terça-feira, 3 de abril de 2012

A intelectualidade ácida de Carioca, de Chico Buarque




Carioca, de 2006: Chico volta mais intelectual
Quando lançou Carioca, Chico Buarque estava tão eufórico e pensativo que pensou que fosse ter um ataque de nervos. Pudera: desde que colocou no mercado As Cidades, em 1998, que ele não lançava um disco sequer na praça e os fãs estavam apreensivos com o novo disco que estava por vir. Carioca veio, surpreendeu a todos e principalmente a crítica, uma equipe generalizada que estava torcendo rezando para que o disco fosse um fracasso. E é sempre assim: quando uma pessoa que pensa e faz algo realmente benéfico para alguém, sempre tem um ou outro que mete o bedelho e faz com que a alegria dê lugar a tristeza. É sempre assim, seja em um lugar público ou privado. O disco não foi um fracasso, muito pelo contrário: o disco foi considerado o melhor lançamento do ano de 2006 e alçou mais uma vez Chico Buarque ao patamar de melhor letrista de todos os tempos. As músicas de Carioca entraram para o imaginário das pessoas e muitas canções foram parar em discos de outros cantores, como os de Ney Matogrosso e Elza Soares.

Carioca (2006 / Biscoito Fino / 34,99) realmente é um excelente disco. Com músicas distintas de outros discos do cantor, o álbum tem um talento merecidamente destacado por canções que realça ainda mais sua intelectualidade e sua forma de compor, dando uma dimensão do tamanho da importância dele na música popular brasileira. São doze faixas, todas compostas por Chico Buarque e algumas em parcerias com Ivan Lins, Carlinhos Vergueiro e Jorge Helder. Músicas que inspiram toda uma vida, este disco merece destaque pelo simples fato de ser um disco a altura de um grande compositor, que voltou com força total após o sucesso de As Cidades.

O álbum abre com Subúrbio, que faz uma justa homenagem ao Rio de Janeiro, cidade natal do cantor e que tem em sua letra refrãos que grudam e martelam durante muito tempo no nosso imaginário. Um choro-canção afinado e suave em que Chico parece sobrevoar a cidade. Fica difícil acreditar que um certo Chico Buarque de Hollanda fale palavrões, mas nesta faixa exclusivamente sim, ele fala palavrões, que passa desapercebido e até mesmo irônico e engraçado ao mesmo tempo. Outros Sonhos parece até ser uma continuação de Sonhos, Sonhos São, do disco As Cidades, mas com um teor e uma mensagem diferente, onde mostra Chico cantando em espanhol em alguns refrãos. Ode Aos Ratos é uma música composta em 2001 com Edu Lobo e que fora composta especialmente para o espetáculo Cambaio, de Adriana Falcão e João Falcão e a particularidade desta canção é a faixa Embolada, que foi acrescentada apenas na versão para o disco (não no musical). Essa música mais tarde foi regravada por Ney Matogrosso no excelente disco Inclassificáveis.

Ode aos Ratos revela o quanto a podridão está refletida nas pessoas, dentro das pessoas, com seus cabelos pintados e suas risadas falsas. Este mundo a qual pertenceu Chico Buarque está refletida nessa canção, em que abre os braços para uma nova equipe, sendo recebida de braços abertos, sem os clichês de personas non grata em sua vida. Ratos, muitos deles, fizeram parte de sua vida e hoje liberto, a canção cai como uma luva em Carioca.

Dura Na Queda foi composta em 2000 e foi composta especialmente para Elza Soares, que foi cantada e gravada no disco Do Cóccix até o Pescoço, elogiado pela crítica e público e com um artigo aqui no Mais Cultura!. A canção seria incluída no disco As Cidades, mas acabou ficando de fora. Esta música recebeu o subtítulo de Ela Desatinou Número 2, porque é uma continuação de Ela Desatinou, gravada no disco Chico Buarque de Hollanda Volume 3 (1968). Porque Era Ela, Porque Era Eu é uma música tão linda e apaixonante, que demonstra todo o sentimentalismo de Chico com relação ao amor. Assim como já homenageou os jogadores de futebol, os cantores de cabaré e até as aeromoças em músicas, As Atrizes é perfeita e faz de Chico um homem exemplar homenageando esta profissão com tamanho requinte. A música já foi tema até de um especial que uma emissora de televisão colocou no ar em homenagem ao cantor. Assim como Ela Faz Cinema, que também inspira-se no mundo das telas, a canção é tão bonita e caprichada, que fica impossível não dizer que Chico é um gênio.

Renata Maria, primeira parceria com Ivan Lins, foi composta em 2005 para o disco de Leila Pinheiro de inéditas daquele mesmo ano, mas que na verdade virou uma ponta de interrogação na vida do cantor. Dizem as más línguas que a canção foi feita especialmente para uma mulher, a nova namorada de Chico (que estava conhecendo realmente uma moça muito bonita) e cujo os fotógrafos flagraram o cantor saindo da praia carioca com uma mulher, a tal Renata Maria. Nunca foi confirmado nada sobre esta tal moça e nunca se soube se esta moça chamava Renata Maria, mas o fato é que Chico estava separado de Marieta Severo, sua esposa por mais de trinta anos e mãe de suas filhas e o pivô foi esta mulher misteriosa.

Leve foi composta juntamente com Carlinhos Vergueiro, antigo amigo do cantor e que foi inclusa no disco que Dora Vergueiro lançou em 1997, cujo é um bolero sobre a efemeridade do verão e seus amores. Sempre é uma canção romântica e que foi tema do filme de Cacá Diegues, O Maior Amor do Mundo. Despojadamente amorosa, a música se torna um achado e tanto para a carreira do cantor. Imagina conta com a participação de Mônica Salmaso, cujo é a queridinha do cantor. Esta música é, certamente, uma das mais lindas do mundo. Originalmente apenas instrumental e chamada Valsa Sentimental, ela foi feita muito antes por Tom Jobim em 1983 foi letrada por Chico para a trilha sonora do filme Para Viver Um Grande Amor, do cineasta Miguel Faria Junior. A parceria entre Mônica e Chico saiu tão cristalina e perfeita, que parece que a canção foi feita para os dois cantarem.

Oito anos separaram As Cidades de Carioca. Aos sessenta e dois anos, o velho e bom Chico Buarque nos presenteia com um disco maravilhoso, sendo este o quinquagésimo nono de sua carreira. Chico é popular e sofisticado. Criativo e humano. Cantor e compositor. Mas o resultado é nítido: uma capa perfeita, mostrando a cidade carioca estampada sobre o rosto de Chico, músicas de alta qualidade e um Chico Buarque destoando o que havia de melhor em sua intelectualidade. Além de ter uma aura crepuscular, Carioca é, definitivamente, um dos melhores discos do cantor e do ano de 2006.



Faixas

·       1 – Subúrbio (Chico Buarque)

·       2 – Outros Sonhos (Chico Buarque)

·       3 – Ode Aos Ratos (Chico Buarque / Edu Lobo)

·       4 – Dura Na Queda (Chico Buarque)

·       5 – Porque Era Ela, Porque Era Eu (Chico Buarque)

·       6 – As Atrizes (Chico Buarque)

·       7 – Ela Faz Cinema (Chico Buarque)

·       8 – Bolero Blues (Chico Buarque / Jorge Hélder)

·       9 – Renata Maria (Chico Buarque)

·       10 – Leve (Chico Buarque / Carlinhos Vergueiro)

·       11 – Sempre (Chico Buarque)

·       12 – Imagina (Chico Buarque / Tom Jobim)

ü  Part. Especial: Mônica Salmaso



Nota Dez

Carioca / Chico Buarque



Marcelo Teixeira

Nenhum comentário: