terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Os dez melhores lançamentos de 2014


Os melhores CDs de 2014
De Alberto Salgado à Mônica Salmaso, passando por Ceumar e Criolo, o ano de 2014 foi um dos anos mais promissores para o mercado fonográfico: muitos lançamentos e muitas surpresas. Obviamente que nem tudo é flores e teve muitos CDs desprezíveis, mas na sua maioria, o ano foi de muitas novidades e, sobretudo, de muita qualidade musical. Sem ter uma posição para cada lançamento, o Mais Cultura Brasileira e, de quebra, o crítico que vos escreve, passou o decorrer do ano ouvindo muita música, muitas vozes, muitos CDs, garimpando aqui e ali nas lojas do ramo e muita coisa passou longe do meu crivo, pois não mereciam nem espaço numa linha em branco. Não foi muito difícil selecionar os dez melhores discos deste ano, mas houve algumas dúvidas, normais até então, para poder classificá-las de mediano. Mas depois de tudo acertado, eis que chego a conclusão dos melhores discos mais bem produzidos em 2014, de janeiro a dezembro e o leitor pode conferir agora. Lançando o ótimo Além do Quintal, Alberto Salgado é a revelação masculina de 2014 no Mais Cultura Brasileira!, assim como Tito Marcelo, cantor recifense residente em Brasília, uma das gratas e boas surpresas  no cenário musical. Alberto é um sopro natural de calmaria em meio à fúria de sons tão distantes que assolam nossos ouvidos e que tem identidade própria ao desencandear um filandeiro de obras-primas deste álbum encantador. Trezes faixas embalam Além do Quintal, sendo todas de sua autoria ou em conluio com outros parceiros. Mas sua assinatura é pessoal e intransferível e essa mágica é que faz toda a diferença no disco. Alberto experimenta tons sambísticos neste disco, o que o deixa muito bem à vontade para cantar e compor melodias saborosas, com uma leveza pop sobre canções de amor. Majestoso do começo ao fim, Silencia é um dos melhores discos da carreira de Ceumar, que volta mais brasileira que nunca mesmo estando radicada na Holanda. A definição de Silencia, talvez, seja a voz ímpar da cantora: impossível não se encantar com a doçura de sua voz, tão rica, tão saudável e tão acalentadora. Há força no seu canto e no seu campo musical e por esses motivos, Ceumar, mineira que és, procura demonstrar o quão verdadeiro é seu canto. Silencia promove o silêncio, a voz do sereno, a palavra mais doce que por vezes necessitamos. Juçara Marçal nos brinda com um disco sensacional. Sedutor, Encarnado demonstra toda a verve artística de uma grande cantora, em tempos que não estão para paz. O disco é forte, audacioso e a cantora ousou, inovou e surpreendeu em trabalhar em algo tão sério, tão visceral. Para a explicação desses temas, a cantora se infiltrou em matizes díspares do clássico para a sua rica interpretação. O samba pede passagem mais uma vez e Maria Rita consegue se desvencilhar da imagem da mãe, Elis Regina, para fazer um dos discos mais bonitos de sua carreira e de quebra, um dos mais belos deste ano de 2014. Maria Rita canta divinamente todas as faixas de Coração a Batucar sem atropelar palavras, sem deixar a peteca cair, sendo uma grata surpresa até mesmo para mim, que retruco quando o assunto é o universo particular da cantora. Dani Calazans é uma das melhores cantoras surgidas nos últimos anos dentro da MPB e sua voz é um afago tão tocante quanto certeira, tão imensa quanto duradoura, tão atual quanto sensível. Dani Calazans é uma cantora completa, reveladora, simples e determinada. Hard Bolero é um disco que não pode ser passado em branco: você precisa ouvir! Ouvir com atenção, com vontade, com garra, porque esses adjetivos são transpassados por Dani Calazans em todas as faixas do álbum. Com ênfase nas mazelas do Brasil, como na irresistível Classificados, passando por sua feminilidade com a música Salto Agulha, Dani dá um toque diferenciado na manjada Non, je ne regrette rien, que fecha o disco com chave de ouro. O rap nunca esteve tão representado com a imagem e a música racional de Criolo, um dos melhores e mais dignos artistas brasileiros de todos os tempos. Há muito caos e ecos na vibrante e tocante música que ele produz: tudo em Convoque Seu Buda é agressivo e é sereno ao mesmo tempo. A eloquência nos versos de Criolo é seu forte caminho para que a sua música seja sempre um apelo de sonoridade e respeitabilidade dentro da música e dentro daquilo que produz, porque tudo o que sai da boca do cantor é a prova ácida daquilo que viveu ou vivenciou alguém vivendo. Tito Marcelo é um desses cantores que nasceram para encantar: sensível, carismático, letrista, poeta, brasileiro. Nascido em Recife, Tito mora em Brasília e é da capital federal que surge mais um cantor de primeira grandeza na música popular brasileira. Pra Ficar no Sol é um disco interessante, irresistível, caprichado, moderno e com uma capa incrível. Aqui está todo o universo magnífico de Tito Marcelo, que se baseou nas estruturas do amor e na brejeirice das levadas infantis para compor boa parte do álbum. Corpo de Baile é um punhado de canções da dupla Guinga e Paulo César Pinheiro e mesmo sendo um disco de releituras, as músicas dão um novo frescor na delicada e sútil voz de Mônica Salmaso. Nesse disco houve um paralelo de divisor de águas na carreira de Mônica, por se tratar de um disco produzido com requintes de rica musicalidade e que no frescor de sua alma de cantora, expôs todo o seu sentimento para com as canções ali cantadas. Grata surpresa foi quando Mallu Magalhães se juntou a Marcelo Camelo e ao guitarrista e baterista Fred para formarem o Banda pro Mar , com músicas deliciosas e de altíssima qualidade musical. Em quase tudo aqui podemos lembrar o som de Marcelo Camelo no Los Hermanos (caso de Cidade Nova ou Hey Nana) ou de Mallu nos tempos de início de carreira, como na saborosa e divertida Muitos Chocolates ou Mais Ninguém. Por falar em Mais Ninguém, a canção é uma das melhores composições de Mallu, por mostrar que a cantora realmente amadureceu Zizi Possi mostra todo o seu encanto ao dar vida a Tudo se Transformou, que se transformou, sem querer, em um disco sensível, aberto, curioso e com direção certeira na carreira Zizi em que revisita a obra dos amigos, pinça com dignidade uma música de cada e o lança em disco. Mas o que se vê aqui é um disco novo e sensato e que acaba com o jejum da cantora, merecidamente. E assim se completa a lista de 2014: com qualidade e muita música, boa, os melhores lançamentos são sempre os melhores. E que venha 2015!

 

 

Os melhores lançamentos de 2014
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O rei não é rei no país do samba


Roberto Carlos é rei?
Entre brigas na justiça com as leis sobre biografias não autorizadas e músicas do passado que são proibidas de serem regravadas, Roberto Carlos vai passando sua coroa (que nunca teve e que nunca mereceu) para frente, deixando talvez guardada em um local de difícil acesso ou até mesmo escondida. No país do futebol,  do samba e das mulatas, não se pode ter um rei e Roberto Carlos fora apelidado assim devido ao grande sucesso na Jovem Guarda. Mentor da época, o cantor e compositor Roberto Carlos reinava absoluto nas paradas de sucesso, cantando aquilo que o público, feminino na sua maioria, queria ouvir. Roberto dividia os holofotes com outros reis que eram tão bons quanto ele na sua época, como Paulo Sérgio, Antônio Marcos e Taiguara. Mas fora Roberto quem sobreviveu a todos os obstáculos e vendavais que vieram após o fim da Jovem Guarda, o início da Bossa Nova, o surgimento da Tropicália, o Samba, o Rock... Roberto Carlos conseguiu uma proeza e tanto para a sua velhice musical: se manter entre os melhores e maiores cantores brasileiros de todos os tempos. Mas há muitas cinzas no mundo artístico de Roberto Carlos: como uma cólera, o cantor sempre teve obsessões pela imagem e por sua vida retratada em livros. Não deixa praticamente ninguém cantar suas músicas sem sua devida autorização e exige ouvir antes de todos para ver se ficou realmente boa. Ficando de fora os TOCs que o cercam, o chamado dito popular rei não é rei em um país regido por pajés: Roberto Carlos está muito abaixo da cultura intelectual de Chico Buarque, Caetano Veloso ou até mesmo Milton Nascimento, artistas estes capazes de levar coroas sem serem reis.  É notória que a música dos anos 1970 e 1980 que Roberto produzia fazia muito mais barulho que as músicas lançadas nos anos 2000 e mesmo com essa distância de tempo, é impossível dizer que Roberto é o maior cantor do Brasil: ele continua muito abaixo de qualquer cantor racional deste país. Roberto produziu muita coisa bacana para a cultura brasileira, músicas românticas de qualidade nada duvidosa, mas essas músicas não chegam a ser de qualidade superior, não trazem intelectualidade alguma para o nosso dia a dia e não transmitem nada senão serem apenas músicas românticas. As cinzas musicais de Roberto são apenas cinzas cristalizadas no breu mais distante produzida para que a massa o alimentasse de qualquer forma e jeito, traduzindo o que há de melhor de sua capacidade mental: o de fazer música romântica sem ser apelativa, mas meramente comercial. Não duvido da capacidade intelectual de Roberto em se fazer crer que é o maior cantor do Brasil, assim como não questiono suas músicas, que são, de todo modo, caricaturas de rostos normais aqui e ali, mas o que quero dizer é que o rei Roberto Carlos não merece esse título que lhe designaram, pura e simplesmente porque no país do futebol, do samba, das mulatas, das coroas e das ninfetas, quem reina absoluto são os pajés, que mesmo com seus cocares de pena, ainda assim perdem sua majestade.

O rei não é rei no país do samba
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A música e a religião de Rita Beneditto em Encanto (2014)



Rita: música e religião
Depois de lançar o emblemático Tecnomacumba e se ver rodeada de problemas religiosos por causa de sua música, a cantora maranhense Rita Beneditto volta após oito anos deste lançamento para enfim colocar voz no delicioso Encanto, que é uma sequencia do primeiro. Lançado pela Manaxica Produções em parceira com a Biscoito Fino, o novo disco comemora os vinte e cinco anos de carreira de Rita. Encanto (2014 / 24,99 / Manaxica – Biscoito Fino) é o primeiro disco de Rita após a mudança de nome de Ribeiro para Beneditto. A regravação em tom roqueiro de sucesso de Roberto Carlos impulsiona o disco, onde Rita apresenta músicas inéditas entre ousadas releituras de canções de compositores como Djavan, Gilberto Gil e Jorge Ben Jor. Em uma viagem às fronteiras do Brasil, Rita canta Babalu, um dos grandes sucessos da compositora cubana Margarita Lecuona, imortalizada na voz de Ângela Maria. Na matriz africana descende De Mina, música de Josias Sobrinho gravada com a guitarra de Roberto Frejat. E, como a fé a música nunca tiveram fronteiras, Encanto aporta ao fim do terreiro do samba com O que e dela é meu, samba bamba carioca de Arlindo Cruz feito especialmente para Rita. É o fecho simbólico de Encanto, disco que não deixa dúvidas de que, em qualquer terreiro ou lugar, a religião de Rita Beneditto é a música.

 

Encanto / Rita Beneditto
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A Caixa Azul de Djavan


A Caixa Azul do Djavan
Beirando os 40 anos de carreira com mais altos do que baixos, o cantor e compositor Djavan sempre gostou mais de pensar e olhar para o atual momento e se deliciar com o futuro ao invés de parar no tempo. Com tantos trabalhos admirados e obras incríveis nesses longos anos, não havia tempo para voltar no tempo e se dedicar inteiramente à obra do passado, muito menos mensurar o tempo com a distância percorrida. Foi pensando nesse tempo e nessa distância de anos anteriores que nasceu um projeto audacioso e que os fãs do cantor alagoano agora podem respirar mais aliviados: surgiu a caixinha azul do Djavan. Aqui estão reunidas praticamente todo o acervo do cantor, que sempre se manteve flexível entre o erudito e o jazz, mas sempre focado na boa e velha MPB. São 20 álbuns remasterizados, incluindo aqui o primeiro disco, A Voz, O Violão, A Música de Djavan, lançado originalmente em 1976 e até Ária, de 2010, um dos pontos altos de sua carreira, por unir os velhos aos novos fãs.  Por toda a sua incalculável obra, nasceu um projeto reuniu 18 álbuns de carreira e dois discos extras – raridades, com músicas que entraram em projetos especiais, e outro com canções que gravou em inglês e espanhol, lançadas exclusivamente no exterior e até então inéditas por aqui. Todos eles com os áudios originais remasterizados, vale lembrar. Rua dos Amores, lançado em 2012, ficou de fora por ser seu mais recente álbum – que originou CD e DVD ao vivo, lançado este ano. Foi um trabalho criterioso: o Box traz ainda encarte com fotos, capas, informações gerais dos discos, letras de músicas e uma pequena introdução escrita pelo próprio Djavan pincelando histórias da própria trajetória. Aos 65 anos, o cantor reativou lembranças e emoções adormecidas e a partir de uma ordem cronológica de músicas e sons, decidiu garantir o Natal de muita gente mais feliz. Vale a pena conhecer a Caixa Azul de Djavan e saborear cada faixa deste grandioso artista nordestino, culto e brasileiro.

 

Caixa Djavan / Djavan
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Quando o Malta vai acabar?


Malta: o inferno está neles
Depois de Sambô, que não tem luz própria e não significa absolutamente nada na música popular brasileira, outra banda medíocre surge através desses programas de quinta categoria para alçar ainda mais o nível despretensioso do mercado fonográfico e fazendo com que a massa encefálica das pessoas ocas fiquem cada vez mais cinzenta. Lançando Supernova (2014 / Som Livre / 24,99), o grupo Malta ganhou maior destaque depois de ser eleito como favoritos em um programa dominical, abocanhando o tão imaginado primeiro lugar.  Mas já adianto que o grupo, liderado por um roqueiro dos tempos modernos, não chegará muito longe. As músicas do Malta não empolgam conforme sua propaganda e a voz do líder é tão cansativa e emblemática, que nem um xarope expectorante serviria para afrouxar suas cordas vocais. Se o rock brasileiro for denominado nos tempos modernos pelo grupo Malta, então está tudo errado nas diretrizes da música: o grupo não alçará voos longos e não ultrapassará mais a marca registrada em números como no primeiro lançamento. Não há nada de original aqui: desde as letras melosas e sem combinação com a atmosfera do grupo, o vocalista tenta impor uma categoria extra para o seu desempenho como cantor romântico, deixando evidente que seu limite vocal não chega a altos graves. Até onde chegará o grupo Malta, então? Tudo o que é produzido às pressas e com o desdém habitual das grandes gravadoras, acaba sendo uma grande frustração futura e o que foi produzido para ser eterno acaba morrendo logo na primeira leva de novas vozes. O público de hoje está mais exigente e o grupo Malta terá que provar do próprio veneno para se manterem vivos e autênticos a cada investida na música. E a pergunta que me faço neste exato momento é: quando o Malta vai acabar?

 
Quando o Malta vai acabar?
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

As Dolores de Nina Becker


A obra de Dolores por Nina: perfeição
Não é fácil dedicar um disco inteiramente a um artista, seja lá qual for este artista homenageado. Ainda mais nos dias de hoje, em que a música popular brasileira se renova a cada dia, passando por transformações mútuas e com passaportes distintos. Cantar Dolores Duran em pleno século vinte e um não é uma dessas tarefas fáceis e mesmo assim, a excelente cantora Nina Becker desafiou a tudo e a todos para fazer um disco para homenagear uma das cantoras menos comentadas da MPB, mas que tem uma participação fundamental na construção e estrutura de um ritmo que deveria ser mais respeitado. Dolores Duran nasceu em 1930 e morreu jovem e no auge de sua plenitude artística: aos 29 anos já era uma das cantoras e compositoras mais respeitadas de seu tempo. Minhas Dolores (2014 / Joia Moderna / 22,99) é um desses raros discos que nos norteiam pelo conjunto da obra: desde a brilhante capa com a brilhante ideia do título, quanto pela leveza e riqueza de sua voz, assim como a magistral herança musical de Dolores. Tudo em Minhas Dolores soa como inédito, até mesmo porque Nina é uma das cantoras menos conhecidas do grande público e ao mesmo tempo uma das melhores novidades da MPB: voz limpa e suave, muito afinada e excelente interprete. Talvez sendo seu trabalho mais expressivo, Nina faz com que todo o álbum seja rechaçado a puro lirismo com sua personalidade e sua beleza exuberante. Com uma pincelada de refinamento particular, Nina conseguiu extrair o melhor de seu talento para dar vida a obra de Dolores e esse refinamento particular se deveu muito aos tópicos de leveza e a quase percepção inédita que a cantora transpassa através de sua voz. Alguns samba-canções viraram verdadeiras obras-primas na voz de Nina, que vem embalada com violão de sete cordas e bandolim, acopladas de forma enxuta para relembrar momentos e sentimentos de uma cantora marcada pela dor e pelo sofrimento do amor. Este é o melhor momento para que a juventude que não conheceu uma cantora tão autoral e visceral como Dolores, possa (re)conhecer seu talento precoce na presença onipresente de Nina Becker, que soube como ninguém reinterpretar canções maravilhosas de um tempo áureo, sem perder a magnitude de sua criadora, muito menos inventar modinhas para que seja algo comercial. Merecidamente Becker, temos que aplaudir sua rebeldia e coragem ao lançar no mercado um disco de altíssimo nível com capacidade nada egocêntrica, de uma elegância primordial e sútil, marcando de vez seu nome na MPB, com a benção de Dolores Duran.

 

Minhas Dolores / Nina Becker
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Buda, o amuleto de Criolo


Buda: o aguardado CD de inéditas
O rap nunca esteve tão representado com a imagem e a música racional de Criolo, um dos melhores e mais dignos artistas brasileiros de todos os tempos. Há muito caos e ecos na vibrante e tocante música que ele produz: tudo em Convoque Seu Buda (2014 / Oloko / 25,99) é agressivo e é sereno ao mesmo tempo. E é fácil de explicar essa junção de adejtivos cortantes: Criolo nasceu no gueto da zona sul de São Paulo, mais precisamente no Grajaú, bairro periférico de altissíma onda de violência que gera os melhores e mais dissabores toques de sabedoria. E Criolo, ignorante e inteligente, agressivo e humano, racional e compassivo, soube aproveitar toda a sua verve periférica para expor em versos e rimas sua vida de uma forma sensata e magnífica. Seu som é o melhor do rap nacional e alcança todas as expectativas possíveis: somente um cantor de seu porte consegue juntar a sua voz com a de cantoras como Juçara Marçal e Tulipa Ruiz, contrariando a todos e a tudo. Criolo não teve pressa ao lançar Convoque Seu Buda, porque ele sabia que a pressão após o lançamento mais expressivo de sua carreira, Nó na Orelha (2011) seria inevitável. E foi. Todos esperavam pelo tão aguardado álbum de inéditas do cantor e quando isso aconteceu foi uma chuvarada de correria tanto para a internet e seus malditos baixamentos gratuitos, quanto para as lojas do ramo. Convoque Seu Buda virou referência e Criolo volta ao topo da lista dos cantores mais dignos da nova música. A começar pela capa e pelo excelente título, Criolo se lança num mundaréu de vendaval que corre a seu favor, demonstrando que ele não tem medo de críticas e nem de aperto psicológico.Tudo aqui tem a cara de Criolo e nada se moveu, exceto que o som de Convoque Seu Buda seja diferente de Nó na Orelha do ponto de vista de que as músicas são mais bem produzidas e mais planejadas. Há várias influências musicais no som de Criolo em seu novo e autêntico disco: desde pegadas altamente fortes em Plano de Voo, passando pelo tropicalismo em Pegue Pra Ela até chegar nas orquestras de rimas e versos cantados em Esquiva da Esgrima, uma deliciosa e forte canção. A eloquência nos versos de Criolo é seu forte caminho para que a sua música seja sempre um apelo de sonoridade e respeitabilidade dentro da música e dentro daquilo que produz, porque tudo o que sai da boca do cantor é a prova ácida daquilo que viveu ou vivenciou alguém vivendo. O buda de Criolo está aí para que todos tenham acesso, seja mental, experimental ou físico. Ele convocou seu buda e você?

 

Convoque seu Buda / Criolo
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 15 de novembro de 2014

A grata surpresa de Bando do Mar

Banda do Mar: grata surpresa
Há uma diferença singular entre a Mallu Magalhães antes e depois de Pitanga (2011) seu delicioso disco lançado pós Marcelo Camelo. Desde o primeiro disco que Mallu já demonstrava toda a sua super potência musical, mas ainda estava indecisa quanto ao ritmo certo a cantar: considerada a nova Janis Joplin por alguns e uma legítima cantora que herdaria o folk como destino final, Mallu sempre demonstrou que era capaz de muito mais em discos lançados com o decorrer dos anos. A cantora e compositora que foi descoberta através da internet, sempre teve fama de ser uma péssima cantora e a mesma sempre esteve dividida entre a cruz e a espada entre os fãs e não fãs. Mallu cresceu, apareceu e mostrou, depois de Pitanga, que é sim uma excelente cantora. Assim como seus discos, Mallu Magalhães mostrou que sabe cantar, compor e rir dessas e outras críticas que fazem a seu respeito. A participação de Marcelo Camelo foi fundamental para que o crescimento da menina/cantora/desafinada desenrolasse naturalmente e ela produzisse mais e mais e mais. Sempre com categoria afinada e buscando pelo ideal refinado dentro da música brasileira e dentro de seu limite musical, Mallu se juntou ao próprio Marcelo Camelo e ao guitarrista e baterista Fred para formarem o Banda do Mar (2014  / Sony Music / 19,99) , com músicas deliciosas e de altíssima qualidade musical. Em quase tudo aqui podemos lembrar de Marcelo Camelo no Los Hermanos (caso de Cidade Nova ou Hey Nana) ou de Mallu nos tempos de início de carreira, como na saborosa e divertida Muitos Chocolates ou Mais Ninguém. Por falar em Mais Ninguém, a canção é uma das melhores composições de Mallu, por mostrar que a cantora realmente amadureceu compondo versos mais decisivos e fortes e isso já tinha acontecido em Pitanga, quando disse, à época, que poderiam falar o que quisesse dela, pois ela estava ficando velha e louca. Assim como no disco solo anterior, a cantora mais uma vez manda indiretas para os críticos ferrenhos que insistem em debochar de sua carreira, dizendo que está ótima na faixa Me Sinto Ótima. Marcelo, por sua vez, tece delicadeza acentuada nas faixas Pode Ser, que tem vocais de Mallu fazendo contraponto delicioso e sentimental. Nada deixa a desejar em Banda do Mar, exceto o estilo de gravação: as músicas que Mallu compôs foram cantadas por ela como uma declaração de amor a Camelo, suas artimanhas para se mostrar que é uma menina-moleca-que-canta (e bem!), suas indiretas certeiras e para falar de amores guardados em seu peito tanto por homens maduros e pela sua gata Mia (retratada em música). Marcelo também segue a linha romântico e deixa fluir naturalmente músicas singelas como Vamo Embora e Solar. Infelizmente, não houve uma troca de identidade musical entre os dois: Marcelo poderia cantar a música de Mallu e vice versa, mas isso não aconteceu. Mesmo assim, só pela brilhante ideia de saírem de casa para fazerem um disco juntos foi uma grata surpresa. Tanto para o público brasileiro, quanto para os fãs de ambos os cantores (e compositores) e para dizer que Marcelo sobrevive sem o Los Hermanos e Mallu, pela força e vitalidade de seu canto, sobrevive a qualquer tempestade em um copo d’água.
 

Banda do Mar / Mallu Magalhães, Marcelo Camelo e Fred
Nota 10
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Emília Monteiro em São Paulo

Emília: do Norte pra São Paulo
No dia 30 de abril de 2013 escrevi um artigo em que pedia para que o som da cantora amapaense Emília Monteiro saísse do reduto nortista para invadir os quatro cantos do país, pois sua voz merecia ser ouvida. No dia 26 de maio do mesmo ano, saiu no Jornal do Amapá, na coluna da Tica (jornalista de grande repercussão no Amapá) partes desse meu artigo. Portanto, minhas preces foram ouvidas. Emília Monteiro desembarca em São Paulo para duas únicas apresentações: uma no Sesc Sorocaba, no dia 15/11, e o mais aguardado será realizado na Vila Madalena, reduto dos mais morderninhos em questão de sonoridade, com seus barzinhos charmosos e pessoas descoladas. Emília cantará no Espaço Cultural Puxadinho da Praça (Rua Belmiro Braga, 216, Vila Madalena / São Paulo) na segunda feira dia 17 agora, às 20 horas, ao lado das cantoras Nátalia Matos e Luciana Oliveira, que farão uma participação especial. Valor: apenas R$ 15 reais!!! Única apresentação, vale a pena conferir o talento desta grande cantora, um verdadeiro talento brasileiro e que está conseguindo, aos poucos, mostrar sua brasilidade aos quatro cantos deste país. Entrevistada pelo Mais Cultura Brasileira!, a cantora considera Clara Nunes e Elis Regina como as maiores vozes do Brasil e já foi até mesmo elogiada pelo ex-titã Charles Gavin, hoje referência musical no país. Emília é uma dessas raras cantoras que nos encantam apenas com seu olhar: encantador e suave.  Dona de uma voz magistral e de um carisma incrível, a cantora apresentará seu CD Cheia de Graça (divulgado no Mais Cultura! em Abril de 2013), considerado um dos melhores dos últimos tempos e que contém composições de Ellen Oléria, Márcia Tauil, Simone Guimarães, Zeca Baleiro, Célso Viáfora, Val Milhomem e a diva Dona Onete, criadora dos sucessos Veneno de Cobra e Este Quero Este Moreno Pra Mim. Emília merece ser ouvida, assistida, admirada e aplaudida de pé por todos os brasileiros, pois seu canto é de uma beleza profunda e única. Uma das cantoras que merecem a sua atenção graças ao seu canto, sua graça, sua beleza e sua espontaneidade. Emília Monteiro é uma dessas cantoras que faltavam no mercado fonográfico para falar do povo do Norte, cantar suas referências e seus estilos e nos mostrar seus mantras. Cheia de Graça, Emília desembarca em São Paulo trazendo na bagagem um grande disco e uma grande voz!  

 

Emília Monteiro em São Paulo
Marcelo Teixeira

sábado, 8 de novembro de 2014

Três anos de Mais Cultura Brasileira

Três anos de Mais Cultura
E o Mais Cultura Brasileira! chegou ao seu terceiro ano. Para chegar até aqui não foi uma tarefa fácil, mas sim uma tarefa de muito trabalho, muita dedicação, pesquisas, conversa com cantores, horas e mais horas ouvindo músicas, recebendo convites para shows, enfim, um ano marcado pela amplitude de um trabalho que gosto muito: o de ser crítico de música. Este ano de 2014 foi melhor que o ano passado, porque o blog teve mais reconhecimentos por cantoras e cantores carimbados da nossa música e teve mais respeito por entre os leitores. Falar de música de qualidade em um país em que se preza a música descartada não é tarefa fácil, mas com um pouco de esforço e dedicação podemos chegar um pouco mais longe. Este ano o Mais Cultura Brasileira! alcançou vôos mais longos e chegou com mais força ao Nordeste e ao Norte do Brasil e aterrizou com mais afinco na capital federal, Brasília. As entrevistas foram determinantes para que a credibilidade e a assiduidade com a cultura permanecessem com a qualidade superior de quando iniciei os trabalhos. E confesso: nunca pensei que um dia pudesse entrevistar a cantora Ná Ozzetti, minha paixão musical. Entrevistas com cantores da categoria de Alberto Salgado e a descoberta de Tito Marcelo foram cruciais para que o Mais Cultura! voltasse as suas origens de revelações musicais para o grande público. Tive o prazer de conhecer e conversar com Fabiana Cozza (e surpresas virão para 2015) e com a cantora Ceumar, que mesmo da Holanda, podemos trocar algumas firulas e tive prazer igual em poder conhecer a cantora Ná Ozzetti e seu irmão Dante Ozzetti e este me presentear com a novidade de Macapá, Patrícia Bastos. Agradeço as inúmeras conversas que tive nos bastidores com a cantora Márcia Tauil, sempre grato por suas aulas e inspirações e sempre serei grato pelos inúmeros emails que recebo para poder divulgar no blog com sugestões de cantoras espelhadas por este mundaréu chamado Brasil. Posso garantir que 2015 será ainda mais dedicado ao mundo da música e que batalharei por entrevistas e artigos especiais. O Mais Cultura Brasileira! completa três anos, mas quem ganha é você, leitor!
 

Três anos de Mais Cultura Brasileira
Marcelo Teixeira

sábado, 1 de novembro de 2014

Os encontros desprezíveis de Paula Fernandes


Um disco qualquer em sua carreira
Não consigo entender ainda qual a finalidade de Paula Fernandes na música popular brasileira: fanha, não abre a boca para cantar (talvez inventando um novo gesto para balbuciar suas próprias palavras cantadas) e sem postura de palco (a cantora ainda não consegue se soltar no palco), Paula Fernandes é um caso raro de cantoras sertanejas sem atração alguma. Estrela apagada que és, a cantora só consegue despertar a atenção dos desmiolados, incapazes de perceberem o quanto seu talento e insignificação na música atual é desprezível. Além da falta de carinho e empatia, Paula é uma das cantoras que, mesmo ganhando mais dinheiro e sendo mais querida pelo público, é a cantora mais chata e insensata do segmento, deixando para trás a imagem doce e característicamente rotulado de outras fontes de alimentação do mundo sertanejo, como Roberta Miranda, Sula Miranda, As Irmãs Galvão, entre outras. Não me conformo como conseguiram moldar uma cantora deste naipe sem a emoção, sem o sentimento maior, sem expressão facial, sem linhas de pensamentos fluentes, sem absolutamente nada na cabeça, como fizeram com Paula Fernandes. Recentemente, a cantora lançou o disco Paula Fernandes – Encontros Pelo Caminho (2014 / Universal Music / 31,90), um álbum duplo contendo participações magistrais como Vitor e Léo, Hebe Camargo, Almir Sater e até Frank Sinatra. São encontros grandiosos, mas que a cantora deixa a desejar conforme vai entoando cada nota musical com sua voz paupérrima: quando ela canta com Almir Sater Tocando em Frente, há falta de sincronismo entre o cantor (o criador) e a cantora (a que se diz cantora). A química não rolou e a tentativa de fazer com que a música ficasse mais viva na memória das pessoas caiu por água abaixo. E não foi culpa de Almir, mas sim pela voz canhostra e horrível de Paula, que insiste em não querer abrir a boca! Mas de que adianta tanta produção, se o principal produto não é fornecido conforme o selo de qualidade exige: a voz de Paula Fernandes. Com uma capa paupérrima, remetendo a um de seus primeiros CDs, Pássaro de Fogo, e com um ar meio angelical, a cantora tenta passar a imagem de boa moça, de quem sabe fazer a lição de casa, mas na verdade, ainda não saiu da terceira nota musical. Não vi nada de especial neste álbum duplo e não vi nada de espetacular no conjunto da obra: Paula canta cada vez pior, com uma voz anasalada pueril, com o mesmo sentimento tacanho e com ares de menina pobre do sertão. A capa nos remete a um tempo de infância perdida da cantora, com um sertão por detrás dela, nos dando a impressão do longo caminho percorrido da cantora até o encontro definitivo com a música sertaneja. Definitivamente, o mundo sertanejo merece muitas coisas, descartáveis ou não, e Paula Fernandes é uma dessas coisas descartáveis. Ainda acredito na força estranha e natural de uma divindade qualquer que faça com que Paula ou se cale de vez ou simplesmente evapore da face terrestre. Enquanto isso não acontece, somos obrigados a aturar seus discos (agora duplos) e com a mesma ladainha canina de sempre: voz fanha, rouca e sinistra.

 

Encontros Pelo Caminho / Paula Fernandes
Nota 6
Marcelo Teixeira

sábado, 25 de outubro de 2014

O silêncio de Ceumar em Silencia (2014)

O silêncio de Ceumar
O que seria da música brasileira sem a voz de Ceumar? Poderia formular a questão: o que seria de nós, brasileiros, sem a presença de Ceumar?  Ceumar é uma das vozes mais cristalinas da música brasileira e a cantora está de volta com novo disco, Silencia (2014 / Circus / 26,99), um dos mais belos discos do ano de 2014 e o sexto de sua carreira. Seguindo o limite ampliado em trabalhos antecedentes, a cantora atinge um trabalho acústico, desta vez acompanhada por músicos que criam uma atmosfera perfeita para as suas canções. No novo disco, gravado em São Paulo em dezembro de 2013, Ceumar assina nove faixas com alguns parceiros, e ainda abre espaço para obras de Déa Trancoso, Kiko Dinucci, Vitor Ramil e Osvaldo Borgez. A direção musical de Vincent Ségal, também responsável pelo violoncelo e pela maioria dos arranjos, é imaculável. A voz envolvente de Ceumar é suturada com afetuosos arranjos de cordas e percussão, pincelados aqui e ali por um clarinete ou um acordeom. Silencia já ganha a atenção pela capa: um autorretrato da cantora, com cabelos volumosos e negros, envolto de uma capa branca, que nos traduz uma calma serena, repleta de luz e harmonia. Majestoso do começo ao fim, o disco é um dos melhores da carreira de Ceumar, que volta mais brasileira que nunca mesmo estando radicada na Holanda. A definição de Silencia, talvez, seja a voz ímpar da cantora: impossível não se encantar com a doçura de sua voz, tão rica, tão saudável e tão acalentadora. Há força no seu canto e no seu campo musical e por esses motivos, Ceumar, mineira que és, procura demonstrar o quão verdadeiro é seu canto. Silencia promove o silêncio, a voz do sereno, a palavra mais doce que por vezes necessitamos. Ao encerrar o disco, Ceumar canta como num mantra: o que este silêncio tem a dizer? A ideia de homenagear o silêncio não foi um dos pontos de partida do disco, mas sim o fim de um processo imaginário, de liberdade intuitiva. A fala mansa de Ceumar ajudou e muito a ocupar espaço nesse silêncio de redemoinhos magistrados e há por detrás de cada música uma busca pessoal de silenciar os vários momentos de sua vida. Portanto, Silencia é um disco biográfico de Ceumar.  No lugar de barulho, silêncio. No lugar de guerras, silêncio. Ceumar soube como ninguém interpretar cada faixa de seu disco, buscando inspirações no silêncio escondido em meio a orações, mantras, cânticos e meditações. Se o silêncio quer dizer paz, então o novo disco de Ceumar é um convite a paz que muitos deveriam encontrar e obter.

 
Silencia / Ceumar
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 18 de outubro de 2014

Um certo Lobão sem razão

Lobão sem razão
Há uma grande diferença entre o Lobão dos anos 80, o Lobão dos anos 90 e o Lobão do ano 2000: nos anos 80, o cantor, compositor e roqueiro Lobão liderava a lista dos cantores mais poderosos da música popular brasileira e era considerado por muitos como um dos legítimos pai do Rock. Já nos anos 90, o mesmo Lobão passou a sofrer com a entrada definitiva do sertanejo caipira (porém mais refinado) de Chitão, Xororó, Leandro, Leonardo, Zezé, Luciano e por aí vai, misturado com a onda pagodeira de um lado e o axé de Daniela Mercury do outro. A onda roqueira de Lobão passou a ter uma fase mais obscura, fechada e concentrada em seu próprio nicho cultural. Nos anos 2000 tudo mudou: Lobão deixou de ser Lobão. O Lobão musico, o Lobão compositor, o Lobão dos palcos. Largou sua própria cultura para virar apenas uma cópia sem graça de sua própria cara. Diferentemente de grandes nomes do rock nacional, como Renato Russo ou Cazuza (que infelizmente se foram cedo demais), Lobão deixou sua imagem de cantor irracional lá nos anos 80 para se ver no ostracismo de sua inteligência agora no século 21. Deixou de ser o cantor e compositor de uma geração para se aventurar a dizer abobrinhas sem pé nem cabeça sobre o mundo da política (preferindo um partido qualquer) e adentrando em uma esfera a qual não está totalmente por dentro: o da crítica especializada. Lobão sempre foi um crítico voraz de vários assuntos, inclusive contra o Brasil (Brasil este que o revelou ao grande público) e bradou em letras de músicas aquilo que muitos queriam bradar, mas que não conseguiam. Nos anos 80, Lobão tentava competir com o grande astro do rock nacional, Cazuza, sobre letras politizadas de um Brasil sem futuro e tentava engatar músicas de efeito moral para que uma nação inteira pudesse ir de encontro suas ideologias. Sim, nos aúreos tempos de sua carreira magistral (se é que teve de fato!), Lobão tentou intimidar os jovens a lutar por seus direitos ao som de músicas como Vida Bandida, que influenciou uma geração inteira contra as mazelas de um país que tentava o seu desenvolvimento. No CD Zii e Zie, Caetano Veloso homenageou o cantor com a música Lobão Tem Razão, cujo reverencia o roqueiro. Se na música Caetano diz que o cantor tem razão sobre várias coisas, atualmente o mesmo Lobão anda desejando e muito: publicou um livro que não altera os fatores da indústria escrita nem dá aval para a cultura brasileira ou para quem quer ter uma cultura decente; lançou discos independentes em bancas de jornais que não acrescentou em absolutamente nada no comércio fonográfico e recentemente se autodefine crítico de governo numa revista que induz as pessoas a serem burras. Por que não tentar voltar lá atrás e rever seu passado, Lobão? Porque de vida bandida ele entende como ninguém. Não adianta dizer que Lobão está numa ditadura musical, porque muitos cantores de seu tempo (e muitos antes mesmo de seu tempo), ainda produzem discos sensacionais e com maior aval do grande público e aceitação da crítica verdadeiramente especializada. Lobão não sabe o que pensa, não sabe o que diz, não sabe o que é o Brasil. E não sabe porque nunca teve vontade de conhecer, tendo em vista que suas músicas sempre foram muito aquém de sua astúcia ímpar. Será que Caetano Veloso se arrependeu de compôr Lobão Tem Razão? Sugiro que o título seja alterado para Lobão Não Tem Razão.
 

Um certo Lobão sem razão
Marcelo Teixeira

sábado, 11 de outubro de 2014

A morte prematura de Alexandre Silpert


Morre Alexandre Silpert
O Mais Cultura Brasileira está de luto. Luto eterno! Luto que não foi premeditado, nem tinha a pretensão de acontecer. Mas a morte veio e deu uma rasteira em todos nós. Hoje abro uma grande exceção para poder expressar aqui o meu sentimento de tristeza, de angustia, de lamentos e de sofrimento pela morte do jornalista Alexandre Silpert, carioca da gema e grande adorador da música popular brasileira por um todo, e que nos deixou no último dia 05. Se a morte é algo tremendamente chata, saber quem morreu é o pior dos sentimentos: Alexandre Silpert não era apenas um jornalista. Ele era mais que isso: um homem de cultura, um homem da música, dos bastidores (ele adorava usar essa palavra em nossas conversas), um homem do entretenimento, das amizades, das viagens, do mundo. Eu não conheci Alexandre Silpert; fora ele quem veio até mim. Dizia-me para continuar a escrever sempre e sempre e sempre, pois o que eu escrevia era algo notório para o futuro, para a posteridade, para a cultura brasileira, pois era a coisa mais rara encontrar algum blog que abordasse apenas a música brasileira. Quando decidi escrever três vezes na semana, Alexandre logo rebateu: “escreva duas vezes, quiçá uma”. E isso foi um desejo dele, pois o leitor ficava mais ansioso para saber sobre o novo artigo. Graças ao seu lado cultural, conheci trabalhos maravilhosos de artistas sensacionais: Gerlane Lops, Tio Samba, Dani Calazans, Leo Russo e a nossa mais recente conversa estava voltada para o cancioneiro de André Rio, cantor recifense. Todas as minhas viagens (e as dele também) era um motivo de comentário. Todos os espetáculos eram motivos de conversas afoitas e sinceras. Conversamos muitos sobre os prêmios musicais, sobre novas vozes, sobre teatro, sobre música e me sinto honrado em poder ser escolhido por ele (dentre muitos) para poder divulgar o seu trabalho através do meu papel de blogueiro e divulgador de música boa, como ele mesmo dizia. Alexandre Silpert morreu novo. Alexandre Silpert morreu jovem. Pessoas com a genialidade de Alexandre Silpert não mereciam morrer. Um infarto o levou. Mas Alexandre Silpert foi cedo demais. Até um dia, amigo!

 

A morte prematura de Alexandre Silpert
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O doce sabor das Chicas



Chicas: isso é música brasileira!
Chicas é a banda formada por Amora Pera, Fernanda Gonzaga, Isadora Medella e Paula Leal, que anda fazendo muito barulho por onde passam devido a técnica vocal e instrumental que todas carregam. Composições próprias e regravações de grandes canções da MPB, agitaram o lançamento do DVD em julho/2009. Sendo uma banda exclusivamente feminina, As Chicas é uma da melhores  bandas de MPB dos últimos anos. Prezam pela musicalidade, notas perfeitas, instrumentos maravilhosos, zabumba, xilofone, violoncelo e violino. Percussão, um dedo de forró misturado com um maracatu atômico. Enfim, música brasileira de qualidade. Em 1996, as quatro amigas decidiram formar uma banda. Nascia, até então denominada, banda Las Chicas. Composta por quatro excelentes musicistas, Amora Pêra, Fernanda Gonzaga, Isadora Medella e Paula Leal, a banda que já era agraciada pela herança genética de Gonzaguinha (pai de Fernanda e Amora), tocou durante 2 anos em festas de amigos, pequenos palcos, mas nada muito comprometido. A banda se desfez, fruto da imaturidade das meninas ainda muito novas naquela época, mas retornou quatro anos após essa pequena pausa. Mais experientes, as meninas seguiram tocando em festivais, pequenos palcos e dessa forma, foram testando seu repertório e conquistando um público fiel. Em 2006, após três anos de espera e experimento, a banda Chicas, lança seu primeiro CD Quem vai comprar nosso barulho?, fruto de uma produção independente e investimento das quatro cantoras. Mesmo com uma pequena divulgação, basicamente composta pelo boca-em-boca, uma ativíssima comunidade na internet e busdoor só para um show, a banda lotou a casa de show Rival, em uma única apresentação. Além disso, já conquistou alguns prêmios em importantes festivais como o Prêmio TIM da Música, gravação de programas televisivos, venda de milhares de cds, consecutivas semanas entre as 10 mais tocadas em algumas rádios FM's, lotação de casas de shows no Rio e estados vizinhos. Pois é, não precisa ser só filha do astro Gonzaguinha, tem que saber fazer música também. E isso, as Chicas sabem fazer bem.

 

O doce saber das Chicas / Chicas
Nota 10
Marcelo Teixeira

domingo, 21 de setembro de 2014

As várias facetas de Bebel Gilberto em Tudo (2014)


 

Bebel em português, inglês e francês
Filha de João Gilberto e Miúcha e sobrinha de Chico Buarque de Hollanda a cantora Bebel Gilberto é praticamente a guardiã legítima do som que seus pais ajudaram a criar no Brasil, mas com uma diferença que soa bem para a sua carreira: Bebel consegue misturar a bossa nova de outrora com o som dançante de hoje em dia. Sim, Bebel é pop, o que na língua comum dos dias de hoje, significa popular. Mas Bebel não é tão popular assim: seus discos são a característica física de uma cantora com significação maior que o seu sobrenome, pois suas músicas são produzidas com requintes de qualidade superior e suas letras são redondas, perfeitas e simétricas. A cada disco, Bebel Gilberto trás uma ou outra canção que nos eriça e isso vem acontecendo desde o seu lançamento oficial com Tanto Tempo (2000), um dos discos mais comentados e aplaudidos nos Estados Unidos, Japão e, por incrível que possa parecer, aqui no Brasil também. De lá pra cá, a cantora não parou mais de produzir discos sensacionais, com parcerias incríveis e com uma sofisticação ímpar. Sendo o CD mais aguardado do ano pelos americanos e pelos brasileiros que lá moram, Tudo (2014 / Sony Music / 28,99) pode-se dizer que a cantora se superou em praticamente tudo, principalmente na ousadia de compor, no atrevimento de compactuar duetos sensacionais e no arremesso de cantar em uma terceira língua. Tudo tem tudo e um pouco mais: é um dos discos mais experimentais de Bebel Gilberto, por se tratar de um disco acima de sua capacidade de inovar. Aqui Bebel canta em inglês (Somewhere Else, Harvest Moon, Lonely In My Heart), em português (Nada Não, Tom de Voz, Novas Ideais, Tudo, Saudade Vem Correndo, Areia, Vivo Sonhando, Inspiração) e em francês, na deliciosa Tout Est Bleu, que parece que foi posta no disco para ser um hit das pistas de dança pelo mundo afora. Bebel se arriscou e conseguiu se distinguir de outros discos de sua carreira, que chegaram a ser calorosamente frios (mas não menos importantes em sua discografia), por terem letras e melodias densas demais, caso do disco Momentos (2007) ou All in One (2009), que fora praticamente produzido para o mercado internacional. Bebel Gilberto, acima de tudo, é uma cantora brasileira nascida nos Estados Unidos e, por esse motivo, recriou o jeito de se fazer música ao seu gosto e estilo e introduziu no Brasil uma linguagem nova (e muito aplaudida) em seus discos. Tudo é a prova maior dessa sua capacidade de se impor entre as melhores letristas e cantoras do mundo e, para que essa consagração seja maior, convidou a cantora e compositora Adriana Calcanhotto para fazerem juntas a letra da música que dá título ao disco. Convidou também o cantor e compositor Seu Jorge (que está bem nas paradas de sucesso em terras americanas) e, claro, não poderia faltar Tom Jobim marcando de vez que seu lado bossa novista fala mais alto. Tudo é um dos melhores discos de Bebel Gilberto, depois de Tanto Tempo, sem trocadilhos, literalmente.

 

Tudo / Bebel Gilberto
Nota 10
Marcelo Teixeira