sexta-feira, 28 de março de 2014

De onde vem a crítica?


Faço crítica com arte!
Todos nós erramos na vida: ao nascermos já estamos errados se não choramos ou se estamos chorando demais. Na vida há muitas cobranças, pertinentes ou não, que norteiam nosso caminho a torto e a direito. Quando resolvi escrever sobre música brasileira, sabia que estava pisando em ovos. Ovos estes, quebráveis. Mas não intocáveis. Quando iniciei o Mais Cultura Brasileira!, em novembro de 2011, não sabia exatamente o que eu queria: se era criticar a música pobre, de esquina, dos marginalizados, dos arrogantes, dos iletrados ou se eu estava querendo destilar meu suave veneno em apostas vigorosas, discos esquecidos, cantoras e cantores que foram sucesso no passado, lançamentos indispensáveis. Não sabia ao certo. Pois bem: criei o blog sem ter um artigo pronto, apenas acordei de um sobressalto e estava lá o Mais Cultura Brasileira! Logo na primeira semana não obtive o resultado que queria: ninguém lia o que eu escrevia. Hoje, tudo o que escrevo vira repercussão de um jeito ou de outro e tudo começou quando criei o quadro As 20 Melhores Cantoras dos Últimos 10 Anos da MPB. A visibilidade foi enorme, o blog subiu ao topo de liderança que eu jamais pensei que fosse chegar e o meu nome foi capa de um jornal de Cultura de Mococa e, alguns meses depois, estava eu lá novamente em um tablóide do Amapá.  Alguns outros meses, meu nome e meu blog estavam na mesma coluna de resenhas com críticos do quilates de Charles Gavin (ex-Titãs) e Zé Vaz, do blog Som do Norte, sobre o lançamento do disco de Emília Monteiro. Isso pra mim foi o ápice maior de minha escrita: nunca pensei em imaginar que eu pudesse escrever em primeiro plano sobre uma cantora do Norte e, de quebra, ter o privilégio de alça-la a voôs longos. Está registrado: o primeiro a escrever sobre Emília foi o Mais Cultura, em seguida Charles Gavin e, por último, Som do Norte. Mas de onde vem a crítica? Esses dias fui criticado por um peso pesado da dita linha jornalística musical e isso tocou muito forte dentro de mim, pois o que escrevo, hoje, é natural de minha pessoa, de meus anseios sobre o disco, de minha persona sobre o que ouço, de minha característica de crítico e de presença sobre algo novo e que está a minha mão. Quando escrevo, despejo todos os adjetivos possíveis para que eu possa me satisfazer. Através desses artigos, consigo conversar com as palavras num tom peculiar, sentimental e rudimentar que apenas eu entendo e tento transpassar para as pessoas num tom mais elaborado. Mas todos nós erramos: erramos ao nascer, erramos ao crescer, erramos ao escrever um artigo. Antes eu pegava um disco qualquer e escutava apenas uma vez e dava a minha impressão sobre aquilo: não pegava os detalhes minímos. Com o tempo aprendi que para ser crítico, não preciso usar terno e gravata: posso ser normal como o vendedor de jornal. Ou seja: hoje quando escrevo, penso! Mas escrever é difícil e cansativo e por este motivo, só escrevo quando estou realmente desperto. Perguntaram-me uma vez como escrevia meus textos: simples. Eu preciso estar agitado. E para eu estar agitado, preciso de música, de poesia, de matéria, de café. Uso adjetivos, uso frases coloquiais, uso menos o barroco. E tento (ainda tento) escrever um artigo como se estivesse escrevendo um capítulo de um livro não acabado: escrevo conforme eu quero. Não preciso ser formado em jornalismo para escrever bem, pois a crítica dentro da crítica já está valendo. E mesmo escrevendo frases que soam como poesia, aqui para mim soam como suavidades extremas. Não preciso que me entendam, me interpretem. Não sou mais importante que o disco resenhado. O disco é mais importante que as minhas palavras. Se eu pudesse e eu ainda tenho tempo para fazer, excluíria todos os artigos que escrevi no início de carreira. Afinal, já entro no terceiro ano de Mais Cultura Brasileira! Hoje ninguém mais leria os artigos antigos, mesmo sendo um canal de aproveitamento ímpar futuramente. Mas aqui não faz importância alguma os artigos que me mandaram via email para que eu pudesse publicar em meu nome ou simplesmente os artigos na qual me debrucei quando deram mais credibilidade para mim. Tive parcerias maravilhosas em alguns artigos, fui pago em outros, tive a autorização em uns 4 ou 5 artigos para que esses mesmos artigos estivessem dentro do meu blog, com as mesmas palavras e significados e não me envergonho disso. Hoje, passados mais de 2 anos de blog e vida cultural voltada para a cultura brasileira exclusivamente, tenho a plena certeza de que fiz coisas certas e erradas, publiquei artigos errados em algumas vezes, acertei em vários artigos, critiquei e logo em seguida elogiei. Hoje tenho uma seleta lista de entrevistadas, como Márcia Tauil, Simone Guimarães, Emília Monteiro e Ná Ozzetti e para este ano de 2014 já tenho mais dois nomes de peso: um cantor de Minas Gerais que estimo pacas e o escritor Daniel Manzoni, amigo de longas datas, que lançará um livro sobre educação, ciência e cultura e é adorador de música brasileira. Nas palavras da cantora Emília Monteiro: sou um crítico. Mas críticos também erram. E meu defeito é tentar acertar. A minha crítica vem de dentro: em mim batem as sonoras batidas da música, certas ou erradas e é através disso que escrevo, critico e publico. E fazer crítica, para mim, é uma arte.

 

De onde vem a crítica?
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 26 de março de 2014

Iara por Iara Rennó: sutilezas


Iara: grande disco
Iara Rennó é um nome muito conhecido na mída e entre os artistas e em 2013 fechou o ano apontando uma grande surpresa: o lançamento de seu CD solo, recebendo o carinhoso nome de Iará. Produzido pelo selo Jóia Moderna, cujo o presidente é o DJ Zé Pedro, o álbum vem para enraizar a música de Iara Rennó, dando um mote a mais para a nossa cultura brasileira, mergulhando de vez no universo totalmente particular desta grande cantora. Entre participações, projetos coletivos e a participação na banda Dona Zica, Iará tem uma discografia variada. Assinando solo, a cantora estreou com o conceitual projeto Macunaíma Ópera Tupi em 2008 e só agora lança um disco de estreia, tão aguardado por muitos. É aqui que Iara Rennó se mostra mais Iara Rennó, sem personagens, sem historietas, sem dividir cenas. Entre tantas opções que a música oferece, essa é a mais nova, porém, o seu núcleo. E talvez seja por isso que faz todo o sentido assinar o disco com o seu nome. Criada em ambiente artístico, Iara tem família culta com referências que vão da raiz sertaneja matogrossense até a vanguarda paulista. Sua mãe, Alzira Espíndola e seu pai, o letrista Carlos Rennó, a tia Tetê Espíndola, o tio Jerry Espíndola foram os principais responsáveis pela criação de Iara, sem contar com os amigos próximos que orbitaram esse núcleo bem plural, como o inesquecível Itamar Assumpção, com quem Iara cantou durante quatro anos. Buscando todos os sons possíveis e imagináveis, seria impossível Iara lançar um disco qualquer no mercado. Sendo assim, ela chega em Iara com pompa de grande estrela. A estrela da MPB. Produzido por Moreno Veloso, o disco entrega seu conceito logo na letra da primeira faixa, Já Era, da própria Iara. Uma letra forte, decidida e certeira, que marca a entrada solo definitivamente da cantora dentro da MPB, denotando, aqui, o clima experimental e urbano, com o que lhe foi ensinado pela família de artistas. Roendo as Unhas, um samba magistral de Paulinho da Viola, se transforma num inquietante e metódico sambinha, totalmente adverso ao que Ney Matogrosso viria a regravar em seu disco Atento aos Sinais no final de 2013. Iara tem a sua cara, o seu jeito, o seu conceito, a sua magnitude, o seu temperamento, o seu rigor, o seu vigor, a sua qualidade e a sua brasilidade incomum, se mostrando autêntica, perfeita, plural, cativante, única. Particularmente falando, Iara Rennó trabalha de um jeito bem natural e dessa naturalidade é se que apresenta seu lado particular, que se resume em um disco leve, solto, descontraído. E lindo!

 

Iara (2013) / Iara Rennó
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 21 de março de 2014

O espetacular Encarnado, de Juçara Marçal


Disco de estreia de Juçara: vale ouro
Ouçam com a devida atenção o disco de estreia da cantora Juçara Marçal: um conjunto de boa voz, bom repertório, boa capa, boas letras. A morte norteia todo o disco, dando aquela atmosfera sobrenatural para um assunto em que todos não gostam de opinar, mas que é uma parte de nós. Juçara Marçal veio com toda a sua força para dar a Encarnado (2014/ 26,99) um clima intimista, sofisticado e, acima de tudo, misterioso. Na estrada há mais de 20 anos, a cantora surge como um meteoro na música popular brasileira, em um momento crítico em que a música sofre com inclinações variantes e sons abalados. Juçara comprova que a arte não tem idade, não tem limites, não tem escalas e que se pode fazê-lo a qualquer tempo, época ou vontade. Mas de onde veio tanta inspiração para compor um disco tão intrigante? Juçara juntou-se aos músicos Kiko Dinucci e Rodrigo Campos e na seleta lista de canções inclui Tom Zé, Itamar Assumpção, Siba e o que chama a atenção é a vinheta de Odoya, que antecipa Ciranda do Aborto. Sedutor, Encarnado demonstra toda a verve artística de uma grande cantora, em tempos que não estão para paz. O disco é forte, audacioso e a cantora ousou, inovou e surpreendeu em trabalhar em algo tão sério, tão visceral. Para a explicação desses temas, a cantora se infiltrou em matizes díspares do clássico para a sua rica interpretação. Presente de Casamento é uma música bruta, áspera, mas que mesmo assim soa como um soco no estomago de quem a ouve, pela sua dramaticidade e o som fica desconfortavelmente belo. Canção de Ninar Oxum foi feita para ser cantada ao ouvido e esse tom é o mais impressionante: parece que Juçara está colada ao nosso corpo, balbuciando palavras afetivas. Sempre antenada com o mundo da música, Juçara nos trouxe um disco com sonoridade máxima, expressão intrigante, capa divertida e um tema assustador e assombroso: a morte. Mas não é qualquer morte que se comenta nas faixas deste disco. É a nossa morte, a morte do próximo e a morte de todos nós.

 

Juçara Marçal
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

quarta-feira, 19 de março de 2014

O sucesso do Mulheres de 80


As Mulheres de 80: sucesso
Em meio a Carnavais, sambas do criolo doido, Lepo Lepo e outras aberrações musicais, o Mulheres de 80 veio com força total ao palco do teatro do Sesc Vila Mariana, quebrando todos os paradigmas musicais e mostrando que a música que cantaram naquela época não se diferencia muito do que cantam hoje. Muita coisa mudou, tanto na vida das cantoras quanto na vida política e cultural brasileira. Itamar Assumpção, um pai sempre presente, veio a falecer em 2003 decorrente de um câncer, Susana Salles e Alzira E. ficaram reclusas por um certo tempo e Ná Ozzetti e Virginia Rosa estavam lançando discos sensacionais a torto e a direito. A música popular brasileira e, sobretudo, essas quatro grandes cantoras, sobreviveram a atentados musicais, como o pagode, o sertanejo, o axé e outras insanidades mentais que passamos a conviver diariamente. Para tanto, a Vanguarda Paulista foi um movimento cultural e artistíco que revolucionou a música num todo, fazendo crer que a nossa loucura, a nossa tensão, a nossa vontade de viver aquilo era plenamente normal. Até mesmo para este crítico que vos escreve, que nascera nos anos 1980 e não vivenciou este momento, acredita que parte do que se vivia aquela época era motivo de loucura, de festa, de um comportamento geral diferenciado, de muita música e de muita responsabilidade. Faltou Vânia Bastos, outra principal integrante deste rico movimento, estar atrelada às quatro vozes. Para quem não vivenciou esta brilhante fase da música brasileira, pode ter vários meios de poder se abastacer culturalmente: os discos avulsos de Ná Ozzetti e Virginia Rosa dão a dimensão da grandiosidade que foi a Lira Paulistana, assim como a Caixa Preta com todos os discos imortalizados pelo mentor do grupo, Itamar Assumpção. Arrigo Barnabé, os grupos Rumo e Premê foram alguns dos nomes que estabeleceram a nova moda musical dos anos 1980, sendo chamados pela crítica de malditos, o que acabou irritando o líder da trupe, Itamar. Sim, eles eram independentes. Sim, eles eram autênticos. Sim, eles faziam a melhor música. Pra mim o espetáculo deveria se chamar As Mulheres de Itamar ou, então, As Meninas de Itamar, mas Mulheres de 80 caiu bem e chamou bem a atenção, não dando um nome específico para determinada cantora entrar em evidência. Espero profundamente que o projeto vire CD e DVD  para que os que não puderam viver a época, estarem a par do que foi esse movimento cultural.

 

Mulheres de 80
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 14 de março de 2014

Entrevista com Ná Ozzetti




Ná Ozzetti: a entrevistada

Ná Ozzetti acaba de lançar um dos melhores discos de sua carreira, intitulado Embalar (2013), merecedor de vários prêmios e sendo considerado por público e crítica como um dos melhores lançamentos fonográficos  do ano passado. Ná já compôs com Zélia Duncan (Sobrenatural), Luiz Tatit (Meu Quintal / Miolo / Entre o Amor e o Mar) e a poeta Alice Ruiz (Olhos de Camões / Baú de Guardados) e ainda tem fôlego de sobra para trabalhar com gente nova no mercado, como o time de compositores da nova MPB, como Tulipa Ruiz, Makely Ka e Kiko Dinucci. O disco foi produzido pela própria Ná com a companhia do brilhante irmão, Dante Ozzetti e dos músicos Mário Manga, Sérgio Reze e Zé Alexandre Carvalho e o selo de distribuição é o Circus e a produção fonográfica fica por conta de Ná Records. O balé de Ná em Embalar é tão perfeito, que chega a adentrar em nossos poros cada palavra, cada respiração, cada melodia soltada aos poucos. Com um time que vai de Mônica Salmaso dividindo os vocais em Minha Voz e Juçara Marçal em Musa da Música, a cantora nos brinda com um disco a altura de seu talento e diz que adora fazer música em conjunto. Carismática ao extremo, a simpatia de Ná transpassa a qualquer pessoa, através de seu sorriso sincero e de sua musicalidade que nos inspira e nos comove. Ná Ozzetti é hoje a minha entrevistada de honra, abrindo oficialmente o leque de entrevistas para o Mais Cultura Brasileira! de 2014. Nesta entrevista, a cantora diz que sente a falta de Itamar Assumpção, não acha suas músicas atraentes e que a maior voz do Brasil é a de Milton Nascimento.


 

Marcelo Teixeira -  Ná, Embalar veio em um momento em que a música popular brasileira precisava de renovação e a sua voz ainda é um sopro de alívio para muita gente que aspira e inspira MPB. O que você acha disso?

Ná Ozzetti - Primeiramente agradeço o elogio! Mas são justamente as tantas produções maravilhosas e instigantes que vejo hoje que me inspiraram. Acho que estamos vivendo um momento especial e histórico na música brasileira, com uma profusão de trabalhos criativos.

M.T. - Qual é o critério para compor suas músicas?

- Faço sempre as músicas, deixando as letras para os meus parceiros. Normalmente parto de idéias musicais que surgem e desenvolvo. Não há um critério específico. O processo de desenvolver essas idéias é que me atrai.

M.T. - Seus discos anteriores tinham muito de Itamar Assumpção e José Miguel Wisnik e em Embalar você trouxe os compositores mais jovens, mais atuantes na nova MPB, como Tulipa Ruiz e Makely Ka. Por que?

- Essa troca é natural. Quando fiz os discos anteriores, estava interagindo muito com o Itamar, o Wisnik, o Tatit. Continuo trabalhando com eles, mas o tempo traz novos criadores e gosto muito de acompanhar de perto as produções que me estimulam e que tenho afinidade, então acabam surgindo parcerias, inevitável.

M.T. – Em um artigo recente sobre o seu novo disco, eu citei que Embalar era uma continuação de Estopim, lançado em 1999. Podemos ter essa ideia de continuação?

-  A idéia é essa sim. Fiquei com vontade de retomar a atmosfera sonora do Estopim. Mas agora explorando as sonoridades e performances desta banda, com o Dante (Ozzetti), Mário Manga, Sérgio Reze e Zé Alexandre Carvalho. É o terceiro disco consecutivo que fazemos juntos.

M.T. - Em seus shows, a sensibilidade de sua voz e os trejeitos sutis com as quais você nos transporta, faz com que nos apaixemos por sua música. Você se considera uma cantora sensível ou não gosta de ser rotulada?

- Não consigo ter um olhar de fora sobre meu trabalho. O que acontece é que o prazer por fazer música é tão grande, que algo deve bater nas pessoas. Mas nunca penso em mim quando faço shows. A arte é maior. Gosto de me surpreender.

M.T. - Itamar Assumpção sempre esteve muito presente em sua música (foi através dele que eu tive total acesso à sua arte). Como era a sua relação com ele e o que representa a falta dele dentro da MPB?

- Tive o privilégio de conviver com o Itamar. Sempre fui fã, não perdia seus shows, ficava embasbacada com tanto conteúdo, profundo, antenado, criativo. De onde ele tirava tudo aquilo? Ele era a criação em pessoa. Não parava de produzir. Quando propunha alguma parceria, ele aproveitava e me mandava outras letras na sequência. Hoje, quando ouço os discos da Caixa Preta (discografia completa lançada em 2009) continuo me surpreendendo e achando tudo muito inovador. Itamar está presente, mais do que nunca, nos dias de hoje. Mas sinto sua falta, sempre nos provocando.

M.T. - Trinta anos de uma carreira consolidada, com discos sensacionais e com uma voz divina, você é uma das poucas cantoras em atividade que conseguem lançar discos com músicas inéditas. Isso ocorreu em Meu Quintal (2011) e agora em Embalar (2013). O que a faz compor brilhantemente e em que pensa enquanto compõe?

- Obrigada pelo elogio! Mas nem acho minhas composições tão especiais. Apenas gosto do exercício de desenvolver idéias. Esse processo é o que norteia meu trabalho, independentemente de as canções serem de minha autoria ou de outros compositores.

M.T. - Regravar os sucessos de Carmen Miranda em Balangandãs (2009) com maestria e dedicação lhe renderam status de a grande dama da música brasieira. Aqui no Mais Cultura Brasileira!, Carmen ganhou o primeiro lugar como a maior cantora brasileira de todos os tempos e você, Ná Ozzetti, abocanhou o décimo quarto lugar, segundo pesquisas que foram feitas. O que acha disso?

- Nossa, não sabia! Fico muito feliz, claro.

M.T. - Tem alguma cantora ou cantor que gostaria de gravar um disco em homenagem?

- Por enquanto não. Não tenho idéia. Os discos que gravei, os quais são projetos especiais, como o Love Lee Rita (1996), Show (2001), Balangandãs (2009), não foram idéia minha. Foram convites muito bem recebidos por mim, porque de certa forma eu me reconheci nessas propostas. Foram trabalhos que adorei realizar. Então não costumo pensar em tributos, etc... eles é que acabam chegando até mim.

M.T. - Vamos falar de Embalar: Juçara Marçal, Marcelo Pretto, Mariana Furquim e Mônica Salmaso dividem algumas faixas do disco. Por que chamou tantas vozes para dividir os vocais?

- Por gostar tanto dessas vozes. Tem o Kiko Dinucci também, em Lizete. Nós, da banda, estávamos envolvidos com a exploração das sonoridades, timbres, o que me levou a ter vontade de ampliar também as sonoridades do canto ao ponto de interagir com outros cantores, outras personalidades. Adorei. Aliás o que mais gosto, desde sempre, é de fazer música junto.

M.T. - Ultimamente estão regravando obras primas do cancioneiro de Itamar Assumpção, como Zélia Duncan, Ney Matogrosso, Vírginia Rosa, Mônica Salmaso. Já pensou em fazer um disco inteiro para homenagea-lo?

- Amo o Itamar e sua obra! E tenho gostado muito de todos esses tributos. Mas por enquanto me sinto muito bem na posição de expectador.

M.T. - Embalar, a primeira música do disco, trata-se de um presente seu para seus fãs. A Lente do Homem, a terceira faixa, fala de fé e religião e Os Enfeitos de Cunhã, a décima faixa, fala dos encantos da Amazônia. Este disco veio como forma de dizer as várias facetas de Ná Ozzetti?

- Embalar fala da vida, sobretudo, de música. Cada compositor teve liberdade de explorar os temas. Não há uma mensagem que rege as canções. Se houver, é a própria música.

M.T. - Algumas de suas músicas, como Equilíbrio em Meu Quintal ou Meu Dia D em (1994), tratam a língua portuguesa como um todo, numa forma mero-línguistica cantada, soa rapidamente, como se fosse um trava-língua. Essa prática vem do Grupo Rumo ou é uma forma única e exclusiva sua de cantar?

- Esses trava-línguas aparecem bastante nas minhas composições. Isso porque gosto de ficar brincando com ritmos, daí quando vem a letra é um sufoco conseguir cantá-las. Mas me divirto.

M.T. - Meu Quintal (2011) é um disco que marca seus trinta anos de carreira. Posso dizer que é um disco autobiográfico?

- Parece ser, mas não é. Aliás, é e não é. Como disse, quem explora os temas das canções são meus parceiros. Fico com a parte musical. Quando reúno o repertório é que percebo com que cara o disco vai ficar. Daí começa um outro processo, de criar os arranjos e as sonoridades, de acordo com o que as canções pedem, e assim vamos dando forma ao disco. Claro que há uma idéia que norteia o trabalho, mas gosto de me surpreender no meio do processo.

M.T. - Lizete, a sexta faixa do disco, fala de um amor lésbico. Por que resolveu gravar uma música tão forte como essa?

- O Kiko Dinucci havia participado de um show meu em 2012 e cantamos juntos 3 composições suas, duas em parceria com Jonathan Silva e uma com a poeta Sinhá. Desde então pensei em convidá-lo para uma participação em Embalar, com uma daquelas canções. Acabei escolhendo Lizete, porque, além do tema, gosto da estrutura da composição, acho genial. E Lizete faz o maior sucesso nos shows também.

M.T. - Algum projeto para depois de Embalar?

- Sim, mas por enquanto gostaria de fazer muitos shows do Embalar por esse mundo afora.

M.T. – Pense rápido: qual a maior voz do Brasil?

- Milton Nascimento!

M.T. - A música brasileira mudou muito nos últimos tempos. Seus discos são como agulha no palheiro de tão brasileiro que é e de tão perfeitos que são. Voz e Piano, gravado com o pianista André Mehamari em 2005 é um disco perfeito, assim como , de 1994, que traz uma vertente e uma variante de sons e variações de mensagens. Mas na sua opinião, qual o melhor disco da sua carreira?

– Ainda não sei dizer.

M.T. - Tulipa Ruiz fecha o disco Embalar com a música Pra Começo de Conversa, juntamente com a sua autoria. Você já desenhou uma pétala de rosa no disco de estreia dela e esta é a primeira parceria das duas, cujo saiu perfeito. Pensam em trabalhar juntas num futuro próximo?

- Não há nada combinado, mas tenho a impressão de que é só começar.

 

Entrevista com Ná Ozzetti
Por Marcelo Teixeira

quarta-feira, 12 de março de 2014

O ótimo disco de estreia de Rita Ribeiro (1997)


O primeiro disco de Rita Ribeiro
Rita Ribeiro agora é Rita Beneditto, mas sua música continua sendo boa, seja como Ribeiro, seja como Beneditto e esse detalhe não atropela os segmentos de sua musicalidade. Lançado em 1997, o primeiro disco da cantora veio como um golpe no estômago de muita gente que acreditava ser apenas mais um disco mal produzido que vinha dos confins de Maranhão. Estavam todos enganados. O disco de Rita Ribeiro foi um dos melhores daquele ano e comprovou sua garantia de vida dentro da MPB, que estava voltada mais para o lado bossa nova de Daniela Mercury, os sertanejos tentando uma volta ao mercado fonográfico, os pagodeiros enfrentando o ostracismo e o início de uma boa safra de cantores e compositores, como Lenine, Zeca Baleiro, Chico César e a prórpia Rita. Este disco tem uma importância tanto para Rita quanto para a música porque trouxe à tona toda a sensualidade plena de Baleiro e comprovou a autenticidade do mestre paraibano Chico César. Graças ao disco – e principalmente – a música Lenha (Zeca Baleiro), a cantora pôde se apresentar em diversos lugares do Brasil e até fora dele e sendo regravada depois por sertanejos sem a menor vocação ou sensibilidade para com a canção. Rita Ribeiro (1997 / 19,99 / Velas) é um disco completo, que nos remete ao sertão do Maranhão, tão distante e tão belo, que somente a voz de Rita nos embala para tão distante. Hoje o disco encontra-se raro, mas se aventurando a procurar, talvez até encontre. Um disco perfeito para uma cantora iniciante, Rita Ribeiro comprova seu talento junto aos cantores que a descobriu. Já neste primeiro disco, Rita dá sinais de que a umbanda e o candomblé seriam seu ponto alto, a sua música e sua doutrina em discos futuros. Louvando os deuses que a protege, Rita é uma verdadeira defensora dos misticismos e das crenças e isso reflete em sua música por um todo. Senhora de seu saber, sempre foi domesticada a cantar aquilo que gosta ou sente, não fazendo jus ao mercado fonográfico que impõe regras ou interrogações. O sotoque nordestino aparece em todas as faixas do disco e isso é arrebatador. Vale ressaltar que as músicas de Baleiro e César Missiva e Olhozinho, respectivamente, são os pontos fortes de todo o disco, mas não tem como não se encantar pela sensual Cocada ou Pé do Lajeiro. Sem sombras de dúvidas, Rita veio para ficar e tinha esta certeza quando lançou este sensacional disco. Seja como Rita Ribeiro como Rita Beneditto.

 
Rita Ribeiro (1997) / Rita Ribeiro
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 7 de março de 2014

O equilíbrio de Ana Cañas em Coração Inevitável

Ana Cañas: mais equilibrada
De todas as cantoras surgidas nos últimos anos dentro da MPB, Ana Cañas continua sendo vista por mim como uma cantora que sempre guarda um mistério na manga. Desde seu primeiro disco até o lançamento do atual, a cantora sempre se mostrou inquieta conforme a reação de seu público e conforme dança a música ao qual é sempre convidada a dançar. Não que Ana Cañas seja uma cantora qualquer ou que não tenha rótulos e vive de disfarces musicais. Ela é muito mais do que isso: Ana simplesmente canta o que lhe convém e isso é uma das estratégias mais mágicas dentro do universo musical. Dona de uma voz magistral, Ana canta de boleros a jazz e consegue arriscar um sambinha distraído vez por outra, tudo com a sua técnica e ao seu jeito.  Além de corajosa, Ana Cañas gosta de se sentir livre para compor, criar, cantar, dançar, pular e não se intimida com assédios menos gratuitos de programas popularescos. Seus discos são sublimes, atemporais e não é para qualquer um ouvir e disso ela sabe muito bem. Lançando Coração Inevitável (2014) com pompa de grande estrela da música nacional, Ana se mostra mais que uma artista: se mostra uma variante de sons, de sentimentos, de equilíbrio. Sua voz soa mais que uma voz feminina: soa por vezes como um sopro de suavidade dentro daquilo que canta, dentro de suas emoções, dentro de seu coração. Ney Matogrosso é o diretor, assim como o iluminador do espetáculo. Cantor consagrado, Ney pede com suavidade para que Ana mostre seu lado mais feminino e menos moleca (sim, Ana vinha numas traquinagens que ninguém entendia), dando-lhe um ar de mais responsabilidade. A maior parte das faixas do show ao vivo foi tirada do álbum Volta, que fora lançado em 2012 e que não teve tanto êxito na vida da cantora, tendo em vista que seu disco anterior, Hein? (2009) fora mais expansivo e mais explosivo, tão marginalizado quanto Amor e Caos (2007) seu disco de estreia e com maior respeito do público. Por isso digo sempre que Ana Cañas é uma cantora de fibra, corajosa e audaciosa. Exagerada ao extremo, com suas cores berrantes que mais me lembram Frida Kahlo (eu sou apaixonado pela pintora mexicana), Ana passeia por todos os estilos musicais e estrangeiros para dar garra ao primeiro DVD de sua vida. Segura de si mesma, Ana norteia com chave de ouro um presente e tanto para seus fãs e para os que ainda virão a ser sê-los. Exagerada, temperamental, culta, bonita, cantora.... não importa a qual adequação Ana Cañas se encaixa. O importante é que sua música é rica em detalhes e sua carreira completa 10 anos. Pontos para Ana. Um salve à ela.
 

Coração Inevitável / Ana Cañas
Nota 9
Marcelo Teixeira

 

 

quarta-feira, 5 de março de 2014

A fineza de Cris Pereira


Cris: a imperatriz do samba
Brasília, a capital federal do Brasil, esconde muitos talentos brasileiros, assim como os revela num piscar de olhos. Já faz um tempo que venho retratando algumas cantoras – boas e ótimas – de Brasília, como Márcia Tauil, Nathália Lima, Emília Monteiro, Ellen Oléria, Sandra Duailibe e sempre estive certo de que a música que vem dessa parte do país é rica em detalhes, sopros e respirações. Algumas nem ali nasceram, mas ajudam a prestigiar o talento do estado.  Quem pensa que Brasília é o fardo político e intelecto está muito enganado de si, porque ali concentra-se a maior parte musical de todos os tempos e o pólo cultural de uma esfinge preciosa, sentimental e rudimentar. O nome que ajuda a embelezar Brasília e a completar um time de bravas guerreiras da música nacional é Cris Pereira, que tem elegância e pluralidade na voz e no repertório. Cris tem samba na ponta dos pés e um requebrado que só ela tem direito a ter, além de uma voz doce e macia, que conquista a qualquer um já na primeira música. E quem disse que Brasília não tem samba? Cris Pereira prova que o samba ainda é um refugio bem garantido na música brasileira, desde que feito com qualidade, respeito e determinação, como é o caso dela. Música de pimeira grandeza e de uma fineza espetacular, Cris consegue atribuir a si uma qualidade superior, rara nos dias de hoje, para a chamada damas do samba, que já agraciou Clara Nunes, Alcione, Dona Ivone Lara. Recentemente, o cenário sambístico está por conta de Fabiana Cozza, que traz na bagagem ótimos discos sobre o gênero. Mas Cris Pereira é Cris Pereira: forte, bonita, autêntica, simples, guerreira num país em que precisa ser guerreira para alcançar metas e ultrapassar limites. E o limite de Cris foi ultrapassado. Talentosíssima, Cris Pereira só veio a confirmar que seu tempo é hoje, seu samba é eterno e sua voz e brilho nunca se apagarão. Viva Cris Pereira!!!

 
A fineza de Cris Pereira
Marcelo Teixeira