terça-feira, 25 de setembro de 2012

A malandragem no samba de Mart'nália


Não tentem rotular a cantora Mart’nália. Isso é tarefa perdida e é tarefa de quem não entende de música. Madrugada mostra porque ela é uma das melhores cantoras do Brasil atualmente. Sem o resquício dos sambas baianos que marcaram Menino Do Rio, seu disco anterior no qual foi acompanhada por músicos da banda de Maria Bethânia (e ainda teve a produção do maestro da baiana, Jaime Alem), Madrugada apresenta Mart’nália em um ambiente do qual se mostra muito mais íntima. O disco pode ser considerado, com algumas exceções, um disco solar. Com muito mais peso do que seus trabalhos anteriores, Madrugada é um típico disco de samba carioca, sem aquela cara industrializada que permeia o trabalho de alguns grandes sambistas que tanto sucesso fazem atualmente. Logo na primeira faixa do disco, Alívio, mostra realmente o valor de um verdadeiro disco. A parceria do produtor e baixista Arthur Maia com Djavan funciona muito bem na voz de Mart’nália. O soul abolerado, verdade seja dita, é um início bem morno. Sorte que Tava Por Aí, um samba-pop bacaníssimo – um dos melhores do disco –, composto pela própria com o fiel parceiro Mombaça, coloca o álbum nos eixos. Com o peso do surdo e uma grande letra (Sou Zé Malandro, sou de rua / E bem que eu gosto / São Jorge é quem manda na lua / Me disse que eu tudo posso), a segunda faixa mostra realmente o que o ouvinte pode esperar de Madrugada.

As seis canções seguintes seguem o estilo malandro de ser da cantora. Deu Ruim, um samba mais lento, com destaque para os tamborins de André Siqueira, desce bem. Mas não tão bem quanto Ela é a Minha Cara, música de Celso Fonseca, produzida pelo próprio e que por vezes parece ser meio autobiográfico. Misturando uma guitarra jazzy (também de Fonseca) com surdos e tamborins e uma bela letra de Ronaldo Bastos (Causa reboliço aonde passa / Desce mais redondo que a cachaça / Ela é a fulana de tal), a música é outro bom momento do disco. Celso Fonseca também produziu duas regravações, digamos, um pouco perigosas: Batendo a Porta, clássico de 1974, do segundo disco de João Nogueira, e Sai Dessa, gravada por ninguém menos do que Elis Regina em seu último disco.

Difícil dizer em qual Mart’nália se sai melhor. Celso Fonseca transformou Sai Dessa em um elegante samba jazzificado, que ficou bem parecido, mas, ao mesmo tempo, bem diferente da quase insuperável gravação de Elis Regina. E em Batendo a Porta, a ótima guitarra (jazzística, mas uma vez) de Celso Fonseca, quase ofusca a excelente interpretação de Mart’nália. Não Encontro Quem Me Queira e Fé, ambas produzidas por Arthur Maia são mais populares (e isso não é uma crítica) do que as trabalhadas por Celso Fonseca. A primeira, composição de Thiago Mocotó, segue o estilo despojado dos Demônios da Garoa, enquanto que a segunda, com a letra esperançosa de Jorge Agrião e Evandro Lima (A gente tem que levar fé / Acreditar não sucumbir / Na vida sabe como é / Cuidado pra não se iludir), poderia muito bem fazer parte do repertório de Zeca Pagodinho.

As quatro faixas seguintes poderiam realmente representar a Madrugada do álbum. São canções mais introspectivas e com arranjos mais discretos. Em Angola, na qual, como o próprio título já sugere, Mart’nália se aproxima dos ritmos africanos (cheia de marimbas, congas e timbales), se afastando do samba, o que faz dela apenas uma canção mediana. A regravação de Alegre Menina, música que alçou Djavan ao estrelato, é o oposto de Sai Dessa. Se na canção gravada por Elis, a filha de Martinho se saiu muito bem, na composição de Dori Caymmi e Jorge Amado, o resultado não foi dos melhores. Apesar de Mart’nália cantar com um estilo bem próprio, a sua gravação não supera a (esta sim, pelo visto, insuperável) de Djavan. E a participação de Luiza Possi na faixa é dispensável, aliás, o que anda acontecendo com Luiza Possi? Recentemente, ela desperdiçou um talento e tanto no DVD e CD do pagodeiro Thiaguinho.

Mas quando regrava a obra de seu pai, Mart’nália se sai bem melhor. Tom Maior, clássico do primeiro disco de Martinho da Vila, ganha mais uma interpretação – Marina Lima já a havia registrado em seu Acústico MTV – primorosa. Emoção à flor da pele. Na faixa seguinte, Sem Dizer Adeus, a cantora ainda consegue se superar. Das canções que não fazem parte do universo do samba, esta, de Paulinho Moska, é, sem dúvidas, a melhor. A voz de Mart’nália juntamente com o violoncelo de Lui Coimbra e o clarinete de Ademir Jr., tudo envolto por uma belíssima letra (Se eu não sei o nome do que sinto / Não tem nome que domine o meu querer / Não vou voltar atrás / O chão sumiu a cada passo que eu dei) fazem desta canção outro grande destaque de Madrugada.

Por isso eu peço para não rotularem Mart’nália. Sinto informar, mas, querendo Mart’nália ou não, acabou superando. E muito!

 

Madrugada / Mart’nália

Nota 10

Marcelo Teixeira

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