quarta-feira, 8 de maio de 2013

As releituras de Seu Jorge e Almaz vão muito além da música


Ótimo disco em releituras e vozes
A voz de Seu Jorge consente a ele cantar o que ambicionar. Do estrondo do trovão ao sussurro, passando por diversos matizes timbrísticos, tudo cabe na voz de Seu Jorge. Do mesmo modo, mimeografando o passado e imprimindo futuros, os músicos da Nação Zumbi aprofundam a pesquisa de uma brasilidade braseira. Aconteceu o projeto que estava há anos engavetado e que saiu no finalzinho de 2009. Seu Jorge e Almaz. Sem mais. Sem palavras. O melhor de Seu Jorge sem o poder das grandes canções comerciais e indo mais fundo, mais profundo, mais adentro de músicas mais elaboradas, mais sofisticadas, mais elitizadas, mas ainda assim sem perder o preceito de uma música comercial. Para o projeto Seu Jorge e Almaz (EMI / 2010 / 29,99), o cantor acoplou sua energia vocal à tonelada rítmica de dois componentes do grupo Nação Zumbi - Pupillo e Lucio Maia -, além do conhecimento em trilhas sonoras de Antonio Pinto. O resultado é um disco forte: com sonoridades mestiças, volteios agradáveis e surpresas. Boas.

Reciclando canções diversas - de Tim Maia a Rodney Temperton, passando por Jorge Ben e Dorival Caymmi -, o quarteto compôs um conjunto sonoro autoral: um som livre de fixações universais e misturados. A poética Juízo final, de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, sem perder o cavaquinho, ganhou uma moldura melódica atômica, biônica e eletron-sansônica irradiando a mensagem do amor que será eterno novamente.

Aqui, longe da destruição apocalíptica, o juízo final traz a esperança do sol que brilhará. A produção do grupo Almaz investe em uma tempestade de sons eletronicamente modificados para adensar o canto do desejo do sujeito à espera de mudança.

A performance vocal preguiçosa de Seu Jorge parece contrastar com o desejo do sujeito exposto. Porém, tal dicção pode ser lida como a tematização dos angonismos presentes na letra. Aliás, em Seu Jorge e Almaz o cantor investiu a mais não poder na sua dicção malandra, desleixada e, por isso, única. Em ritmo crônico, o sujeito da canção caminha rumor a além do horizonte, onde tropa de todos os baques existentes comporão com sons psicodélicos a luz do dia seguinte.

Recriar Baden Powell e Vinicius de Moraes com sofisticação, reconstruir Martinho da Vila com solidez, descaracterizar Dorival Caymmi com elegância e refazer Jorge Ben com sagaz complacência só poderia ser feito com a tenra desenvoltura de um cantor à altura de Seu Jorge, com sua voz de trovão e seu canto endiabrado.

Salve, Seu Jorge!

 

Seu Jorge e Almaz

Nota 10

Marcelo Teixeira

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