domingo, 4 de dezembro de 2011

A Saga de Filipe Catto



Feche os olhos e ouça qualquer música do recém-lançado disco de Filipe Catto. A primeira audição parece que estamos ouvindo Ney Matogrosso, embora o timbre de voz de Ney seja mais agudo, apurado e limpo. Abra os olhos e veja Filipe Catto no palco ou em alguma apresentação: a sensação é de que estamos vendo um espetáculo de Elis Regina sendo representado. É isso mesmo: Filipe canta parecido com Ney e tem os trejeitos de Elis Regina. Gaúcho tal qual a maior cantora que o Brasil já teve, Filipe estava sendo aguardado pelo público da boa música popular há séculos. O motivo é simples: não havia sido lançado nenhum outro cantor a sua altura, com tamanha proporção artística e com a sua qualidade. Alguns cantores, bons, foram lançados, como Péri, Kleber Albuquerque, Diogo Poças, Marcelo Jeneci, Diogo Nogueira, mas nenhum com a mesma dramaticidade, com a mesma potencia, com a mesma dimensão que Filipe Catto transpassa a quem o ouve ou o vê.

Disco lançado em 2011: perfeito na medida certa
E seu tão aguardado disco pode provar que o rapaz veio para ficar. Lançando recentemente o espetacular álbum Fôlego (2011, Universal, 19,99), Filipe não deixa dúvidas quanto à qualidade de músicas importadas a MPB. E Filipe apareceu em um momento oportuno: na falta de bons cantores, da baixa da música popular e do crescimento unilateral e sem riqueza para o futuro do sertanejo universitário, o álbum nos apresenta músicas fartas com uma boa dicção, um bom resultado e um excelente capricho.
Fôlego é uma homenagem a Elza Soares, que Filipe sempre diz nas entrevistas que é fã confesso. E o disco foi todo produzido por ele, desde os desenhos à capa, dando a imensidade de seu talento. Da MPB ao samba, passando pelo brega e indo ao jazz, Filipe nos mostra quinze músicas sem exagerar nas doses de gritarias, rugidos, sustenidos e miados. Regravou duas músicas famosas – Garçon, de Reginaldo Rossi, tirando o teor brega que a música pede para uma nostálgica e saborosa dança lenta e Ave de Prata, um sucesso estrondoso de Zé Ramalho. O jazz Johnny, Jack e Jameson fora composto em homenagem à Amy Winehouse, mas é muito provável que a cantora não tenha ouvido a canção, devido a sua morte precoce. Esse jazz é o único que Filipe canta em inglês e é a melhor faixa do disco. A outra canção é em espanhol: Alcoba Azul.
O que chama a atenção neste disco de estreia de Filipe é a qualidade das letras, o som e a voz dele. A música Adoração tem frases perfeitas com palavras difíceis e é de uma sabedoria única. Assim como Saga, que fora tema de personagem famoso na novela Cordel Encantado, da TV Globo e que alçou Filipe à fama num piscar de olhos. Saga tem frases complexas, é cantada numa rapidez medonha e não pode tropeçar em nenhuma palavra para sair ilesa a canção. Às vezes me pergunto como Filipe conseguiu compor uma música tão bela, caprichada e com começo, meio e fim sem ao menos ser repetitiva.
Gardênia Branca, Juro por Deus, Crime Passional e Roupa do Corpo são músicas que, ouvindo atentamente, são parecidas: tratam sempre de mulheres fáceis, mulheres da vida, mulheres que são maltratadas e humilhadas. Filipe peca nesta parte, justamente em repetir, seja numa forma diferente de frases, sobre a mesma situação, mas nem por isso o disco deixa de ser bom. As faixas estão espalhadas e praticamente isso evita algum tipo de comparação.


Dia Perfeito é uma das melhores músicas, pois é cantada com a alma e é engraçada ao mesmo tempo. É estilo um jazz brasileiro, capaz de nos fazer apaixonar a primeira audição. Mas a veia iâmbica de Filipe também é mostrada nua e crua em músicas como Redoma e Necafé (a música mais irônica que já ouvi até então).


De família de músicos, Catto cantou em festas com o pai e passou pela escola dos bares da vida em Porto Alegre. Desde a adolescência procurou compor seu próprio repertório e bebeu das fontes de rock cantando em bandas locais. Vivendo entre Porto Alegre e Nova York, Filipe chama atenção com um trabalho que não segue regras de mercado, mas que também não é difícil de ser assimilada. Seu som é contagiante, o compositor usa como matéria prima sentimentos bem comuns para encontrar sua identidade artística.
 
Saga surpreende ao apresentar um artista cheio de personalidade. Filipe ousa em forma e também na arte. Seu álbum é uma experiência muito rica e a certeza de um talentoso artista em ebulição.
Para todos os efeitos, Filipe Catto é um cantor que não pode, em hipótese alguma, passar desapercebido pelo grande público. Talentoso ao extremo, ele nos encanta com um belo disco, uma voz suave, firme, segura, envolvente e de calibre poderoso e é considerado hoje o condutor muito adiantado da nova música popular brasileira.

Dez Estrelas.


Marcelo Teixeira.

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