segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Gal Costa: inovação ou experimentação eletrônica?

Recanto, lançado no final de 2011
Recanto (2011, Universal Music, 24,99) é um disco complicado de ser decifrado. Inicialmente é de uma estranheza total. Depois de muitas sonoridades e de muito ouvir, esmiuçando cada detalhe, cada som, cada palavra dita por Gal Costa, fica nítido que o disco é, acima de tudo, uma estranheza. Gal Costa e Caetano Veloso estão de novo juntos, depois de muitos anos separados musicalmente (eles lançaram um disco em conjunto na década 70) e depois disso, Gal gravou as músicas que Caetano lhe enviava. Músicas essas que não foram poucas. Gal é praticamente uma recordista no quesito Caetano Veloso: amigos de longa data, Caetano sempre a presentou com suas belas músicas, algumas até difíceis de serem entendidas, outras um verdadeiro luxo.
E Gal e Caetano voltaram a se encontrar para fazer Recanto, depois de quase seis anos longe dos estúdios da parte dela. Aos 66 anos, Gal se renova e faz um disco diferente do que já fez até então. Um disco que praticamente acrescenta um punhado no cenário musical, mas que para Gal Costa e seus fãs pode ser que resulte em algo proveitoso. Seria esse disco uma inovação na carreira de Gal ou simplesmente uma mera experimentação? Gal Costa sempre foi uma cantora que gosta de provocar, mesmo que timidamente, e geralmente essas mudanças, estilos ou visual são bem aceitos por seu público. Inovar é mostrar algo novo, totalmente diferente daquilo que já foi feito e Gal o faz perfeitamente nesse disco, afinal, em matéria de inovação, Gal Costa acertou em cheio ao fazer Recanto. Mas experimentar é a mesma coisa que testar, avaliar, examinar e essa maldita experimentação foi o motim para que Gal Costa errasse na mão ao lançar o novo disco.
Gal Costa e o "mano" Caetano Veloso
Caetano Veloso vem dizendo que o disco nasceu depois de ver uma apresentação de Gal em Portugal e que queria fazer um disco somente com composições próprias e na voz de Gal, mas com um estilo e uma sonoridade diferente, dispare. Gal aceitou na hora, afinal, nunca recusa um convite do amigo. E aceitou justamente porque precisava lançar algo novo, inovador, experimentando ousar algo que seria inédito em sua carreira.
Cantora de vertente ímpar e dona de uma voz cristalina, Gal Costa é dona de um dos acervos mais bem requisitados de toda a MPB. Medalhona de ouro de velhos tempos, sendo peça chave de Dorival Caymmi a Chico Buarque, passando por Chico Cesar e Zeca Baleiro, Gal pode fazer o que quiser com seus discos, com seus shows (vale ressaltar que ela já mostrou os seios em público numa apresentação na década de 90) e pode cantar desafinado que todos entenderiam. Mas o que esse disco Recanto quer expressar?
Caetano investiu pesado no eletrônico, que, aliás, ele andava fazendo em seus próprios discos, como Zii e Zie e , dois discos bonitos, caros intelectualmente e com palavras ousadas. Na voz doce de Gal esse eletrônico às vezes não soa bem.
O repertorio vez por outra peca. Músicas como Recanto Escuro, que tem aproximadamente 3 minutos e 50 segundos, chega a ficar cansativo pelo tom dramático e fúnebre e parece que nunca vai acabar. A canção é bonita, mas peca pela sonoridade eletrônica. Quem a ouve de início acha que o disco está com ruídos. Cara do Mundo é perfeita em letra, harmonia e nem se percebe as batidas eletrônicas que o sintetizador de Kassin produz. E Miami Maculelê é um rap legalzinho, com teor para o baixo calão nada típico de Caetano, mas que não merece destaque nenhum. Mansidão é uma regravação gostosa de ouvir e nos remete aos velhos tempos da cantora.
O disco tem lá suas vantagens. A capa é linda, mostrando uma certa Gal com rugas ao redor dos olhos, mas que é de uma simplicidade única. O olhar de Gal é sério, impiedoso e nos intimida. Ela quer nos dar um recado qualquer, que está dentro de seu recanto escuro. Mas as letras a qual Caetano compôs ainda são mistérios. Nada às vezes se encaixa e as confusões de paródias e frases desconexas são por muitas vezes intoxicadas por egocentrismos do compositor.
Neguinho é uma das canções que Caetano julga ser politicada, mas na verdade, a música nada mais é do que um punhado de frases cuspidas e mastigadas como uma revolta à sociedade, ao governo e aos órgãos públicos que nada mais fazem do que assistir pela televisão a revolta dos pobres. Não julguem esta música como racismo, pois Caetano não o é e ele mesmo já fez diversas canções em homenagens aos negros e em várias e inúmeras entrevistas, ele disse ser negro de alma.
Tudo Dói é uma música que brinca com as baterias eletrônicas de Kassin e que é uma experimentação boa de ouvir. Gal também brinca com sua própria voz e o refrão desta canção fixa em nossas mentes por horas. O Menino é linda, hermética e poética, talvez considerada a melhor do disco, com suas frases e palavras sintéticas.
Estranhezas a parte, Caetano Veloso ainda compõe e tenta salvar a MPB de agouros sertanistas e mesmo que a batida seja eletrônica, adversa da MPB, sua atualidade nada mais é do que saudável. Gal soube se sair muito bem dentro deste antro que poderia ser uma profunda decepção para sua carreira, mas foi merecedora de aplausos.
Sendo inovação ou experimentação, ainda prefiro Gal Costa cantando sem as batidas eletrônicas e espero que seu próximo disco seja mais a sua cara: a cara da Gal.

******* Sete Estrelas
Marcelo Teixeira.