sábado, 11 de julho de 2015

O culto a voz de Maria Bethânia


50 anos de Maria Bethânia na MPB
Ao longo de sua carreira, a cantora Maria Bethânia se mostrou como uma interprete maior de sua arte, de sua música, de sua veia cênica e de sua voz. Seu talento nunca foi questionador, mas sempre foi motivo de sondagens por cantoras em início de carreira. Pautada entre o certo e o incerto que dá certo, Bethânia é uma das raras cantoras que consegue comover o Brasil com sua voz poderosa e sua presença marcante de palco. Não é qualquer cantora que consegue chegar aos 50 anos de carreira sendo elogiada por quem realmente entende de música: para se chegar a essa idade comemorativa, é preciso muita disciplina, muita dedicação, meta e foco. E tudo isso Maria Bethânia conseguiu fazer com uma maestria impecável. O título deste artigo foi tirado do livro Verdades Tropicais (VELOSO, Caetano ,  Companhia das Letras, 1997, pag. 58), de onde o cantor e irmão Caetano revela que antes mesmo de Bethânia ser uma cantora profissional, ela já impactava o público com sua voz. O livro, em sua primeira parte, é um retrato fiel das andanças de Caetano e Bethânia por Santo Amaro, na Bahia, e pelo desamor da cantora pela Bahia; assim como posso retratar o livro como sendo um tributo de proteção do irmão para com a irmã e, por final, posso atribuir o livro como ilustração de Caetano defendendo a irmã como sendo uma artista nata dentro de sua própria casa e cujo a viu nascer, crescer e cantar. Maria Bethânia queria ser atriz depois que vira em sua terra natal alguns filmes europeus; se encantara com o mundo de Clarice Lispector e Fernando Pessoa e ao mesmo tempo era sondada a cantar em noites de estreia teatral na coxia e com as luzes apagadas e, assim, havia um mistério enorme em torno da imagem dela. O mistério sempre rondou a vida de Bethânia e o culto em torno de sua voz passou a ser, profissionalmente, como um mantra, uma reza e uma oração aos amantes de sua arte. Mas Bethânia é justamente isso: um misto de cultura, uma assombração de mistérios, uma divindade da música popular brasileira. O primeiro contato com Clarice Lispector foi aos quinze anos, quando leu, emocionada, Legião Estrangeira, publicado na extinta revista Senhor, tendo em vista que o irmão era leitor fervoroso da publicação. Maria Bethânia ficou tão embriagada com esta leitura, que resolveu mostrar sua paixão e sua loucura pela literatura hermética de Clarice. Desta troca de cumplicidades nasceu uma amizade entre a escritora e a já consagrada cantora de MPB, que tinha, entre seus amigos, Vinicius de Moraes, Gal Costa, João Gilberto, Gilberto Gil entre outros. Clarice não perdia os shows de Bethânia: Maria Bethânia é faíscas no palco, dissera a escritora quando a cantora encenou o show Rosa dos Ventos. Não é difícil imaginar que a carreira brilhantemente construída por Bethânia tenha o consentimento de Caetano Veloso para uma visão solidão de profissionalismo dentro da música. No livro isso deixa evidente, mas a própria cantora foi a mentora de sua própria vida artística, cultural e pessoal. São cinquenta anos de música dentro de seu próprio país, dentro de seu segmento, dentro de sua história. Aqui tudo se entrelaça, desde a literatura, a poesia, a música, a voz de Bethânia como um trovão emergente. Ao ouvirmos Bethânia, temos a nítida certeza de que a música está a salvo de tantas ignorâncias musicais que assolam atualmente a cultura de todos nós: graças a Bethânia, somos obrigados a concordar que a música popular brasileira é rica de qualidade, categoria e civilização. Há na cantora uma sombra assustadora de energia positiva, capaz de nos enrolar em um manto azul e branco sagrado de proteção contra mazelas estereotipadas e desengonçadas. Garanto que não é qualquer cantora que chega aos cinquenta anos de carreira sendo coerente com sua musicalidade e com sua motivação em cantar e inspirar novas cantoras e com o respeito para com a música popular brasileira. O culto ao canto de Maria Bethânia é muito mais que isso.

O culto ao canto de Maria Betânia
Marcelo Teixeira

 

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