sábado, 13 de fevereiro de 2016

O poder de Elza Soares


Elza e o fim do mundo
Não é fácil ser Elza Soares. Embora sua imagem esteja inúmeras vezes associada a Garrincha, Elza Soares é muito mais que a ex mulher de um dos maiores jogadores de futebol do Brasil. Considerada a melhor e a maior voz de todos os tempos pela BBC de Londres, Elza sofreu racismo, apanhou, gritou, cantou o amor, cantou a desilusão, vociferou contra as mazelas e a favor de um povo oprimido e carente. A música em sua vida sempre foi prioridade, assim como aquilo que canta, que mais soa como verdade e transpassa a sua emoção que irradia de sua pele para a pele seguinte. Elza pediu passagem, ganhou liberdade e continuou vociferando contra vozes ocultas dentro de um segmento musical, racista, feminino e caricatural. Elza é Elza, negra, mulher, cantora, a maior de todas. Caiu no ostracismo, Chico Buarque a ajudou a dar a volta por cima, tombou, se machucou, ralou os braços, cortou as mãos e Caetano Veloso fez das tripas coração para ver do cóccix até o pescoço inteira, em pé, vibrante, rosto entonando para o alicerce de uma luz sem fim, reinando poderosa e soberba sobre aquilo que já sofrera, já se arrependera e se machucara. Elza sobreviveu! E sobrevivendo desses ostracismos e dessas guerras mundiais e musicais, voltou triunfal em 2002 pelas mãos de dois gênios da música popular brasileira e caindo nas graças, mais uma vez, do público e da crítica especializada. Passados mais de dez anos desde o lançamento de inéditas, Elza adentra com o pé direito e nos ensina o que é ter quase 80 anos de idade e lançar um disco maravilhoso, saboroso e original como o que lançou no ano passado! Eu me rendo, porque Elza não esmorece e sabe que seu lugar é o de ponta na MPB: há requintes de sabedoria aqui, há música de verdade, há voz de Elza sobre canções verdadeiras, ideológicas, caprichadas. Entre palavrões e machadadas de pensamentos periféricos, A Mulher do Fim do Mundo (2015 / Circus / Natura Discos / 29,99) é um belo retrato entre a paisagem da favela e da menina que se transforma em mulher por entre becos cheirando a drogas e calcinhas penduradas no varal. O reflexo entre o submundo do circuito inteiro das mulheres que se transformam em escravas do lar perante seus homens é um divisor de águas neste disco, sendo retratada de forma explorada em praticamente todas as faixas do álbum: há tiros, pulverização de terra batida, becos mal iluminados, ruas vazias sendo observadas por meninos pretos que logo serão bandidos e donos do pedaço. Há a mulher prostituta, há o lirismo sutil de Berenice, há a aclamada guerreira Maria da Vila Matilde. Há belezas com a sofreguidão estampada no estampido do revólver do marginal, há o cenário destruído e pobre de um fim do mundo que pode ser bem ali, na porta da entrada da sua casa. Elza pediu passagem, ganhou a liberdade e conseguiu ser ouvida pelo povo oprimido, pelos novos compositores, para chegar ao sopro de um disco à altura de seu peso e acima de seu poder. Eis aqui o poder de Elza Soares!

 

A Mulher do Fim do Mundo (2015) / Elza Soares
Nota 10
Marcelo Teixeira 

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