortes que falavam de Deus, romantismo, sinceridade e uma profusão de ideias e pensmentos e frases e amores que apenas Vander Lee conseguiu extrair de sua mente em ebulição. Saí de cena um musico exemplar, de uma categoria ímpar, de uma finesse perfeita para ficar em nossas lembranças um artista único, completo, sensível, amável. Mais conhecido por seus versos que falavam do amor cotidiano, Vander cantava sua singeleza como elemento de sua música autoral. Ele tinha 19 anos de carreira, nove discos gravados e sua madrinha era ninguém menos que Elza Soares!

 

Adeus, Vander Lee
Por Marcelo Teixeira