quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Eu Sou a Multidão (2003), de Vânia Abreu


São Paulo como poesia
Com fotos demonstrando a beleza e o lado cinza do Centro de São Paulo, Vânia Abreu chegou em 2003 com o belo disco Eu Sou a Multidão, depois de longas caminhadas entre sambas e músicas representativas sobre a MPB num todo. Esse disco de 2003 destoa sua singularidade de uma excelente cantora, vertente das poucas com qualidade técnica e vocal e que não se rotula em canções ou discos. Vânia é muito mais do que um produto fonográfico, muito mais do que uma beleza diferente e muito aquém de uma voz. Sua técnica vocal é tão assimiladora de aspectos sentimentais, que fica impossível não ouvi-la e se apaixonar por ela. Mas Eu Sou a Multidão tem que ser respeitado por ser um disco simples e belo, adorado e encantado, multifacetado e brasileiro. Depois de Seio da Bahia, um disco que, ao meu ver, é sua autobiografia, Eu Sou a Multidão a trás para um novo mundo, um lugar distante de sua terra natal, se distanciando cada vez mais da aba e de comparações com a irmã mais famosa, Daniela Mercury e se firmando como uma das novas expoentes da música genuinamente brasileira.

Abrindo com a faixa título, Eu Sou a Multidão revela a verdadeira São Paulo de todos os tempos, com suas estações de ano invertidas e a solidão de quem vive na maior metrópole do Brasil: São Paulo é assim retratada na canção de Marcelo Quintanilha e, por mais cinza que seja a cidade, mais bela ela se transforma e nada melhor do que o Centro Velho para retratar o disco, a canção e tudo o mais no disco contido. Seguindo para Imaculada Oração, uma divertida canção quase religiosa composta pelo competente Péri (Vânia adora gravar as canções deste sensacional compositor que está há anos na estrada e pouco conhecido). Esta canção destoa todas as tradições religiosas existentes e que abrangem tudo ao mesmo tempo em São Paulo: de um lado temos turcos, árabes, japoneses, negros, asiáticos e a canção ousada consegue exprimir toda esta religiosidade existente.

Minha Canção é uma canção pouco conhecida do cancioneiro de Chico Buarque e vale a pena estar aqui registrada pela singularidade que o álbum pede. Cantando com força e ousadia, a difícil e rebelde Minha Alma, do grupo O Rappa, destoa a impaciência que muitos tem para com os becos da sociedade, cujo muitos ficam impunes e outros livres e a graça da voz de Vânia faz com que a música eleve a autoconfiança da canção.

Vítor Ramil aparece com a sensacional À Beça, sobre perdas e danos, sobre com qual roupa sair para ir a determinado lugar de São Paulo, tudo exato e fora do lugar, como diz a canção, se tornando assim o ponto alto do disco. Meu Querido Santo Antônio é uma oração dedicada ao santo padroeiro do casamento, composta brilhantemente por Carlos Careqa, que conseguiu colocar em versos o desespero de uma mulher louca por um amor. Pra Falar de Amor é o segundo ponto alto do disco, composta por Tenison Del Rey e Paulo Vacon e demonstra todas as formas possíveis e variadas para se falar de amor, um ato quase inconsequente de todos os seres humanos e que por vezes pensamos numa forma qualquer de dizer frases amorosas, mas nunca sabemos qual. A canção, em alto astral, compila diversos tipos de dizer a frase amorosa certa, demonstrando vários caminhos.

Entre Nós é uma romântica canção de amor entre o achar e o perder e a música dos compositores Paulo Dafilin e Mauro Dall’acqua se torna um carro chefe para os românticos de plantão. Alcaçuz é a nitidez perfeita de Chico César e foi feita sob medida para que Vânia a cantasse com seu brilho e esperteza. Vale lembrar que Chico e Vânia são amigos há anos e ela sabe interpretar como ninguém suas belas canções. O Amor Foi Inventado é uma divertida canção composta por Tenison Del Rey, Jorge Zarath e Gerson Guimarães e demonstra todos os formatos a qual o amor foi inventado e para que foi inventado e que está dentro de todos nós numa forma embutida.

Fechando o disco com chave de ouro, temos a canção de Marcelo Quintanilha, De Volta ao Cais, como se estivesse remetendo Vânia a sua Bahia do disco Seio da Bahia, retirando a cantora como num sonho da São Paulo cinzenta e a levando para um horizonte qualquer de sua terra natal.

Um disco genuinamente brasileiro, cantado brilhantemente por uma cantora grandiosa chamada Vânia Abreu e que precisa ser lapidado, pois este disco é um verdadeiro arsenal de emoções.

 

Eu Sou a Multidão / Vânia Abreu

Nota 10

Marcelo Teixeira

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