quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Chico Buarque de Hollanda Volume 1 - 50 anos depois


Chico e o primeiro LP: 1966 - 2016
Bastaram as canções que já havia composto durante a primeira metade dos anos de 1960 para que Chico Buarque recheasse Chico Buarque de Hollanda (1966 / RGE / 26,99), seu primeiro disco, lançado em dezembro de 1966. Fora isso, ainda sobraram duas músicas para o álbum seguinte. Essas composições iniciais vêm carregadas de um lirismo nostálgico e de uma riqueza poética que, logo de cara, caíram nas graças do público e de boa parte da crítica. A faixa A Banda, que pouco antes vencera o II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, tornou-se um hit instântaneo, uma mania nacional cantada em cada canto do Brasil por gente de todas as idades. O disco de fato é fundamental em qualquer antologia da moderna MPB e suas músicas, dotadas de recursos poéticos inovadores para a época e de extrema originalidade melódica, colocam o samba urbano num novo e elevadíssimo patamar de qualidade. Chico Buarque tinha apenas 20 anos e uma timidez ainda não muito bem equacionada, um rosto juvenil, iluminado por olhos de um verde transparente. Ainda não tivera a chance de conhecer a mulher de sua vida (este artigo será postado em 2017), mas ele sabia de sua importância dentro dos festivais que assolavam o país de canto a canto. A Banda, interpretada por ele e Nara Leão, conquistou o primeiro lugar em Outubro de 1966, dividindo o lugar com Disparada, de autoria de Theo de Barros e Geraldo Vandré, magnificamente defendida e interpretada por Jair Rodrigues, que logo mais seria parceiro e amigo de Elis Regina no programa O Fino da Bossa. A Banda rendeu a Chico Buarque o status de cantor do ano, o intelectual do momento e vários artistas voltaram suas atenções para aquele rapazinho timido. Carlos Drummond de Andrade, o poeta mais respeitado de todos os tempos, soltou a pérola frase que venha outra banda. Nada mal para um novato nos palcos. A Banda rendeu ainda a Chico seu primeiro programa na TV brasileira, chamado Pra Ver a Banda Passar, em dupla com Nara Leão. A timidez de ambos era tanta que Manoel Carlos lhes sapecou o título de os maiores desanimadores de auditório da televisão brasileira.  O disco lançado em 1966 vendeu pouco mais de 100 mil cópias, um feito e tanto para a época e a causa desse sucesso estrondoso de fato fora a intepretação de dois cantores que tinham a sintonia em primeiro plano. A Banda é um divisor de águas na vida e na carreira de Chico Buarque e dali em diante nenhum dos dois, Chico e Nara, jamais seriam os mesmos. O mesmo se aplica para a MPB e, de certa forma, para o próprio Brasil.

Chico Buarque de Hollanda 1, como ficaria conhecido o disco, foi produzido apenas com o estoque de boas canções que Chico já havia composto. Praticamente todas as suas faixas têm em comum um lirismo nostálgico e comovente. Muito mais que isso, o disco eleva a tradição do samba urbano a um novo patamar poético. As letras, além de originais, têm uma arquitetura musical primorosa. O compositor, de certo modo, resgata a tradição dos melhores letristas cariocas, como Noel Rosa e Wilson Btista e tempera-a com ingredientes da Bossa Nova. Chico venerava esse movimento e seus expoentes – em especial João Gilberto, com que sua irmã, Miúcha, se casou um ano antes. Mas logo se esquivou da bossa nova e desenvolveu o seu próprio estilo. O samba, aqui neste disco, não só é um ritmo: é um tema recorrente que pode ser avordado por uma ótica melancólica, como em Sonho de Um Carnaval, que o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré interpretou para Chico no I Festival da Record. O efusivo Meu Refrão e o socialmente engajado Tem Mais Samba são obras-primas relicárias e Chico considera esta última, composta em 1964, o marco-zero de sua carreira. A tocante Olé Olá, outra joia do disco, é um samba-canção carregado de saudosismo e desconforto, dotado de uma harmonia sofisticadíssima. Fora nesse tempo que Caetano Veloso conhecera Chico Buarque em 1965, enquanto o carioca cantava trechos de Olé Olá (cantado mais tarde por Maria Bethânia) no teatro e disse à época que tinha conhecido um cara que era a coisa mais linda.

Em Chico Buarque de Hollanda 1 a leveza e a alegria ficam por conta de três composições, curiosamente todas batizadas com nomes próprios: Juca, A Rita e Madalena Foi pro Mar. A primeira, quase um samba de breque, foi composta após a polícia ter sido chamada ao bar em que Chico e seus amigos se entregavam à cantoria sem muita atenção aos decibéis. Essas noitadas musicais em São Paulo foram sistematicamente batizadas de sambafos. A Rita é um bem humurado samba-canção que exalta a capacidade das mulheres de devastar corações masculinos. Madalena Foi pro Mar é outro lamento quase debochado de um homem deixado na mão por sua amada. De todas essas, A Rita ganhou diversas regravações, sendo a mais importante defendida por Gal Costa.

Nenhuma dessas canções, no entanto, sequer se aproxima do alvoroço e sucesso desencandeados por A Banda: com sua irresistível doçra, ela cativou o público, conquistou a crítica e transformou em fãs de Chico mesmo os espíritos mais avessos a sua figura.  Um desses espíritos era o genioso escritor, dramaturgo e cronista esportivo carioca Nelson Rodrigues, cujos comentários e tiradas mordazes eram temidos tanto por craques dos gramados quanto dos palcos. Mas Nelson gostou tanto de Chico e, em especial da música, que disse em artigo que A Banda era uma marchinha genial.

E lá se completa 50 anos do lançamento do antológico disco Chico Buarque de Hollanda 1, disco que praticamente nasceu pronto, sem redomas e com certa timidez, carregado na sobriedade de um Chico Buarque novinho em folha e acompanhado de uma grande cantora que o inspirara a vencer o primeiro grande desafio: Nara Leão.

 

Chico Buarque de Hollanda Volume 1 – 50 anos depois
Por Marcelo Teixeira

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