quinta-feira, 19 de junho de 2014

O Brasil de Gog e o choro de Maria Rita

Gog: uma voz na multidão
Há uma certa emoção e um pouco de alívio ao ouvir o cantor de rap Gog, estrela entre as estrelas do mundo das rimas perfeitas, quando ele canta a música Brasil com P, canção que é totalmente cantada pela palavra P no seu início. Gog é um cantor da periferia, das massas pobres que pensam, dos proletáriados que acordam cedo para ganhar o pão de cada dia, das mulheres fortes, dos homens comuns. No Brasil sempre houve cantores políticos: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Criolo, Seu Jorge, mas o mais político foi Gonzaguinha e vendo Gog cantar o que canta hoje, sinto que a música popular brasileira, sem rotulagem, se transforma em um Gonzaguinha dos gritos esbaforidos, do beijo na bandeira amarrada num saco plástico, no homem de olhar atento e arregalado que espera  a mulher passar para passar em seguida. Gog é um nome forte contra o governo nacional, contra as mazelas e cóleras que assombram Brasília, que luta a favor dos pobres e discrimina a elite denominada de grandeza secular que insiste em comandar o país. Um cantor verdadeiramente brasileiro, desses raros que encontramos no cenário nacional, dos poucos que dão a cara a bater e que não tem medo do que canta. Aliás, Gog canta, escreve, contesta, irrita, anima, estimula e cresce quando sua voz emerge nos palcos cantando justamente sobre os problemas sociais que estão aqui, ali, na esquina, nos bares, na vida pública e privada de todos nós. Gog nasceu em Brasília e seu nome de batismo é Genival Oliveira Gonçalves e desde os anos de 1990 tenta trilhar um caminho destinado à música. Conseguiu com grande mérito se tornar hoje um dos grandes nomes nacionais do rap, movimento que causa furor e constrangimento para a chamada classe burguesa. Mas Gog é muito mais do que uma abreviação: ele é a música em pessoa. Ao ouvirmos a música Brasil com P, temos a nítida sensação de que era disso que precisávamos para acordar e dizer que o Brasil é uma grande frustração e ao mesmo tempo uma grande nação. Mas há também, como contesta a canção, o homem trabalhador que acorda cedo e busca melhorar seu dia com muito esforço, mostrando que aqui e ali há peças fundamentais para o andamento do país. Contradizendo a história, Brasil com P tem dois elementos básicos representativos ontem, hoje, amanhã e sempre: o preto, pobre e periférico contra o político privilegiado  que recebe todas as honrarias e méritos que o preto e pobre deveria honrar. Se não fosse o bastante, Gog conseguiu transformar Brasil com P em uma obra-prima ao compor a música toda pela letra P, fazendo deste momento uma história comum e real de duas esferas humanas e irracionais. A canção por si só e na voz magistrosa, poderosa, firme e decidida de Gog já valeria por milhões e milhões de canções politizadas existentes no mundo, mas a participação definitiva, corajosa e rica de Maria Rita fazendo coro ao fundo, ganha um brilho a mais e faz com que Brasil com P seja uma música forte, certeira e um hino contra a magistração irregular do homem poderoso e viril. Maria Rita não canta, mas empresta sua voz para ser a mulher que chora num lamento fúnebre, arrancando arrepios e sensações adversas ao tentar balbuciar algo que está preso em sua garganta. Após a explosão de Gog, a música encerra e o sopro de Maria Rita se cala. Gog a abraça num acalanto. Brasil com P é isso: um peso na consciência de quem muito deve e um sopro de alívio de quem nada teme.
 
 

Brasil com P / Gog e Maria Rita
Nota 10
Marcelo Teixeira

Nenhum comentário: