quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Falso Brilhante (1976): disco impecável de Elis Regina


 

Elis em momento sublime
Falso Brilhante é um dos discos mais emblemáticos da carreira de Elis Regina e foi um álbum que marcou uma época através de seus trejeitos, nuances, formas e equilibrio, que até hoje é muito comentado e lembrado por fãs que tem cada passo da cantora na mente. Praticamente nenhum outro cantor ousou em cantar as músicas imortalizadas por Elis, exceto Como Nossos Pais, que vez por outra uma cantora aqui ou outra ali se esquiva na interpretação e tentam se igualar à Pimentinha, num erro tosco e grosseiro. Elis se transforma em um dos melhores e maiores discos de sua lavra e Falso Brilhante fez a efervescência musical e teatral nos anos de 1976. Como não vivi a época deste espetáculo (eu viria a nascer alguns anos mais tarde), Falso Brilhante é um relato deixado por quem viveu intensamente naquele ano e é um registro de uma parte do repertório da bem-sucedida turnê de mesmo nome, na qual Elis se apresentou durante meses no Teatro Brigadeiro, em São Paulo, lotando a casa com cerca de 1000 lugares todos os dias.  Os relatos sobre o show a qual tive contato são impressionantes e, para escrever este artigo, me fartei de inúmeros materiais audiovisuais e conversas com pessoas que pararam suas vidas para ficarem horas na fila do ingresso ou simplesmente perderem seus respectivos trabalhos.

Vale ressaltar que a turnê de Falso Brilhante só chegou a um fim antes do previsto, porque Elis ficou impossibilitada fisicamente para continuar com o espetáculo, só para se ter uma ideia da intensidade do show. E pela primeira vez nesses anos todos de Mais Cultura!, eu me prezo sobre os dízeres de terceiros para me aventurar numa áerea em que pouco atuo: o de entrevistar pessoas anônimas sobre determinado espetáculo. Confesso que curti muito conversar com essas pessoas e saber mais sobre os anos de chumbo e cujo a censura ainda ministrava algo no país. Estar com essas pessoas aumentava ainda mais a minha voracidade em poder escrever sobre um dos discos mais importantes da música popular brasileira.

Falso Brilhante tem 10 faixas, todas gravadas em estúdio e que abarcam inúmeros estilos. Uma novidade e tanta à MPB e até mesmo a musicalidade de Elis, é que o disco vinha com uma forte influência do rock, com presença marcante da percurssão e das guitarras e além disso, o disco serviu para Elis mostrar aos críticos que era mais que uma cantora, era uma intérprete de verdade. Acreditando ou não em sua música, Elis foi acusada de ser manipuladora, fria e sem emoção a partir do álbum Elis, de 1973 (no qual está a linda É Com Esse Que eu Vou) e isso se deve ao fato de que, naquele período, a cantora ser obcecada em melhorar seu registro vocal e atingir a perfeição de sua voz. Isso fez com que ela fosse duramente criticada em todos os sentidos, mas, depois que ela amadureceu artisticamente, fez com que fôssemos presenteados com sua grande voz em um grande disco, como este de 1976.

Abrindo o disco com o maior sucesso até hoje cantado, Como Nossos Pais, que mistura rock e MPB num lirismo profano e em plena ditadura militar, a música falava da falta de esperança na juventude acomodada  que queria mudar o mundo, mas ficava no mesmo conforto de seus lares observando os aflitos de longe. A música passa a ser um soco no estômago de muita gente que queria ficar parada no tempo, a espera de um milagre qualquer. A música foi um adendo para que Belchior, o compositor, virasse estrela de primeira grandeza e, sem querer, Elis gravaria Velha Roupa Colorida, uma extensão da primeira, mas sem a carga depressiva e autoritária que ela carregava.

Fascinação é o clássico do disco, ainda que não destoe de arranjos modernos demais. Esta música também é muito conhecida, tanto pelo seu puro mito cristalino quanto pela interpretação emocionada que ganhou. Jardins de Infância, da dupla João Bosco e Aldir Blanc, é uma ótima letra, com excelente ritmo e que aqui também é magistralmente interpretada. Quero, de Thomas Roth, representa a porção folk de todo o disco, logo quebrada com a praticamente flamenca Gracias a la Vida, que é entoada em seguida.

E surge O Cavaleiro e os Moinhos, da dupla Bosco/Aldir, uma canção introspectiva, que marca ainda mais a dramaticidade de Elis. Para encerrar com chave de ouro, não havia coisa melhor do que ter Chico Buarque e sua Tatuagem (em companhia de Ruy Guerra), com uma letra romântica, suave, tenra, doce, generosa. Todo grande disco tem que ter, por obrigação, uma canção de Chico e aqui não foi diferente.

Falso Brilhante foi o maior sucesso da cantora em vida (e até hoje comentado). Assim como o show é considerado revolucionário, transgressor e antológico, sempre constando nas listas dos melhores, Elis não tinha a certeza de que estava entrando, definitivamente, para o rol das grandes divas brasileiras (mesmo cantando, às vezes, músicas que não a representaram em algumas fases de sua vida). Imparcialidade de lado (eu mesmo já critiquei severamente Elis em artigos nada pomposos), Falso Brilhante é o melhor disco brasileiro de todos os tempos, igualando com O Canto das Três Raças, de Clara Nunes, lançado também em 1976, ou Álibi, lançado por Maria Bethânia em 1978.

Se na época foi um tapa de luva na cara de quem se recusava a acreditar na espontaneidade de sua intérprete, hoje é a mais marcante lembrança dela e daquela geração que, através de sua arte, driblou a censura, a ditadura, os moralismos e os coronéis para expressar seus sentimentos com uma forma verdadeira. Elis nos faz crer na música, na sua música e no Brasil mais justo, onde a habilidade de mostrar-se nua e crua é a mesma habilidade de cantar com vestes de palhaço como se fossêmos palhaços. Músicas com respostas bem diversas e subjetivas, mas que cabem perfeitamente aqui, já que Falso Brilhante é um trabalho que foi símbolo de uma geração, de uma carreira, de uma vida, de uma diva, de Elis Regina.

 


Falso Brilhante / Elis Regina
Nota 10
Marcelo Teixeira

2 comentários:

Bruno disse...

só faltou citar Los Hermanos, de Atahualpa Yupanqui, que tbm faz parte dessa porção latinoamericana do disco.

ADEMAR AMANCIO disse...

Como nossos pais - só os calouros cantam,os cantores consagrados não encaram.