quinta-feira, 17 de julho de 2014

O alvorecer de Clara Nunes

Clara: notoriedade em 1974
Clara Nunes foi, sem sombras de dúvidas, a maior entre as maiores cantoras do Brasil. Basta ver seus clipes, suas músicas e sua defesa para com uma religião (e um povo – o negro), para saber que a cantora era uma verdadeira Guerreira, apelido que lhe coube muito bem naqueles dias em que ela enfrentava a todos ao se apresentar e a cantar da forma como queria. Clara é insubstituível e suas músicas provam que ninguém as cantará da melhor forma possível, porque sempre haverá uma nota ou uma palavra distorcida. Se há uma cantora que chegou bem próximo deste feito após mais de trinta anos de sua morte, essa cantora foi Fabiana Cozza, que consegue driblar as danças, os giros, os atabaques e fez de O Canto Sagrado (2013 / Agô Produções / 39,99) em uma verdadeira aula de musicalidade e religiosidade em homenagem à grande dama do samba. Mas vale lembrar que Fabiana Cozza chegou bem próximo desta realidade: há um misto de arrepios com uma sensação de que Clara surgisse no palco há qualquer momento durante os espetáculos e era justamente esta a sensação que causa ao falarmos que Clara é insubistituível. Graças à religião, ao candomblé, à umbanda (religiões estas que crescem demasiadamente no país), que a cantora ganhou notoriedade ao ser uma das protagonistas mais sutis de rodas de samba e de controvérsias para os seus desafetos. No disco Alvorecer (1974 / Odeon / 19,99), Clara gravou Conto de Areia, canção que até hoje é cantada e lembrada e que fala dos mistérios e segredos preservados nas densas bebedeiras da Bahia. A letra é uma reza: restaura inquietas efígies de lendas e santos, contos e lendas, misticismo e religião ao tecer o que há de mais belo neste canto. Desvendando os mistérios dos santos, o disco ponteia o melhor do candomblé na voz doce e meiga de uma das cantoras que se tornaria dama em questão de anos. Em Alvorecer tudo era inédito: desde a capa do disco, que mostra uma Clara com vestes de baiana e com penduricalhos que mais soavam como miçangas de deuses até sua devoção ao candomblé, religião que não foi muito aceita por muitos na época. Mas para mostrar que Clara era Guerreira, bateu o pé e fincou seu nome entre as cantoras mais populares do Brasil, demonstrando que a força de seu canto e o brilho de sua face eram mais significativos que qualquer outra coisa. Clara sempre dizia que seu canto era a sua verdadeira vida, a sua história, a sua luz e que cantava porque gostava e a cada disco lançado, a cantora trazia um pouco da história dos negros, da África perdida no tempo, dos homens que matavam por gânancia, do amor repudiado por desenganos. Obviamente que Alvorecer surgiu para ser um dos discos mais célebres da carreira da cantora, sendo o ponta pé inicial para a sua incursão na religião africana. Talvez o que o povo brasileiro não saiba é que todos nós viemos da África, mesmo torcendo os narizes brancos e o que Clara Nunes fez foi apenas reforçar e estimular as mentes dessas pessoas preconceituosas a pensarem sobre tal assunto.
 
 

Alvorecer (1974) / Clara Nunes
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

Nenhum comentário: