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sexta-feira, 5 de junho de 2015

O Brasil por Clara Nunes em Nação (1982)


A Nação de Clara Nunes
Um ano antes de sua morte, a vida de Clara Nunes estava completa: ela se tornara, definitivamente, uma das maiores cantoras do Brasil, era popular, bonita, simpática e tinha todos os amigos possíveis e imagináveis ao seu redor. Tirando o fato de não conseguir ser mãe, a cantora estava trilhando um dos caminhos mais bem-sucedidos na história da arte de cantar feminino, que todos se rendiam a ela. Antes dela, apenas Carmen Miranda conseguira tal efeito, em que conseguia trilhar por diversos meios, sempre antenada com o novo e surpreendendo a todos. Elis Regina tinha falecido no fatídico Janeiro de 1982, assim como Vinicius de Moraes e Paulo Sérgio tinham nos deixado em 1980, empobrecendo a música naquela época. Nessa mesma década, os anos 1980 se tornariam o ano do rock nacional, tendo como heróis Cazuza, RPM, Legião Urbana, Capital Inicial, entre outros. Mas no início dos anos 1980 quem reinava absoluta era Clara Nunes, que vinha com discos cada vez mais sensacionais, melhores e mais autênticos. Prova disso foi o estrondoso sucesso Nação (1982 / Odeon / 19,99) derradeiro disco da cantora, que marcava o começo da parceria de João Bosco com Clara. Única música do cantor e compositor mineiro gravada por Clara, Nação representa aquilo que O Canto das Três Raças, Jogo de Angola e Guerreira queriam dizer em outros tempos: a luta do brasileiro pela sua terra, pela sua nação. Clara foi a única cantora brasileira que cantou verdadeiramente o Brasil em todas as suas formalidades e suas variedades. Depois dela, nenhuma outra conseguiu ocupar seu lugar de prestígio e respeito dentro deste segmento, porque ninguém vai ser igual à Clara. Nação marca o fim da carreira promissora de Clara e aqui neste disco podemos sentir a voz embargada em algumas canções: mesmo cantando alegremente, podemos notar que a voz de Clara está mais pesada, mais fechada, mas sem perder o brilhantismo de sua emoção. Sem perder suas origens, a cantora seguiu fielmente até o fim com sua religiosidade e sua fé inabalável. Cantou e encantou as pessoas conforme foi passando os anos. Sentiu emoções de público e crítica. Tornou-se a mulher mais vendável do Brasil. E a mais criticada pela igreja também. Suas músicas em Nação denotam que sua fé era muito maior que qualquer crítica ácida que vinha debaixo, da evangelização caricatural ou da igreja com seus padres sem mentalidades. João Bosco fora um dos grandes responsáveis pelo sucesso do disco, compondo uma das músicas mais emblemáticas retratando o povo brasileiro e o próprio Brasil. Quanto à Clara: nos deixou com a responsabilidade de mantermos vivos sua herança musical tentando resguardar o Brasil do Brazil.

 

Nação (1982) / Clara Nunes

Nota 10

Marcelo Teixeira

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O rei não é rei no país do samba


Roberto Carlos é rei?
Entre brigas na justiça com as leis sobre biografias não autorizadas e músicas do passado que são proibidas de serem regravadas, Roberto Carlos vai passando sua coroa (que nunca teve e que nunca mereceu) para frente, deixando talvez guardada em um local de difícil acesso ou até mesmo escondida. No país do futebol,  do samba e das mulatas, não se pode ter um rei e Roberto Carlos fora apelidado assim devido ao grande sucesso na Jovem Guarda. Mentor da época, o cantor e compositor Roberto Carlos reinava absoluto nas paradas de sucesso, cantando aquilo que o público, feminino na sua maioria, queria ouvir. Roberto dividia os holofotes com outros reis que eram tão bons quanto ele na sua época, como Paulo Sérgio, Antônio Marcos e Taiguara. Mas fora Roberto quem sobreviveu a todos os obstáculos e vendavais que vieram após o fim da Jovem Guarda, o início da Bossa Nova, o surgimento da Tropicália, o Samba, o Rock... Roberto Carlos conseguiu uma proeza e tanto para a sua velhice musical: se manter entre os melhores e maiores cantores brasileiros de todos os tempos. Mas há muitas cinzas no mundo artístico de Roberto Carlos: como uma cólera, o cantor sempre teve obsessões pela imagem e por sua vida retratada em livros. Não deixa praticamente ninguém cantar suas músicas sem sua devida autorização e exige ouvir antes de todos para ver se ficou realmente boa. Ficando de fora os TOCs que o cercam, o chamado dito popular rei não é rei em um país regido por pajés: Roberto Carlos está muito abaixo da cultura intelectual de Chico Buarque, Caetano Veloso ou até mesmo Milton Nascimento, artistas estes capazes de levar coroas sem serem reis.  É notória que a música dos anos 1970 e 1980 que Roberto produzia fazia muito mais barulho que as músicas lançadas nos anos 2000 e mesmo com essa distância de tempo, é impossível dizer que Roberto é o maior cantor do Brasil: ele continua muito abaixo de qualquer cantor racional deste país. Roberto produziu muita coisa bacana para a cultura brasileira, músicas românticas de qualidade nada duvidosa, mas essas músicas não chegam a ser de qualidade superior, não trazem intelectualidade alguma para o nosso dia a dia e não transmitem nada senão serem apenas músicas românticas. As cinzas musicais de Roberto são apenas cinzas cristalizadas no breu mais distante produzida para que a massa o alimentasse de qualquer forma e jeito, traduzindo o que há de melhor de sua capacidade mental: o de fazer música romântica sem ser apelativa, mas meramente comercial. Não duvido da capacidade intelectual de Roberto em se fazer crer que é o maior cantor do Brasil, assim como não questiono suas músicas, que são, de todo modo, caricaturas de rostos normais aqui e ali, mas o que quero dizer é que o rei Roberto Carlos não merece esse título que lhe designaram, pura e simplesmente porque no país do futebol, do samba, das mulatas, das coroas e das ninfetas, quem reina absoluto são os pajés, que mesmo com seus cocares de pena, ainda assim perdem sua majestade.

O rei não é rei no país do samba
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A voz estrábica de Martinha


A cantora Martinha
Sempre me perguntava por onde andava a cantora Martinha, grande ícone da Jovem Guarda, movimento que perdurou por muito tempo, combatendo a Tropicália, a Bossa Nova e contrariando o samba dos anos 1960 e início da época setentista. Cresci ouvindo Martinha, motivado pelo entusiasmo de minha mãe, dona Maria Geralda, mineira como ela, e gostava de ouvir aquela voz calorosa, doce, suave, meio rouca e meio estrábica. Não sei se há voz estrábica, mas por vezes sentia na voz de Martinha umas melancolias, umas tristezas e umas alegrias que não sei explicar, e por isso denominei a sua voz como estrábica. Martinha foi o ápice por muitas vezes na vitrola de casa e minha mãe a escutava com grande satisfação e orgulho, dando destaque para canções como Eu Te Amo Mesmo Assim, de 1967 e Eu Daria a Minha Vida, de 1968, ambas compostas pela cantora. As músicas são excelentes e mais parecem que foram criadas para que Paulo Sérgio as cantassem e muita gente ainda há quem diga que fora Roberto Carlos quem as compôs. Lero engano: Martinha se diferenciava das outras cantoras da Jovem Guarda justamente pelo fato de ser uma compositora de mão cheia, com requintes e com personalidade, aonde muitas vezes suas canções parecia que faziam parte de sua própria vida amorosa, com altos e baixos, com ódio e ternura, com beleza e sofrimento.

Martinha era tão presente em minha casa, na sala de estar, no radinho de pilha de minha mãe que ficava na cozinha (nos anos 1980 ainda existiam radinhos de pilha) enquanto ela preparava deliciosas comidas mineiras, que até hoje não sei o real motivo do nome da minha irmã, Marta Teixeira: ora minha mãe diz que foi em homenagem à cantora, ora ela diz que foi pelo fato de ter nascido no extinto hospital Santa Marta, na zona sul de São Paulo.

Mas por anos o ostracismo de Martinha a pôs no limbo de ideias esfuziantes e de mentes inquietas para saber seu paradeiro. O silencio de uma grande cantora movida por um grande evento musical brasileiro – a Jovem Guarda – a colocou no esquecimento por anos a fio, diferentemente do que acontece com a cantora Wanderléa, que vez por outra aparece em programas de auditório ou cantando seus sucessos do passado e com Jerry Adriani, que faz verdadeiros malabarismos para se manter firme à frente de líder do movimento jovem guardista que o consagrou, fazendo tributos à Renato Russo ou se manifestando através de shows mesclando músicas inéditas com as mais antigas. Aliás, o motivo real deste artigo e o meu carinho ainda maior pela Jovem Guarda, foi o meu recente encontro (umas três entre o ano passado e este ano), com o cantor e compositor Jerry Adriani (que ainda será blogado aqui no Mais Cultura!).

Recentemente, zapeando pelos programas noturnos, encontrei uma raridade: Martinha cantando, nos dias atuais, para um programa somente dela, com músicas dela, para uma plateia de senhores e senhoras encantados, embasbacados, emocionados e por jovens que estavam ali para conhecer a grande artista que ela fora. Suas músicas ainda hoje perduram sobre tudo aquilo já cantado em 1960 e as verdades ali cantadas servem de inspiração à jovens cantoras sem fundamentos e sem musicalidade. Vestida com um micro vestido, talvez em homenagem ao movimento que a consagrou e com os cabelos soltos ao vento, pude constatar que Martinha ainda continua com a mesma fisionomia de antigamente: não vi rugas em seu rosto, não vi cabelos brancos, não vi a velhice característica que deveria insistir em bater. Martinha ainda mantêm o brilho nos olhos, a estrutura de uma grande cantora e consegue manter um alto padrão artístico pouco visto por celebridades que conheceram de perto o temido ostracismo.

Mas a voz de Martinha não é mais a mesma. Incapaz de manter uma música como Eu Daria a Minha Vida sem tropeços nem arranhões, Martinha não tem mais pulso firme em suas cordas vocais e percebe-se que enquanto as rugas e os cabelos brancos não apareceram, a voz está fraca e com sinais de morte silenciosa. Infelizmente, Martinha não grava mais discos hoje, mas mantê-la em um show por mais de duas horas é fraquejar nossos ouvidos, porque sua voz não agrada em algumas canções. Mas saber que Martinha, fruto de um grande movimento artístico e que revolucionou o modo e o jeito da mulher se portar em um ano em que mulher não opinava nada e saber que ainda continua na batalha por um espaço musical, é manter a motivação de uma grande cantora e compositora que ela fora. Mesmo com voz estrábica.

 

A voz estrábica de Martinha

Marcelo Teixeira