quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O micróbio de Adriana Calcanhotto



Disco de Samba, de 2011: perfeito
O samba nunca saiu de moda, mas nunca foi considerado um estilo marcante e sempre foi visto por amantes da MPB como algo contagioso e preconceituoso, mas o fato é que muitos cantores acabam gravando ou regravando uma música de samba, uma partitura de um sambista famoso ou até mesmo um álbum inteiro voltado a esse segmento. Carmen Miranda foi, talvez, a precursora do samba no Brasil, gravando marchinhas de carnaval até hoje cantadas e cantaroladas por jovens entusiasmados e depois dela, houve muitas outras cantoras marcantes no samba, como Clara Nunes, a primeira cantora a vender a marca de mais de 100 mil cópias pelo excelente disco Claridade (1975, BMG, 19,99). Outras cantoras, de excelente qualidade, surgiram após Clara Nunes, como Alcione, Dona Ivone Lara (que se considerava mais compositora do que interprete), Leci Brandão e Beth Carvalho, deixando, cada uma delas, sua marca registrada e a possibilidade de ver o samba emergir para além do morro e passar para a burguesia. Muitas cantoras de MPB gravaram ao menos um samba em seus discos como Maria Bethânia, Simone, Leny Andrade entre outras. Definitivamente, o samba nunca deixou de existir.
Recentemente, o samba se tornou mais popular com o aparecimento de cantoras com o requinte de alma brasileira, elevando a cadência do samba para o altar maior. Fabiana Cozza é a líder deste segmento, lançando excelentes discos e nos brindando com sua voz potente e vigorosa. Cantoras consideradas de MPB, numa linha vertical, sem sombra de duvidas para outros segmentos, estão adotando o samba como fio condutor para suas carreiras e, assim, se firmam ainda mais no cenário musical. Maria Rita, Cassia Eller, Mariana Aydar, Céu, Bebel Gilberto e até Marisa Monte estão nesta onda de gravarem sambas ou dedicarem um álbum inteiramente ao estilo. E a última estrangeira a entrar no ritmo foi Adriana Calcanhotto, cantora conhecida por suas músicas tristes, quase fúnebres, de batida lenta que lembra muito a bossa nova de Tom e Vinicius.
Adriana Calcanhotto acaba de lançar O Micróbio do Samba (2011, Sony Music, 23,00) e esse disco é totalmente atemporal ao trabalho da cantora. Adriana vinha de discos anteriores capazes de deixar o ouvinte ainda mais melancólico caso ouvisse Cantada (2002, BMG, 19,99) ou Maré (2008, BMG, 19,99), discos tristes, parados, com músicas fúnebres, mas que não são de todo ruins. Mas o fato é que Adriana Calcanhotto soube sair da maré de mesmices e sobrepor sua carreira ao limbo de umas grandes cantoras do Brasil. As músicas do disco são de um lirismo totalmente amplo. Difícil entender como Adriana conseguiu impor tanta qualidade em um estilo que praticamente desconhecia e não pisava. Suas músicas grudam na memória e ficamos cantarolando diversas vezes refrãos que não são de duplo sentido ou de péssima qualidade. A capa do disco e o designer são de um primor absoluto e adverso de discos como Marítmo (1998, Columbia, 18,00), em que homenageia o artista plástico Hélio Oiticica e até então a ultima obra prima da cantora.
A primeira audição, o ouvinte poderá estranhar as mensagens que Adriana tenta passar, mas nada que com o tempo isso deixe de ser um segredo ou um plano meramente artificial, porque o disco realmente é um micróbio: ele nos contamina, nos enfeitiça e nos encanta. Os pontos fracos deste disco é que uma música puxa a outra no sentido harmonia, compasso e ritmo, pois parece que Adriana não soube diversificar os sons em cada faixa. Mas são músicas de calibre altíssimo e pomposo.


Eu Vivo a Sorrir, a música que abre o disco, é de uma riqueza única e seus versos pesam durante dias e parece que é uma mensagem proposital de Adriana àqueles que criticam sua carreira. Aquele Plano Para me Esquecer é outra que já pegou caminho certo e muitos já a conhecem e cantam e deixam Adriana embasbacada quando cantada em publico. Beijo Sem foi composta para Tereza Cristina cantar e que fez muito sucesso em uma telenovela de horário nobre. Vai Saber? é de um encanto profundo e que Adriana presenteou Marisa Monte para incluir em seu bem sucedido disco de sambas. Tão Chic e Deixa, Gueixa são as marchinhas de carnaval, que Adriana tanto gosta e sabe fazer, ao estilo Chiquinha Gonzaga. E para encerrar, a música mais bela do disco, mais sublime e mais contundente: Tá na Minha Hora. Até parece que essa música foi feita para calar a boca de muitos arquétipos que são contra a nova etapa da cantora, mas, ao ouvir a música, trata-se de um amor reprimido.
Talvez o único ponto fraco deste novo estado de graça de Adriana Calcanhotto seja o fato dela não fazer shows para promover seu bem precioso álbum. Uma pena quando se trata de um disco a altura de uma grande interprete. Mas de uma coisa é fato: com O Micróbio do Samba, Adriana Calcanhotto se firma ainda mais na seara apertada e complicada da música popular brasileira, do samba e de qualquer ritmo.
Porque Adriana Calcanhotto é única.

Dez estrelas.


Marcelo Teixeira.

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