quarta-feira, 28 de maio de 2014

Por que Jair Rodrigues não poderia morrer?


 


Jair: sempre eterno
Jair Rodrigues foi um músico espetacular, de uma fineza sem constestamentos e um cantor extremamente brasileiro. Sua morte foi um abalo geral para todos nós, que não esperavámos por ela: dentro de sua casa, no seu lugar preferido, Jair estava morto. O clichê é gritante, mas faz parte: morreu o homem, mas não a sua voz, a sua trajetória de vida, o cantor. A voz de Jair estará sempre ecoando por este Brasil que não conhece o Brasil, em cada esquina e em cada coração brasileiro. Mas Jair era um cantor que não poderia (nem merecia) morrer. Jair era a parte viva de uma MPB morta. E era justamente por sua memória que o cantor não poderia morrer tão cedo. De todos os cantores que mais bradavam sobre os festivais da TV Record dos anos de 1960, a amizade com a cantora Elis Regina, o início do rap no Brasil, os encantamentos de uma música sertaneja, o samba, os amigos que não comentavam mais nada sobre a música do passado, tudo isso Jair contava em rima e prosa e agora tudo se calou. Jair Rodrigues gostava de contar os bastidores daqueles tempos áureos e tinha muita coisa na bagagem para ser contada ainda, mas o destino o quis calado. Assim como no último show de sua vida, registrado em Minas Gerais e que conta particularidades de Elis como se fosse um sussurro, Jair tinha muitas histórias e notas para contar. Morreu sabendo que fora feliz e que era um dos cantores de maior grandeza da música popular brasileira. Morreu no melhor momento de sua vida: trabalhando e fazendo samba. Assim como Caetano Veloso gosta de comentar o início da Tropicália e o movimento dos festivais, Jair Rodrigues também gostava de falar abertamente sobre tudo aquilo com sabedoria e maestria. Calou-se a voz de Jair aos 75 anos e espero que Caetano não se cale, embora já tenha quase 71 anos! Diferentemente de Gilberto Gil, Gal Costa ou Maria Bethânia, Caetano gosta de relembrar fases daqueles tempos em que lutar pela sobrevivência de uma boa música era significado maior de uma cantoria melhor para futuramente poder se expressar com o passado numa forma direta e franca. E assim como Jair, Caetano também tem cartas na manga ainda. Chico Buarque não fala praticamente mais nada sobre o tempo dos festivais; Geraldo Vandré não se mostra mais em público e nem em entrevistas; Nara Leão morreu; Roberto Carlos não fala mais de Jovem Guarda, embora Erasmo Carlos tenha boas recordações e cartas na manga também. Morreu o patrono do fino da bossa, morreu o menino pobre que vencera na música e se tornara amigo de uma das maiores intérpretes do país, morreu Jair Rodrigues no momento errado. Com a morte de Jair, a música fica mais pobre, mais cinza e mais triste, obviamente. Mas a morte de Jair traz outro significado ainda maior: aquietou-se o moleque cantor mais feliz da MPB e calou-se os bastidores de um festival!



 

Por que Jair Rodrigues não poderia morrer?
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Zizi Possi quebra o jejum em Tudo se Transformou



Zizi: velhas roupagens
Nove anos separam a cantora Zizi Possi do público. Nove anos separam Bossa, lançado em 2001 de Tudo se Transformou, lançado agora em 2014. Se Bossa tinha uma pegada mais pra MPB elitísta, Tudo se Transformou nos remete à Bossa. Zizi Possi pegou a todos de surpresa ao lançar um disco este ano, pois ninguém imaginava que isso fosse acontecer tão cedo, mesmo a cantora tendo feito shows com o mesmo repertório, aqui em São Paulo. Mas aconteceu e o que Zizi nos apresenta aqui é um álbum bonito, bem feito e com a boa música popular sendo bem representada, característica de sua carreira. Zizi deixou Bossa suspensa no ar, com muitas perguntas e sombras de sua carreira, mas Tudo se Transformou (2014 / Eldorado / 20,90) é um disco de capacidade única que consegue juntar uma excelente voz com um piano majestoso. Na verdade e musicalmente falando, o novo disco de Zizi é pura MPB, ressoando nas músicas a leveza e autenticidade de sua belissima voz. Zizi é uma das maiores cantoras deste Brasil e esteve no páreo de ser a nova sucessora de Elis Regina juntamente com Gal Costa, em 1982. Mas Zizi mostrou que seu talento é superior e trilhou seu caminho com discos de sucesso e músicas que adentraram na mente do público até hoje. Se Bossa foi friamente recebido pela crítica e público, aposto que certamente este novo lançamento não passará pelo mesmo crivo. Como disse, Zizi está cantando divinamente, o CD está com uma capa estonteante  e a cantora continua sendo a melhor dentre as melhores e os treze anos que separaram a cantora de seu público a fizeram selecionar as músicas e fazer um disco a sua altura. Mas erros fatais aconteceram para que Tudo se Transformou não entrasse de cabeça erguida para o mercado fonográfico como as boas vindas à Zizi. Primeiramente, a música de abertura, Filho de Santa Maria, foi composta sobre a poesia de Paulo Leminski musicada por Itamar Assumpção. E cadê o nome de Itamar nos créditos? Mas não precisava da voz de Webster Santos nos vocais desta música, porque ele não canta nada e mais parece um cantor esperando as notas dos jurados. Voz grave, forte e estranha que contrasta com a voz doce, pura e sentimental de Zizi. Outro erro fatal foi a regravação de Disparada, já cantada habilmente pela própria no disco Puro Prazer (1999), já que sua voz casou-se muito bem com o piano de Jether Garotti. Aqui a canção fica batida e mesmo tendo novos arranjos, ficou chato ter que ouvi-la em sua voz novamente. Tudo se transformou, do mestre Paulinho da Viola e que deu título ao novo trabalho da cantora, é um samba lamentação das dores ocorridas pelo amor e valeu a pena, porque Zizi dá um show de interpretação. O disco é todo caprichado desde a abertura até a décima e última faixa do show ao vivo, tendo neste meio tempo canções de Guilherme Arantes (Meu mundo e nada mais) e da estreante compositora Necka Ayala, No Vento. Luiza Possi, a filha ilustre, surge como compositora ao lado de Dudu Falcão na música arrastada Cacos de Amor, gravada no CD de Luiza, intitulado Seguir Cantando (2011) e Gonzaguinha ressurge das cinzas em Explode Coração. De Dominguinhos e Anastácia vem Contrato de Separação e Porta Estandarte (Fernando Lona e Geraldo Vandré) fecha o disco ao vivo com chave de ouro pela alegria contagiante que a música proporciona, alternando com Filho de Santa Maria. O bônus fica por conta dos tribalhistas Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown na música Sem Você, que fala dos sentimentos amorosos e da solidão. Aqui Zizi mostra todo o seu encanto ao dar vida a uma música de dois homens totalmente amorosos e a canção acaba sendo a melhor do disco. Tudo se Transformou é um disco sensível, aberto, curioso e com direção certeira na carreira Zizi em que revisita a obra dos amigos, pinça com dignidade uma música de cada e lança em disco. Mas o que se vê aqui é um disco novo e sensato e que acaba com o jejum da cantora. Merecidamente.

 

Tudo se Transformou (2014) / Zizi Possi
Nota 8
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 14 de maio de 2014

De Gilberto Gil a João Gilberto: deu samba no encontro de Gilbertos


 

Um disco e tanto
Gilberto Gil devia um disco a altura de João Gilberto. O pai da bossa nova acaba de ganhar um disco em sua homenagem pelo patrono do Tropicalismo e essa junção se deu por conta do lançamento de Gilbertos Samba (2014 / Sony Music / 26,99), um disco mais experimental do ponto de vista crítico do que um disco essencialmente não comercial. Experimental porque Gilberto Gil sempre teve essa vontade de fazer um disco de samba para exprimir seu sentimento para com seu conterrâneo e não comercial pelo fato de não ser um disco simples. A começar pela capa contrastando o vermelho em letras garrafais com o azul quase escuro ao fundo, o ouvinte pode se entediar com as músicas apresentadas já na primeira vista. Mas não se enganem: por mais que o disco traga canções já conhecidas do grande público, Gil dá uma aula de profissionalismo, determinação no ofício de cantar e sabedoria em sua essência.  Aqui a bossa é realmente nova e Gilberto Gil consegue transpassar toda a sua vibração positiva a cada faixa cantada. Ao todo são dez músicas do repertório de João mais duas homenagens, sendo a faixa-título Gilbertos, onde cita outros bambas de sua época, como Dorival Caymmi, Chico Buarque, o amigo Caetano Veloso e a instrumental Um Abraço no João. Gilbertos Samba é um disco em que o cantor e compositor reinterpreta os clássicos gravados por João Gilberto e isso ele o faz com maestria. Se na primeira audição ficamos meio chocados com a onda gritante de pesadas guitarras e calmos violões em algumas faixas, esse susto passa com a segunda chance de poder ouvir as melhores músicas gilbertianas, que tem como parceria Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e Caetano Veloso. Quase tudo o que João Gilberto cantou, até mesmo seus primeiros compassos na música universal brasileira, Gil fez questão em poder regravar, incluindo O Pato, Desde que o samba é samba, Você e eu (música de trabalho), Eu vim da Bahia. O disco tem assinatura musical de Moreno Veloso e Bem Gil e está recheado de músicas de sucesso que ficaram ainda mais tocantes, vivas e suaves na voz doce e angelical de Gil. Um presente e tanto de Gilberto para Gilberto e quem ganha com isso é o público, fiél e escudeiro público da boa música popular brasileira.



 
Gilbertos Samba (2014) / Gilberto Gil
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Morreu Jair Rodrigues!

Morreu um mestre da música
Pessoas especiais não morrem. Pessoas especiais são eternas. Jair Rodrigues morreu. Mas não morreu o artista, não morreu o cantor, não morreu o moleque que dançava, corria, pulava, instigava, cantava. Jair Rodrigues deixou um legado e tanto para a música popular brasileira: deixou sua marca ao lado da cantora Elis Regina, definitivamente nos festivais, marcou o início do rap no país, deixou sua pegada no samba brasileiro e, de quebra, entrou de cabeça erguida no sertanejo. Jair Rodrigues passeou por todos os ritmos brasileiros e em todos ele foi muito bem sucedido. Aos 75 anos, o cantor estava em alta, fazendo shows, feliz. No Brasil apenas dois cantores tem a capacidade de cantar com amor, emoção, carinho e devoção: Ivete Sangalo e Jair Rodrigues. Grande ícone da música, Jair partiu e deixará uma lacuna insubstituível. Ainda não dá para acreditar em sua morte, tão rápida e tão batida. Em momentos tão amargos neste mundo, tão delicados e tão comuns, o incomum aconteceu em um momento que não era para ser: sua morte não é uma morte nem uma passagem. Ele descansou. Descansou o nosso eterno moleque, nosso eterno garoto fanfarrão, nosso eterno Jair. Na música, ele misturava tudo e tudo dava certo. Sua voz ainda estava saudavel. Sua emoção ainda era passada para todos. Jair Rodrigues era o clima que o tornava brasileiro, moderno, atual, significativo.  Cantores como Jair, assim como Elis, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Roberto Carlos serão eternos e serão eternos porque na época deles fazer música era complicado. Se houve um Chico Buarque, uma Nara Leão, um Paulinho da Viola é porque houve público para eles. Assim como houve até hoje público e espaço para o Jair. Nunca mais teremos a chance de ver um astro da música popular brasileira surgir como surgiu um Jair Rodrigues, que mesmo tantos anos depois, continuava na ativa, fazendo shows com plateia lotada e cativando crianças e adolescentes e fazendo dos novos artistas uma colisão de aprendizagem e arte. Confesso que não sei o que escrever, pois as lágrimas me tomam neste exato momento. Mas não vamos fazer da morte de Jair uma tristeza sem fim. Não aceito sua morte. Mas o suspiro me faz acreditar que não o teremos mais por perto fisicamente. Suas músicas serão eternas. E Jair Rodrigues é eterno. Até logo, Jair.

 

Adeus, Jair Rodrigues
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 7 de maio de 2014

As colheitas de Mariene de Castro


A força no canto de Mariene de Castro é sagrada e a sua luz é tão forte que provavelmente demorará a se apagar. Mariene está de disco novo e talvez seja o melhor de sua carreira, mesmo depois de mostrar os santos de sua casa e a homenagem a Clara Nunes. Não que sejam trabalhos menores, mas até ali, a cantora vinha provando o que o público queria realmente saber de sua musicalidade e agora Colheita veio acolher o seu tempero e sua apuração. Mariene destoa música caprichadas, bem arranjadas e com fácil apelo popular. Mas não pensem que o tal apelo popular seja sinal de música comercial: a música de Mariene de Castro vai mais longe e alcança ares mais profundos. Quem assina a produção do disco é o competente Max Pierre, que já produzira discos importantes no cancioneiro nacional. Em temporadas de surgimento de cantoras deprovidas de talento e voz, entre o certo e o errado e entre música de qualidade com bordões exdrúxulos, a qualidade de Mariene surpreende pelo seu canto, pela força de sua voz, pelo eco de seu brilho e pela brasilidade que carrega. Colheita (23,99 / Universal / 2013) é um disco de samba de raiz, de predicado, de respeito e de ginga e tem a participação mais que especial de Maria Bethânia em A força que vem da raiz (Roque Ferreira) e na faixa título, Colheita (Zeca Pagodinho / Rildo Hora). Beth Carvalho é a outra convidade, não com o mesmo brilho de Bethânia, e canta Samba da benção (Baden Powell / Vinicius de Moraes) e o maestro Jaques Morelembaum juntamente com a bateria da Portela estão em Aquela da Amazônia (Toninho Geraes / Toninho Nascimento). Baiana de nascimento, Mariene entra para o rol das grandes divas da música popular brasileira com um disco a sua altura e competência, com faixas que demonstra toda a sua cultura de grande dama do samba. O samba está em seu sangue e sua voz está por todas as partes.

 

Colheita (2013) / Mariene de Castro
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 2 de maio de 2014

O samba pede passagem à Maria Rita

Emocionante e sensível
O samba pede passagem mais uma vez e Maria Rita consegue se desvencilhar da imagem da mãe, Elis Regina, para fazer um dos discos mais bonitos de sua carreira e de quebra, um dos mais belos deste ano de 2014. Coração a Batucar (2014 / Universal Music / 26,90) tem um pequeno deslize, mas o resultado soou muito bem, obrigado. O único deslize é a capa, que trouxe um ar sombrio, fúnebre e nada convencional com o samba, mas as músicas que abocanham o disco (e as fotos no encarte) por um todo faz com que esqueçamos rapidamente deste mero detalhe e entremos diretamente para o mundo do samba. Maria Rita cresceu e apareceu, ficou mais madura e responsável por sua voz e há uma diferença muito grande entre Samba Meu (2007) e Coração a Batucar (2014). Aqui as músicas foram selecionadas a dedo e Maria Rita está cantando divinamente, com uma voz brilhante, límpida e cristalina. Se no primeiro disco de samba não houve o tempo ou o respaldo para interagir com o manifesto, aqui a cantora conseguiu driblar toda a sua experiência e fazer com que Coração a Batucar batucasse nos corações e nas almas de todos aqueles que a odeiam e a amam. Sempre fui contra a carreira de Maria Rita. Desde que foi lançada a ideia de que a filha ilustre e desconhecida de Elis iria se lançar como cantora, em 2003, a imprensa, a mídia, a fonografia e todos os fãs se mobilizaram para a espera desta grande oportunidade. Todos estavam a espera de uma nova Elis e o que se viu foi uma Maria Rita timida, recatada e que cantava habilmente as canções que a MPB lhe propusera. O resultado foi um disco mediano, mas um disco a altura de Maria Rita. Os discos seguintes foram discos seguintes, sem grandes alardes em sua carreira, mas com um dedinho no samba, como na música Conta Outra, gravada ao vivo para o disco Segundo (2005), cujo teve uma repercussão plausível. A minha indignação com relação a Maria Rita trata-se apenas e oriundamente pelo fato da cantora estar sempre veinculada a imagem da mãe, desde em gestos faciais até posturas em palco. Mas quando Maria Rita canta samba tudo muda e ela encarna a própria Maria Rita. Como cita a música É corpo, é alma, é religião, Maria Rita não nasceu no samba, mas o samba nasceu em si numa forma complacente de que o seu terreno é a MPB, mas que o samba é seu ponto forte e é neste ritmo bem brasileiro que a cantora se mostra a que veio. Maria Rita canta divinamente todas as faixas do disco sem atropelar palavras, sem deixar a peteca cair, sendo uma grata surpresa até mesmo para mim, que retruco quando o assunto é o universo particular da cantora. Fica até mesmo dificil dizer qual a melhor música de todo o álbum, mas arrisco dizer que  No Mistério do Samba, composta pela competente Joyce Moreno é uma lição do que é ser sambista. Joyce, que adora jazz e foi descoberta na época da bossa nova, perambulou pela MPB e se caracterizou no samba, é mestre no que faz e seu recado foi dado: há um mistério que ronda o samba de Maria Rita e há uma fidelidade da cantora para com o estilo. A cantora poderia se lançar fielmente ao segmento e só cantar samba, pois aqui Maria Rita se diverte, se anima e faz com que muitos a sigam por onde passa. Na sua plenitude e dentro deste universo sambístico, Maria Rita reina única e absoluta, juntando o brilho de sua voz e a capacidade de sua emoção. Mistério do samba ou não, o fato é que a cantora brilha sensivelmente em seu estilo e consegue fazer um dos melhores discos, mais completos e mais autênticos de sua carreira, dando a volta por cima e sendo, mais uma vez, Maria Rita. Que os deuses do samba possam sambar, pois aqui tem samba de verdade; abram as rodas porque aqui tem samba no pé; deixem de lado as sandálias porque aqui tem um coração a batucar. Maria Rita não nasceu no hemisfério do samba, mas deixa seu coração batucar mais forte quando cai numa roda de bamba. Viva o samba de Maria Rita.
 

Coração a Batucar (2014) / Maria Rita
Nota 10
Marcelo Teixeira