segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A voz estrábica de Martinha


A cantora Martinha
Sempre me perguntava por onde andava a cantora Martinha, grande ícone da Jovem Guarda, movimento que perdurou por muito tempo, combatendo a Tropicália, a Bossa Nova e contrariando o samba dos anos 1960 e início da época setentista. Cresci ouvindo Martinha, motivado pelo entusiasmo de minha mãe, dona Maria Geralda, mineira como ela, e gostava de ouvir aquela voz calorosa, doce, suave, meio rouca e meio estrábica. Não sei se há voz estrábica, mas por vezes sentia na voz de Martinha umas melancolias, umas tristezas e umas alegrias que não sei explicar, e por isso denominei a sua voz como estrábica. Martinha foi o ápice por muitas vezes na vitrola de casa e minha mãe a escutava com grande satisfação e orgulho, dando destaque para canções como Eu Te Amo Mesmo Assim, de 1967 e Eu Daria a Minha Vida, de 1968, ambas compostas pela cantora. As músicas são excelentes e mais parecem que foram criadas para que Paulo Sérgio as cantassem e muita gente ainda há quem diga que fora Roberto Carlos quem as compôs. Lero engano: Martinha se diferenciava das outras cantoras da Jovem Guarda justamente pelo fato de ser uma compositora de mão cheia, com requintes e com personalidade, aonde muitas vezes suas canções parecia que faziam parte de sua própria vida amorosa, com altos e baixos, com ódio e ternura, com beleza e sofrimento.

Martinha era tão presente em minha casa, na sala de estar, no radinho de pilha de minha mãe que ficava na cozinha (nos anos 1980 ainda existiam radinhos de pilha) enquanto ela preparava deliciosas comidas mineiras, que até hoje não sei o real motivo do nome da minha irmã, Marta Teixeira: ora minha mãe diz que foi em homenagem à cantora, ora ela diz que foi pelo fato de ter nascido no extinto hospital Santa Marta, na zona sul de São Paulo.

Mas por anos o ostracismo de Martinha a pôs no limbo de ideias esfuziantes e de mentes inquietas para saber seu paradeiro. O silencio de uma grande cantora movida por um grande evento musical brasileiro – a Jovem Guarda – a colocou no esquecimento por anos a fio, diferentemente do que acontece com a cantora Wanderléa, que vez por outra aparece em programas de auditório ou cantando seus sucessos do passado e com Jerry Adriani, que faz verdadeiros malabarismos para se manter firme à frente de líder do movimento jovem guardista que o consagrou, fazendo tributos à Renato Russo ou se manifestando através de shows mesclando músicas inéditas com as mais antigas. Aliás, o motivo real deste artigo e o meu carinho ainda maior pela Jovem Guarda, foi o meu recente encontro (umas três entre o ano passado e este ano), com o cantor e compositor Jerry Adriani (que ainda será blogado aqui no Mais Cultura!).

Recentemente, zapeando pelos programas noturnos, encontrei uma raridade: Martinha cantando, nos dias atuais, para um programa somente dela, com músicas dela, para uma plateia de senhores e senhoras encantados, embasbacados, emocionados e por jovens que estavam ali para conhecer a grande artista que ela fora. Suas músicas ainda hoje perduram sobre tudo aquilo já cantado em 1960 e as verdades ali cantadas servem de inspiração à jovens cantoras sem fundamentos e sem musicalidade. Vestida com um micro vestido, talvez em homenagem ao movimento que a consagrou e com os cabelos soltos ao vento, pude constatar que Martinha ainda continua com a mesma fisionomia de antigamente: não vi rugas em seu rosto, não vi cabelos brancos, não vi a velhice característica que deveria insistir em bater. Martinha ainda mantêm o brilho nos olhos, a estrutura de uma grande cantora e consegue manter um alto padrão artístico pouco visto por celebridades que conheceram de perto o temido ostracismo.

Mas a voz de Martinha não é mais a mesma. Incapaz de manter uma música como Eu Daria a Minha Vida sem tropeços nem arranhões, Martinha não tem mais pulso firme em suas cordas vocais e percebe-se que enquanto as rugas e os cabelos brancos não apareceram, a voz está fraca e com sinais de morte silenciosa. Infelizmente, Martinha não grava mais discos hoje, mas mantê-la em um show por mais de duas horas é fraquejar nossos ouvidos, porque sua voz não agrada em algumas canções. Mas saber que Martinha, fruto de um grande movimento artístico e que revolucionou o modo e o jeito da mulher se portar em um ano em que mulher não opinava nada e saber que ainda continua na batalha por um espaço musical, é manter a motivação de uma grande cantora e compositora que ela fora. Mesmo com voz estrábica.

 

A voz estrábica de Martinha

Marcelo Teixeira

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