segunda-feira, 25 de março de 2013

Entrevista com Simone Guimarães - Primeira Parte


Sensacional artista
É sempre uma grande satisfação conversar ou trocar algumas palavras com a espetacular Simone Guimarães: além de grande cantora e compositora, com discos bem caprichados, duetos com ícones da MPB, como Maria Bethânia e Milton Nascimento, Simone é, também, uma intelectual que pensa e muito nos segmentos do Brasil e na luta a favor da nossa cultura. Nascida em Santa Rosa de Viterbo, interior de São Paulo, hoje a cantora faz parte da efervescência que Brasília produz, estando ao lado de cantoras como Márcia Tauil, Sandra Duailibe, Roberto Menescal, Miúcha e outros, levando muita música de qualidade para os quatro cantos do país. Nesta primeira parte da entrevista, Simone Guimarães nos brinda com sua inteligência e sapiência em ver as coisas mais simples se transformarem em algo valioso. O Mais Cultura! (ou o Espaço Azul, como ela mesma apadrinhou o blog), tem o enorme prazer estar sendo condecorado com suas ricas frases de efeito moral.

 

Marcelo Teixeira - Seus discos são considerados, em alguns departamentos e lojas de CDs, como sendo uma cantora regional. Você tem medo de ser rotulada como tal?

Simone Guimarães - Não tenho medo de nada na arte, Marcelo. A arte é dinâmica, mutável, migrante, (eu migrei) a arte é memória, momento, tempo, movimento... Não devemos ter posturas rígidas e frias com ela, ela se apresenta numa ruptura e é de onde vem sua seiva e sangues, do conflito, dos contrastes, dos sentimentos em ebulição, da compreensão inconsciente, do vácuo sendo animado pela anti-matéria na consciência do vazio.

A música é invisível aos olhos, mas não ao coração. Coloquem os nomes que quiser nos meus trabalhos. Os codinomes são sempre o que se compreende do outro. Numa estante de disco, é alguma espécie de organização. Não posso ter medo, apenas discordar.

Sou de uma região interiorana de São Paulo e, portanto trago o canto da minha aldeia.

Se alguém tiver que vender um Chocolate especial, terá que lhe dar um nome especial. Acredito ser sim esse chocolate regional, porém já me misturei um pouco com o sabor das grandes cidades. Não que isso seja imperativo pra mim, aliás, eu gostaria de ter tido uma vida pacata e mais simples, mas meu caminho na arte me fez migrar.

Acredito que mundo e as pessoas deveriam ser apresentadas numa abordagem rica: dialética, semiótica, linguística, literária, poética, filosófica, histórica, humanista, e não de forma a se prender em notas de perfume quando o mais importante é a essência.

Eu comecei minha carreira fonográfica na Televisão fazendo trilhas para documentários, juntamente com Paulo Jobim, filho do Tom e uma orquestra inteira tocava um de meus temas, sendo regida pelo maestro Benito Juarez, com arranjos de Paulinho. Era regional?, Não.

Meu primeiro CD, o Piracema é um disco temático, assim como o segundo Cirandeiro: tem uma ocupação com temas voltados para a natureza, cenários bucólicos, mas a música apresenta gêneros diversos, como sambas, Shots, temas instrumentais, modas, etc. Por último, para responder a sua pergunta diria que as pessoas que me rotulam dessa forma ainda não tiveram a oportunidade de conhecer meu trabalho por inteiro. Não tenho preconceito com gêneros brasileiros. Toco-os todos indistintamente.

MT - Você cantou com grandes nomes da MPB, como Milton Nascimento, Maria Bethânia, Renato Braz, Leila Pinheiro, Ivan Lins. Tem algum cantor ou cantora que desejaria dividir um dueto?

SG - Gostaria de cantar com Sting . Sou fã desde que ouvi Russians no inicio da minha profissão de ouvinte. Ele é o máximo!

 

MT - Seu último CD, Chão de Aquarela, foi lançado agora em 2012 tendo apenas canções de sua autoria com Cristina Saraiva. Foi proposital fazer um disco somente pelas duas?

SG - Apenas reunimos as músicas que Cristina compôs comigo por um desejo de marcar essa parceria . A Cris é dona do Selo Tie music ,que me lançou no mercado fonográfico em 1997 e uma parceira das melhores que tenho. Somos amigas há trinta anos e isso ,creio, foi o fator decisivo para juntarmos nossas modas e cantigas regionais, que tanto amamos. Adoramos o pé de uma fogueira e um violåo!

MT - Sua música, por mais rica e de uma brasilidade completa, não chega a uma classe social mais popular. Por que isso acontece?

SG - No Brasil a indústria fonográfica não trabalha a favor da arte, mas sim do lucro, com exceções como Biscoito Fino, Lua Music, CID , Dubas, Tie music, Dabliu, Rob digital e outros tantos selos legais que fazem a nossa musica sobreviver e crescer lá fora.

O povo é massificado pelas avalanches tecno-pops do descartável da época.

Vivemos num país muito novo e sem igualdade social. O capitalismo é selvagem e poderia não ser: Se mirar , por exemplo nos capitalismos da Austrália, da Suíssa, da Noruega, talvez, mas a mentalidade dos empresários, em sua maioria, é colonialista e assim acontece na musica. Exportamos commodities e matérias primas. Acredito que se tivéssemos mais peito nessa questão do enfrentamento com as multinacionais que vem brincar com suas porcarias aqui dentro a musica se resolveria.

A presidenta Dilma está resolvendo o problema da miséria extrema. Musica também deveria ser um alimento pra todos.

Quanto mais variado o prato, mais saudável a nação!

Dá–se um produto de má qualidade ao seu povo quando não se tem interesse que esse povo consuma o substancial, o necessário para o seu crescimento, o melhor para o seu raciocínio,o mais caro para o seu coração de homem, no sentido de ser mais elaborado, morar melhor dentro de si mesmo.

Trabalho sem me preocupar com isso, querido Marcelo, mas gostaria de ser consumida pelas populações mais pobres: acho que eles iriam gostar da minha musica e de mim. Eu sou pobre- pobre- pobre- de –marré –marre-de- si. Tenho a certeza de que saberia me comunicar com meu povo.

MT - Em que você se inspira para compor?

SG - No amor , na beleza, na natureza. Também me inspiro indo ao cinema e vendo um documentário como A caverna dos sonhos esquecidos de Herzog. Assistir ao respeito com que nossa ancestralidade é tratada nesse filme me fez mais forte, como ler Nietzsche, Freud, Márcio Paschoal, ouvir Milton cantar ou Maria Rita.

MT - O que você acha da música produzida no Brasil hoje em dia?

SG - Eu tenho acesso a todo tipo de musica e o Brasil continua sendo o Melhor produtor nessa área! Amo a nossa musica. Quero que o brasileiro conheça a fundo seus artistas e um dia chegaremos lá.

Tanta coisa já mudou e ainda podemos mudar pra melhor, muito. Esse é o meu sonho. Ver o Brasil colher o que planta com seu trabalho e expulsar a corja de políticos corruptos do poder e deixar para quem sabe administrar, para quem tem idéias humanistas, a favor do coletivo. Na França, por exemplo tem um deputado Brasileiro no parlamento. Foi escolhido por seu mérito e por sua formação na área administrativa. Acredito que a democracia deveria ser mais explanadora nessa área, alertando os eleitores a votar em pessoas qualificadas para os cargos, de outra maneira continuaremos a eleger homo fóbicos e racistas.

 
A entrevista com a cantora e compositora Simone Guimarães continua na próxima semana, com mais revelações sobre a sua música e seus projetos.
 
Entrevista com Simone Guimarães - Primeira Parte
Marcelo Teixeira

 

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