quarta-feira, 10 de julho de 2013

O tempo de exílio musical de Chico César


Álbum de 2006: o melhor de Chico
Desde 1995 quando lançou Aos Vivos, seu primeiro disco, Chico César tem se revelado um compositor e intérprete de grande talento. Cuscuz Clã (1996), Beleza Mano (1998), Mama Mundi (2000), Respeitem meus cabelos, brancos (2002) e De uns tempos pra cá (2006) reiteraram suas qualidades. Sem tirar nem pôr. Embora críticos afoitos e imbecis e intolerantes e carcarás, impressionados antes de mais nada com a baixa vendagem de seus discos, estejam agourando de plantão por sua derrocada derrota. Bobagem. Basta ouvir com atenção os seis discos de Chico César para perceber neles uma continuidade admirável do processo criativo. E hoje o talento de Chico César cruza fronteiras e se estende da Europa ao Japão, da Argentina aos Estados Unidos. Enfim: de Catolé para o mundo. Este paraibano de Catolé do Rocha tem se revelado um compositor de primeira linha da MPB. Seu processo de criação segue as diretrizes antropofágicas de Oswald de Andrade que apregoa a deglutição de toda e qualquer cultura, sem espécie alguma de preconceito, visando à produção um objeto singular, genuíno e, por que não dizer, brasileiro. O Tropicalismo bebeu fartamente nas águas do saber oswaldiano. Juntou Carmen Miranda com Miles Davis; Chacrinha com Chaplin; samba de roda com atualismo, Eisenstein com Vera Cruz, Mondrian com Di Cavalcanti, Vicente Celestino com Stravinsky. O resultado todos conhecemos: um forte movimento artístico-musical que hoje, por exemplo, deita suas raízes sobre os nomes mais interessantes da MPB, das artes plásticas, do teatro, do cinema e até da moda.

Chico César é uma legítima cria do Tropicalismo. Ele incorpora conscientemente o projeto tropicalista, nas letras, nas melodias, nas roupas, nas performances, no palco, no uso da voz. Sua atuação no cenário artístico nacional e internacional apaga as fronteiras entre a cultura considerada erudita e a cultura considerada popular. Associa o forró ao jazz, a ciranda ao reggae, a poesia concreta ao cordel, o haikai a letras discursivas. Curte misturar Augusto de Campos com Cego Aderaldo; Woody Allen com Mallarmé; cavalo de pau com sandália havaiana; nirvana com seca nordestina; Jimmy Cliff com Mandela.

Antenado com as coisas do nosso tempo, suas canções sempre mexem conosco. Umas pelo ritmo; outras, pelas melodias; outras pelas letras; e outras, finalmente, por reunirem todos estes itens com qualidade. Percebe-se que em sua obra desponta uma consciência de linguagem, ou seja, um projeto intencional de construir a criação, de experimentar com as linguagens, de buscar algo novo e, ao mesmo tempo, harmônico. Afinal, antes de mais nada, uma canção popular tem de associar o belo ao agradável. Há exceções: ótimas canções, porém nada agradáveis. Não me refiro a elas. Busco um consenso mais amplo: canção é espaço poético de letra e música cantadas harmoniosamente. Cantadas com a naturalidade de quem fala. Chico César canta como quem fala. Às vezes ele fala mesmo, como em Béradêro, de 1995, ou Solidariedade, Papo cabeça, ambas de 1997, Aquidauana, 2000. Nos dois discos mais recentes Chico César tem feito canções propriamente ditas. Está dançante em Respeitem meus cabelos, brancos e melancólico em De uns tempos pra cá. Mas sempre muito musical.

Chico César faz sua antropofagia se servindo no prato da História da MPB, da Poesia, da Cultura Popular, da Política Internacional, etc. Come até se lambuzar. Um exemplo rápido: no forró Paraíba, meu amor (1998; o título já nos remete ao título e ao refrão de São São Paulo, do eterno tropicalista Tom Zé), o compositor paraibano associa o forró pé-de-serra e a voz de Flávio José a uma letra sofisticada que lá pelas tantas diz: não quero chorar / o choro da despedida / o acaso da minha vida / um dado não abolirá. A cadência envolvente do forró cai bem na citação dos célebres versos mallarmaicos: um lance de dados / jamais abolirá o acaso. Casar a poesia de Mallarmé com as festas de São João é instalar a parabólica no mangue, como apregoa o movimento musical Mangue Beat, também herdeiro do Tropicalismo.

Versos à frente, na mesma música, o compositor refere-se à fogueirinha de laser que ilumina os festejos do meu coração, cruzando as festas do interior com o novo coração do poeta que, longe da terrinha natal, e agora Pós-moderno, pulsa no ritmo envolvente do forró.

O tom melancólico de De uns tempos pra cá, seu trabalho conciso, explora com muita propriedade o uso de cordas do Quinteto da Paraíba sob arranjos de Nelson Ayres, Mário Manga, Adail Fernandes e Nailor Proveta. O resultado é um disco com nova sonoridade dentro da produção de Chico César. A percussão é suave e se destaca apenas na última faixa (a mais rítmica) nas mãos ultracriativas de Escurinho em Orangotanga. Todas as músicas são de Chico César, à exceção de A nível de, de João Bosco e Aldir Blanc e Cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil e Outono aqui, uma versão feita pelo próprio Chico. E 1 valsa p/ 3 é a única feita em parceria com Chico Pinheiro.

Elba Ramalho tem participação especial na arrigobarnabeana Por causa de um ingresso do festival matou roqueira de 15 anos. Aparente paradoxo: Elba canta contida e ousadamente. Sua ousadia está no modo de canto-dizer a canção, indo do melódico ao atonal, sem rebuscamentos. Esta é a Elba que fica. Ou, ao menos, a que deve ficar. E Chico César sabe extrair o melhor da intérprete. Esta canção ainda traz uma bem-vinda novidade: a voz e a autoria de Pedro Osmar na falação de um texto, no mínimo, provocador. A faixa, de nome extenso, tirado de uma manchete d um jornal carioca , por ocasião do I Rock in Rio, é uma das mais bem realizadas, num disco de rigores.

Chico César: o tempo passa, e ele fica ainda mais zeloso com a coisa musical. Suas composições e regravações revelam um compositor e um intérprete insatisfeitos com os altos níveis atingidos em discos anteriores. É preciso ouvir De uns tempos pra cá. O disco mereceu pouca atenção da crítica e quase não toca no rádio. Será que teremos de amadurecer para assimilarmos o talento deste paraibano? Ou esperar a chegada de um novo David Byrne para um novo Tom Zé?

 

De uns tempos pra cá / Chico César

Nota 10

Marcelo Teixeira

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