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domingo, 30 de setembro de 2018

A morte da maior cantora do Brasil: Ângela Maria

Luto pela dama 
Hoje estamos órfãos! Órfãos de uma grande voz, de uma grande cantora que estava no auge de seus 89 anos e na ativa, nos palcos, ao lado do seu público, da sua gente, da mocidade, das pessoas, de todos. Órfãos! Quando uma grande cantora morre, a responsabilidade daqueles que ficaram é preservar sua imagem, sua voz, reverenciar dia após dias o seu legado e não deixar que sua obra também morra. Morreu Ângela Maria, a cantora que influenciou Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia, Fafá de Belém, Simone e uma infinidade de cantoras. Morreu Ângela Maria, a última cantora do rádio, a amiga de Carmen Miranda, de Cauby Peixoto, de Agnaldo Timóteo. Perdemos uma cantora de qualidade, de respeito, de carisma, que tinha um respeito imenso pela música e pelo seu instrumento principal: a voz! Morreu querendo estar nos palcos, morreu querendo cantar, morreu se preocupando com seus fãs.

Ângela era a maior cantora viva desse país chamado Brasil, com uma trajetória invejável. Aos 89, com mais de 115 discos gravados, mais de 60 milhões vendidos, caminhava entre as melodias e letras que por si compõem a história de ao menos 70 anos de MPB. De Hervilton Martins e Roberto Carlos a Cazuza, cantou as dores, os amores, as alegrias e as tristezas para muitas gerações e sempre com uma entonação de emoção.

A artista Ângela Maria era um motor humano que não parava um segundo. Mesmo com as dificuldades de visão e outras que acumulam com o passar dos anos, não parava com seus shows e os planos para o ano em que completaria 90 anos. Gostava de cantar, gostava de estar rodeada de amigos e gostava de ouvir atentamente cada faixa antes de gravar. Gente Humilde, de Chico Buarque, foi uma dessas conquistas selecionadas a dedo (ou ao ouvido). Chega a ser um mantra aos nossos sentimentos mais humanos ouvir essa obra-prima e não pensar na delicadeza e na doçura de Ângela Maria em sua plena vocação.

Depois de 34 dias agonizando em um hospital particular em São Paulo, a ilustre cantora descansou. Mas sua voz marcante, doce, pura, cristalina e sutil e sua simpatia e cordialidade estarão sempre presentes em nossas vidas!
Descanse, DAMA ÂNGELA MARIA!

A morte de Ângela Maria
Por Marcelo Teixeira

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Ano Luiz Melodia no MCB: o clássico Pérola Negra (1973)

Pérola Negra: clássico dos clássicos
Luiz Melodia é o grande homenageado do Mais Cultura Brasileira neste ano de 2018 (título que no ano passado foi de Marisa Monte) e durante todo esse ano será lembrado aqui e ali por músicas, composições ou álbuns importantes de sua carreira. O artista foi considerado um dos 100 mais influentes do cancioneiro nacional pelo conjunto da obra e suas músicas são referência para muitos cantores que estão inserindo nessa caminhada de fazer música do bem.  Pérola Negra (1973 / Phillips / 19,99) foi o primeiro disco lançado por Melodia, que teve direção musical de Péricles Albuquerque e que foi recebida mornamente na época. A gravação do álbum veio após o sucesso estrondoso das gravações de Gal Costa e Maria Bethânia em 1971 e 1972, respectivamente, das canções Pérola Negra – que dá nome ao título e até hoje é cantada ou reverenciada pelo nome – e Estácio Holly Estácio. Apesar do sucesso de crítica, o álbum não teve o mesmo êxito comercialmente. O disco mescla elementos de diversos elementos ao universo sambista que caracteriza as origens do artista e reflete influências de blues, rock, soul e até samba-canção, de um universo habitado por jazzistas e artistas que Melodia fora influenciado.  Porém, o álbum é famoso por conter uma participação especial do musico dito marginal Daminhão Experiença, que foi convidado para contribuir com o backing vocal na faixa Forró de Janeiro.  Pérola Negra traz dez faixas arranjada pelo violonista Pedrinho Albuquerque. Um solo de flauta de Canhoto, acompanhado por seu regional, dá a largada à eternidade de Melodia, no samba Estácio, Eu e Você, inspirado em Cartola. A segunda faixa já é um blues (e dos bons) Vale Quanto Pesa, em instrumentação acústica. O disco ainda tem o clássico Magrelinha, que anos depois se transformou em outra marca registrada do cantor e compositor carioca. Pérola Negra é o ápice do ápice da música popular brasileira e pude dizer isso pessoalmente ao Melodia em um encontro que tivemos na Avenida Paulista no ano de 2016, quando ele já estava sentindo algumas dores lombares (coisa que a mídia ainda não sabia). Há estética, há beleza, há samba, há blues, há a voz de Melodia estrondando tudo e a todos. Todas as suas obras são e serão reforçadas pela tese de que o começo foi aqui, em 1973, com este emblemático disco que, anos e anos mais tarde, foi incluído na posição 32 na lista dos 100 maiores discos da música popular brasileira pela conceituada Revista Rolling Stone Brasil.


Pérola Negra (1973) / Luiz Melodia
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Verdade Tropical - 20 anos depois

Leitura obrigatória
Leitura mais que obrigatória para todos os amantes e não amantes da boa música brasileira, o livro Verdade Tropical acaba de ser relançada por Caetano Veloso com uma capa nova (não menos bonita que a edição de bolso, mas com certeza mais bonita que a primeira versão) e com um capítulo bônus intitulado Carmen Miranda não sabia sambar. Trata-se de uma conversa sobre esses 20 anos que nos separam da primeira edição, construída a partir do próprio livro e das suas repercussões. Eis aqui um novo retrato de Caetano acerca do mundo da música e para dizer também que o mundo mudou. As questões cruciais de sua vida e de suas angústias diante das dores do mundo também se fazem presente. Caetano é um grande leitor de livros e grande homem de erudição. O novo texto pode até surpreender os que só o têm como um artista da canção popular, jamais os que acompanham de perto a sua trajetória. A singularidade que enxerga no Brasil e em seu destino como nação permanece de pé, a despeito de tudo o que estamos testemunhando nos últimos tempos. Embora eu particularmente ache o livro Verdade Tropical extenso, cansativo por vezes e arrastado em uma profusão de palavras difíceis, deixo aqui registrado que o livro é, na verdade, uma síntese da biografia do próprio Caetano perante sua carreira tropical, musical e intelectual. Porém, foi aqui neste livro que pude ter a honra de conhecer um dos intelectuais que mais influenciaram minha carreira pedagógica e intelectual, como o escritor Edgar Morin ou o artista multifacetado e original Hélio Oiticica. Assim como há passagens engraçadas, como o caso da cantora Gal Costa cantar por intermédio de uma panela ou a rixa entre o próprio Caetano e Roberto Carlos, a quem Maria Bethânia já era fã. Mas não comprem o livro apenas porque há um capítulo maravilhosamente extraordinário como bônus ou pela nova capa tropical do cantor. O livro é para ser lido por inteiro. Parafraseando Adriana Calcanhotto, é preciso devorá-lo (como canta na música Vamos Comer Caetano). Muito bem escrito, há aqui uma formação humanística impressionante, capaz de nos impressionar do primeiro ao último capítulo. O relançamento de Verdade Tropical coincide com os 50 anos do Tropicalismo, cujo é um dos temas centrais do livro.


Verdade Tropical – 20 anos depois
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

domingo, 18 de junho de 2017

Maria Bethânia - 71 anos


Parabéns, Maria Bethânia
Marcada pela dramaticidade e pela paixão, Maria Bethânia nunca se ateve a rótulos, ritmos ou movimentos musicais e, como poucos, conquistou a liberdade de cantar o que gosta e ao seu jeito. Com sua voz, representa um Brasil ao mesmo tempo agreste e sofisticado, onde convivem em harmonia a toada nordestina e a canção urbana e romântica. Como bem definiu Vinícius de Moraes na década de 1970, Bethânia cantando é como uma árvore queimando.  Comparada a Roberto Carlos na arte de dar vida a canções românticas, a cantora funde em sua voz a aspereza do Nordeste, sua origem, à sensualidade e doçura com que embala amores. Menina magricela – igual ao irmão, Caetano Veloso, de Santo Amaro da Purificação, no interior baiano, Maria Bethânia imitava cantoras famosas como Dalva de Oliveira e Ângela Maria. Sonhava em ser bailarina, trapezista e sonhava, principalmente, com o palco. E assim foi. Considerada uma das nossas melhores intérpretes, Bethânia é a nossa estrela maior e como toda estrela, ela completa mais um ano de vida. Não é qualquer cantora que chega aos 71 anos de idade com uma carreira turbinada e sendo adorava e requisitada por muitos. O Mais Cultura Brasileira e seus leitores orgulhosamente parabeniza a Abelha Rainha por mais um ano de vida! Viva Bethânia!

Maria Bethânia – 71 anos
Por Marcelo Teixeira

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Elis, trilha sonora do filme: mais uma obra de baú


Elis: CD de baú
Salvo pela ótima e excepcional interpretação de Andréia Horta, o filme Elis (2016) não tem nada de especial. Venhamos e convenhamos que o filme é mais um musical do que um filme propriamente dito, em que contasse as verdades de Elis, os julgamentos pessoais, o verdadeiro nascimento de uma estrela, seus verdadeiros amigos, suas inimizades musicais e pessoais, o caloroso amor por Milton Nascimento, a relação com os filhos, o desafeto com Tom Jobim e Chico Buarque, o rancor por Nara Leão e Maria Bethânia, o amor incondicional por Rita Lee e Gal Costa e o amor platônico por Clara Nunes. Cadê Tim Maia? Cadê Samuel Wainer, seu último namorado e que a vira estirada no chão do apartamento da rua Doutor Mello Alves, nos Jardins? Cadê a verdadeira história? Não houve nada disso e o público fora subestimado a assistir um musical reproduzido dos palcos brasileiros para as telonas. A qualidade do filme é excelente, as cenas são primorosas, a luz está perfeita, a direção foi impecável, mas o essencial faltou: não retrataram a vida de Elis conforme o enunciado. Trataram seu lado musical. Esqueceram de colocar suas famosas entrevistas, suas diversas frases de efeito moral, seus pensamentos acerca da música, seu carinho por João Bosco. E cadê a passagem com as drogas? Cadê o envolvimento rápido e conturbado com Fábio Junior e Guilherme Arantes? Não houve nada disso. Para além do filme houve o acontecimento rápido de se lançar um disco: tudo foi proposital. Primeiro lançam o filme mediano e em seguida um CD com os melhores sucessos da cantora. É sempre assim. Mas não trata-se de um grande filme (reitero que a interpretação de Andréia Horta e a direção estão impecáveis, mas faltaram argumentos para ser o filme do ano) e não trata-se de um grande disco. As prateleiras terão apenas mais um disco de coletâneas de Elis Regina com uma capa diferente. Porém, o que não foi retratado civilizadamente no filme foi colocado propositadamente no disco, como a faixa em que Nara Leão canta Borandá (1964) e Cartola interpretando O sol nascerá, registro também de 1964. Se a intenção era fazer um filme para homenagear uma das maiores cantoras do Brasil, o tiro saiu pela culatra, porque falta informação decente e coerente para com a artista que revolucionou a música brasileira e se tornou uma das maiores vozes do mundo através de sua garra e determinação. Faltou entusiasmo, carisma e o principal: a vida da artista. Para quem acompanha a carreira da cantora certamente ficou descontente com o resultado final, mas a ideia  central aqui é resgatar Elis para o público novo, para que sua imagem seja lembrada à nova geração. Portanto, tudo errado na diagramação de Elis. Por que não fizeram tal qual o filme Piaf – Um Hino ao Amor, em que retrataram fielmente sua ascensão e sua decadência, seus amores impossíveis e nostálgicos? Tanto tentaram camuflar a vida de Elis e seus turbulentos momentos de crise que o filme logo cairá no esquecimento e o CD com a trilha sonora logo será artigo de arquivo no baú.


Elis – o filme (trilha musical)
Nota 4
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O estado de poesia de Chico César


Chico César e sua poesia
Chico César é um dos melhores cantores e compositores de seu tempo e a prova disso é a quantidade de discos lançados sempre com a excepcional excelência de músicas consagradas e pelo aporte de cantoras que já o gravaram. Seu estilo vai muito mais além de Mama África, música que o consagrou e o revelou da Paraíba para o Brasil inteiro, fazendo de sua carreira um arsenal de metáforas consagradas. Chico César é um raro tipo de cantor que tem na veia a verdadeira música de raiz, brasileira, típica e nordestina. Estado de Poesia (2015 /Urban Jungle – Natura Musical / 24,00) é mais que um disco de músicas inéditas de Chico César: é um expoente de poesias catalisadas de um homem paraibano que consegue transpassar sua leitura através de sentimentos próprios e com significações alheias.  Estado de Poesia reflete o momento atual de Chico: mais poético, mais harmonioso, delicioso de ouvir e que une a delicadeza de ritmos brasileiros com a sonoridade universal, contendo, no mesmo disco, ritmos como samba, forró, toada e reggae, características unilaterais que sempre regeram a vida artística de Chico. Estado de Poesia se iguala a outros discos importantes na carreira do cantor, como Respeitem Meus Cabelos, Brancos (2002) e De Uns Tempos Para Cá (2011) tamanha a sua força poética, lírica e unilateral.  Vale lembrar que a faixa-título do álbum foi gravada por ninguém menos que Maria Bethânia no DVD Carta de Amor, como celebração de sua amizade com o artista paraibano. E não é nenhum segredo o amor que a cantora baiana tem pelo Chico. Estado de Poesia é um disco que fala de amor, de amor próprio, de licença poética, de vida, de união. Expoente natural da cultura brasileira, Chico César nos brinda com mais um disco autoral, perfeito, sem retoques e com a sinfonia fina de sua rica intelectualidade.

 

Estado de Poesia (2015) / Chico César
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 6 de agosto de 2016

Adeus, Vander Lee!


Vander Lee: morte precoce
Vander Lee não era um cantor muito conhecido do público em geral, mas tinha a o seu público especial, aquele público que acompanhava de perto a carreira do artista, que sabia de cor suas letras e não perdia seus shows. O cantor não tinha uma grande voz, não era popular, não era famoso, mas conseguiu fazer de sua música um instrumento de trabalho poderoso, cuidadoso, corajoso e audacioso. Mesmo não tendo uma voz característica de grandes artistas de seu tempo, ele sabia como hipnotizar seus ouvintes da melhor forma possível: através de sua composição certeira, arisca, rica. Foram poucas canções em uma carreira marcada pela amorosidade à música brasileira, mas destas, podemos dizer que foram suficientemente francas no ponto de vista solitário de um artista neutro, imparcial, não popularesco. Vander Lee teve pouco tempo de vida, morreu jovem, começou tarde na música, mas angariou letras sensacionais que em pouco tempo arrebatou nas vozes de Alcione, Leila Pinheiro, Gal Costa, Maria Bethânia, Rita Benneditto. Foram músicas fortes que falavam de Deus, romantismo, sinceridade e uma profusão de ideias e pensmentos e frases e amores que apenas Vander Lee conseguiu extrair de sua mente em ebulição. Saí de cena um musico exemplar, de uma categoria ímpar, de uma finesse perfeita para ficar em nossas lembranças um artista único, completo, sensível, amável. Mais conhecido por seus versos que falavam do amor cotidiano, Vander cantava sua singeleza como elemento de sua música autoral. Ele tinha 19 anos de carreira, nove discos gravados e sua madrinha era ninguém menos que Elza Soares!

 

Adeus, Vander Lee
Por Marcelo Teixeira

 

sábado, 30 de julho de 2016

Liniker - cantor e cantora ao mesmo tempo!


Liniker: ousadia e novidade em 2016
Sempre venho batendo na mesma tecla de que a música popular brasileira precisa de renovação e essa renovação não está apenas no sentido figurado de cantar, de compor ou de estar presente na representação conjunta de todo o conteúdo formal de musicalidade. É preciso uma reinventação única, capaz de nos hipnotizar, nos impactar, nos catalisar numa singela força de expressão, que nos faça arregar os olhos, abrirmos as bocas, arrepiar nossas peles e nos fazer sairmos do espetáculo com a mente inquieta, insana, cheia de música boa e com imagens jamais repartidas, quebradas ou esquecidas. Liniker nasceu homem, se comporta como homem, tem voz de homem e se apresenta como homem transvestido de mulher. Não chega a ser uma aberração para ninguém, mas Liniker soube provocar a ira de muitas pessoas ao se apresentar numa forma espontânea, capaz de nos prender o fôlego e prender a respiração tamanha a sua participação no palco, na música que canta e naquilo que produz. Liniker nasceu com o nome Liniker e é esse mesmo nome que o consagrou para que a música o revelasse ao Brasil com toda a sua formosura e sua docilidade em poder cantar suas canções numa totalidade máxima entre o prazer e o sabor de cada palavra soltada ao vento. A plateia delira, os músicos se rebelam ao bel-prazer geral e todos entram no clima. Sendo um misto de tudo aquilo que o Brasil já produziu de bom e da melhor qualidade artística, Liniker é o cantor de protesto que mais bem representa, nos dias de hoje, a sua verve artística, não se comparando com o fenomenal Filipe Catto e muito menos com o cafona Johnny Hooker. Ele é mais do que isso e seu testamento é maior que sua veia musical. Liniker pode ser uma miscelânea de tudo aquilo que já vimos anteriormente: um pouco de Luiz Melodia, uma pitada generosa de Itamar Assumpção, um sal de Maria Bethânia, um doce de Gonzaguinha, um gosto de Tulipa Ruiz, um  tempero de Rita Lee, uma gosto de Sandra Sá, um bocado de Tim Maia, um pedaço de Clara Nunes, um sorisso de Elis Regina, um canto Dolores Duran. Liniker é uma surpresa notória dentro da MPB e seu canto ecoará por muitos anos e ultrapassará fronteiras. É um cantor de verdade, com vontade própria, luz própria, sentimentos próprios e com carisma de artista generoso. O seu jeito feminino de cantar não assusta, pois sua música é muito maior que qualquer vestimenta ou adereço peculiar. Liniker é um cantor que já nasceu pronto, que tem astúsia pronta e que precisa ser ouvido o mais depressa possível.

Liniker – cantor e cantora ao mesmo tempo
Por Marcelo Teixeira

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Cantada: um disco arrastado, mas sútil de Adriana Calcanhotto

Disco experimental de Adriana
Há muitas singularidades informais no disco de Adriana Calcanhotto lançado em 2002: a começar pela título Cantada e pela boca com batom vermelho, o álbum também passei entre o nostálgico e as incertezas do amor, da paixão e do sentimento a dois. Não posso tirar aqui a qualidade musical de Adriana, mas posso conceber-te um apreço menor em notas comparando este com os seus trabalhos antigos e, automaticamente, posteriores. Não trata-se aqui de um disco maravilhoso, pautado entre as melhores rimas ou os melhores tinos poéticos, mas Adriana nos entregou um disco arrastado, cansativo na sua formalidade e pouco expressivo. Mesmo sendo um disco romântico e com levada mais pop que os anteriores, Adriana deixa a desejar em canções que poderiam ser melhor trabalhadas e melhor adaptadas. Os acertos foram poucos, mas consideravelmente aceitos, caso das músicas Depois de Ter Você (cantada anteriormente por Maria Bethânia) e Noite, em que a poesia de Adriana reina absoluto. Cantada (2002 / BMG / 27,99) é um disco mediano, bonitinho mas sem exageros, que passaria despercebido se não fosse algumas canções muito bem selecionadas para este projeto.  Sendo seu sexto álbum de carreira, a cantora apostou em sonoridades experimentais e evidencia mais o pop aqui que em discos mais autorais, o que fica evidente em releituras de Madonna e a sua entrega apaixonante e resistente à música Pelos Ares.  Seja como for, o disco de Adriana Calcanhotto não é dos melhores, não é o melhor de sua carreira, mas vale a pena ouvi-lo por ser um disco atípico, experimental e artistico no visual. Mesmo sendo arrastado e cansativo, vale a pena prestigiar a obra de Adriana nem que seja para acompanhar sua carreira.
 

Cantada / Adriana Calcanhotto
Nota 8
Marcelo Teixeira

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A irônia sem humor de Johnny Hooker


Johnny Hooker: imperfeito
Ainda que restem alguns cantores bons na música popular brasileira, alguns medíocres cismam em serem chamados de cantores pela mídia ou críticos da arte de cantar. Se o antigo causa um cansaço visual, musical ou atemporal para alguns, o novo causa uma sensação de frescor, jovialidade e desejo pelo que vai vir, pelo inesperado, pela desenvoltura. Mas nem sempre o que está no passado nos deixa com o ar cansado e nem sempre o novo nos causa uma sensação de alívio: muitas vezes o novo não nos surpreende, não nos detém aquela sensação de magia, de puro ar renovado, nem espanta com sua magnitude. Sim, pode causa espantamento pelo conjunto da obra, pela música inacabada, pela vestimenta, pela estranheza. E é justamente isso o que alguns críticos de música vêm fazendo atualmente: abortando muitos cantores bons e dando vida a muitos cantores sem fundamentos. Que a música brasileira sempre pediu socorro, isso sem dúvida todo mundo sabe, mas fazer com que a inteligência humana seja medíocre perante a intelectualidade crítica é padecer no inferno mais profundo do universo. O cantor, ator, compositor, diretor, artista e palhaço Johnny Hooker é de Recife e está sendo considerado um dos melhores cantores de sua geração, sendo ovacionado em casas lotadas e recebendo prêmios em que Maria Bethânia, Chico César e João Bosco já ganharam. O que causa estranheza nisso tudo é que Johnny Hooker não canta, não interpreta bem suas músicas e ironiza a todo custo com o sentimento alheio e isso faz com que a plateia entre em delírio constante, pois música que é bom, não há! Lançando Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito (2015 / 27,99), Hooker se mostra imperfeito e desqualificado em sua função maior, que é o de cantar. Considerado como a categoria Rock Nacional, o cantor se perde em letras que buscam o surrealismo das coisas mais simples e elenca para a atmosfera carnal a revolta que o próprio sente dos amores que não deram certo em sua vida. Prova maior disso é o título irônico e vil de sua primeira obra musicada. Se levarmos em conta sua performance no palco, podemos dizer que ele pincelou um pouco de Ney Matogrosso, Maria Alcina e Itamar Assumpção e tentou utilizar a voz de Filipe Catto, cujo é uma das mais belas do momento. Agora pense tudo isso em Johnny Hooker: uma perfeita assimetria entre o ruim e o péssimo, entre aquele que ele desejou ser e não o é. Ney, Alcina, Catto e Itamar (em memória) são referência musical de qualidade e os comparar a Hooker é um grande erro, pois desmonta qualquer tipo e forma de musicalidade. A voz anasalada, a carência de personalidade e a falta de estrutura assistida de Hooker me causa uma revolta profunda, pois enquanto muitos cantores bons estão na estrada fazendo música do mais alto quilate, me surge um cantor medíocre, sem escrúpulos e sem competência para poder ser chamado de cantor.


Johnny Hooker
Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito (2015)
Nota 0
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O mediano álbum Partir (2015), de Fabiana Cozza


Fabiana e seu disco novo: fraco
Fabiana Cozza é uma das cantoras mais respeitadas de todos os tempos dentro da música popular brasileira e nas rodas de samba de prestigio e categoria e seu nome hoje está associado às grandes damas da música nacional, estando ao lado de bambas como Clara Nunes, Alcione e Dona Ivone Lara. A cada disco lançado, Cozza tem uma inspiração nova, um motivo que a leve a cantar mais e melhor e com seu novo lançamento não fora diferente. A inspiração desta vez é a Bahia de todos os santos, solo por onde aportaram os primeiros navios negreiros no Brasil. Partir (2015 / Trattore / 29,00) não é o melhor disco de carreira de Fabiana, mas é o CD que mais se aproxima de sua religião, de sua encantadora fé e de sua respeitada vida. São ao todo 14 faixas embaladas por canções de todos os tipos de reza e oferenda e a voz de Cozza impera quase que triunfal por toda a atmosfera que o álbum exige. O álbum faz com que Fabiana transporte o ouvinte da África à Bahia num piscar de olhos, com suas danças, rodas e cantigas que ressalta a levada do Recôncavo Baiano até a nota mais importante de todo o lirismo saudosista que perpetua o disco. Mesmo com o aval de Maria Bethânia saudando o álbum como sendo um disco da maior competência de todos os tempos, tendo uma cantora com a voz lisa e clara, reconheço que há falhas redundantes neste, que poderia ser o melhor disco, de fato, da carreira de Fabiana Cozza (o melhor ainda é Quando o Céu Clarear, lançado em 2009). Buscando na evocação da ancestralidade africana o seu porto seguro (Clara Nunes sempre fizera isso em discos memoráveis), Cozza tentou rebuscar nas canções a sofisticação em um repertório simples para uma causa nobre: errou ao tentar fazer um disco surpreendente e fazendo deste momento um rechaçado canto superior de seu talento. Sem falar na capa, com um misto de tristeza fúnebre com um olhar perdido, olhando o nada, o vazio, o irreconhecível. Partir tem sons sutis, suaves, joviais e talvez esse seja o diferencial na carreira de Fabiana, que já vinha em outros discos explorando mais seu lado teatral com dosagem de uma grande voz. Mesmo não havendo lugares-comuns em algumas canções, Partir merece um pouco de atenção nas faixas Chicala (João Cavalcanti) e Entre o Mangue e o Mar (Alzira E. / Arruda), mas ressalvo: Partir não é o melhor disco de Fabiana Cozza, muito menos entrará na categoria de melhores discos do ano de 2015.


Partir (2015), o novo disco de Fabiana Cozza
Nota 7
Marcelo Teixeira

domingo, 23 de agosto de 2015

1980 foi o ano de Rita Lee?

Rita é Lee
1980 foi o ano de Rita Lee, mesmo tendo como concorrente grandes cantoras da categoria de Maria Bethânia, Gal Costa, Alcione, Clara Nunes, Elis Regina. Detentora única do rock brasileiro, Rita Lee já demonstrava que seus discos seguintes seriam pautados dentro de um segmento voltado para a ironia fina de um humor rebuscado, colocando em prática toda a sua sagacidade espontânea que a consagrou como artista. Rita Lee lançou um disco longe de ser intelectualizado demais, correto demais ou puritano demais: esse é um dos melhores e mais preciosos discos de toda a carreira da já considerada Rainha do Rock Nacional. Desfilando um enxoval de sucessos, como Baila Comigo, Nem Luxo Nem Lixo, Caso Sério, o disco, que vem como título o nome e sobrenome da cantora, também é popularmente conhecido como Lança Perfume, música que abre o álbum. Cantando maravilhosamente bem, o álbum Rita Lee (1980 / Som Livre / 29,99) alçou a carreira da cantora para a Europa e a América do Norte, fazendo com que a cantora adentrasse definitivamente no showbizz como uma das compositoras mais influentes daquele ano. Mas é correto eu afirmar que o ano de 1980 fora realmente de Rita Lee? Óbvio que esse questionamento é errado em ser afirmado por qualquer crítico de música, mas vale lembrar que Rita lançou um disco que não continha apenas um ou outro sucesso, mas sim, todas as faixas foram cantadas e recantadas por todas as faixas etárias, sendo uma epopeia de musicalidade de boa categoria de uma expoente do rock. Se em 1978 Rita veio com Babilônia, disco que trouxe poucas melodias ditas ótimas, Rita Lee trouxe um desfiladeiro de eternas canções, que ainda hoje, mais de trinta anos depois de seu lançamento oficial, continuam na boca do povo com um ar de saudosismo. Aquele ano de 1980 estava revolto: Elis não tinha lançado um bom disco, Clara Nunes estava em festa com seu álbum, Gal Costa brilhava com sua voz cristalina, Maria Bethânia lotava os teatros nacionais, João Figueiredo era o Presidente do Brasil, Chico Buarque enlouquecia a todos com a Geni e o Zepelin, o cantor Raimundo Fagner conseguira se desligar do Ceará e ganhar o Brasil por inteiro e Rita Lee lançava o disco que revolucionaria seu mundo e o mundo de muita gente.  A turnê Lança Perfume lotou as casas de shows do Brasil e sua música ficara mais rica e mais autoral. Sendo assim, Rita passou a ser pertencente a um grupo em que a boa música pediria passagem e entraria definitivamente para o rol das grandes artistas nacionais. Todos os anos são os anos de Rita, mas 1980 foi o seu ano, com um disco sensacional e que não pode ficar fora da coleção de qualquer colecionador ou amante da MPB e do Rock Brasileiro. E é por esse motivo que Rita é Lee.
Rita Lee (1980) / Rita Lee
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 18 de julho de 2015

Vamos comer Caetano?


Caetano: seu talento é muito maior que a foto nú
Em seu livro Verdade Tropical (1997 / Companhia das Letras), Caetano Veloso disse em uma das passagens que já era famoso o suficiente para ser reconhecido nas ruas, apontado e comentado nas mesas de bar por conta de seu comportamento e de sua música. Isso fora nos idos anos de 1960. Passados mais de cinquenta anos, o mesmo Caetano Veloso continua sendo reconhecido, apontado, comentado e agora criticado por quase tudo o que faz ou pensa em fazer. Foi assim que muita gente se assustou quando lançou o (excelente) Zie e Zii (2009), em que disse escancaradamente na música Indiferente, que não acreditava em Deus e muita gente ficou indignada com tal revelação; quando o mesmo Caetano gravou um CD com Maria Gadú, em que ambos trocavam experiências no palco, cantando um o repertório do outro e que para muita gente a junção da dupla não soou muito bem; quando Caetano cantou A bossa nova é foda foi um arroubo de insatisfação entre as pessoas (mas essa mesma palavra, foda, fora a responsável por alavancar as vendas e a popularidade do cantor com o excelente e indispensável Abraçaço, lançado em 2013); ou quando Caetano resolve postar suas fotos nas redes sociais. Tudo o que o cantor e compositor baiano faz vira motivo de indignação por parte das pessoas iletradas deste país chamado Brasil. Primeiramente, quem o critica não o conhece. Segundo que quem não conhece a obra de Caetano não merece criticar a postura do cantor. Terceiro que Caetano pode tudo, até postar uma foto de cueca e meia preta ao lado de Carla Perez e de seu marido Xande. Nada contra a rainha do Tchan, até mesmo porque depois que Carla Perez deixou o grupo que a revelou e passou a usar mais a cabeça, passei a ter mais respeito por ela, mas Caetano Veloso está no momento em que ele pode tudo no alto de seus 72 anos. Além de ser um dos cantores do primeiro time da MPB, o cantor pode falar palavrão no meio de uma música (isso ele fizera muitas vezes), pode cantar com quem quiser e pode postar a foto que quiser. Gal Costa já cantara com os seios à mostra e teve uma capa de disco censurada, Maria Bethânia teve parte dos seios expostos em capa de disco, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Milton Nascimento já posaram a deriva de suas cuecas. Por que Caetano não pode posar com a sua cueca? Acho ridículo a postura de alguns apresentadores, jornalistas e críticos de música que foram para seus postos de trabalho denegrir a imagem do cantor apenas por causa de uma foto! A música de Caetano e sua inteligência estão muito acima de qualquer tipo de foto que venha a ser publicada. Não há nada de anormal com a foto, senão o ato de encontrar os amigos num momento de descontração. Caetano é preciso ser degustado, visto, admirado, ouvido, afinal, ele é um produto brasileiro. E como bem disse Adriana Calcanhotto no CD Marítimo (1998), vamos comer Caetano, vamos degusta-lo.

 


Vamos comer Caetano?
Marcelo Teixeira

sábado, 11 de julho de 2015

O culto a voz de Maria Bethânia


50 anos de Maria Bethânia na MPB
Ao longo de sua carreira, a cantora Maria Bethânia se mostrou como uma interprete maior de sua arte, de sua música, de sua veia cênica e de sua voz. Seu talento nunca foi questionador, mas sempre foi motivo de sondagens por cantoras em início de carreira. Pautada entre o certo e o incerto que dá certo, Bethânia é uma das raras cantoras que consegue comover o Brasil com sua voz poderosa e sua presença marcante de palco. Não é qualquer cantora que consegue chegar aos 50 anos de carreira sendo elogiada por quem realmente entende de música: para se chegar a essa idade comemorativa, é preciso muita disciplina, muita dedicação, meta e foco. E tudo isso Maria Bethânia conseguiu fazer com uma maestria impecável. O título deste artigo foi tirado do livro Verdades Tropicais (VELOSO, Caetano ,  Companhia das Letras, 1997, pag. 58), de onde o cantor e irmão Caetano revela que antes mesmo de Bethânia ser uma cantora profissional, ela já impactava o público com sua voz. O livro, em sua primeira parte, é um retrato fiel das andanças de Caetano e Bethânia por Santo Amaro, na Bahia, e pelo desamor da cantora pela Bahia; assim como posso retratar o livro como sendo um tributo de proteção do irmão para com a irmã e, por final, posso atribuir o livro como ilustração de Caetano defendendo a irmã como sendo uma artista nata dentro de sua própria casa e cujo a viu nascer, crescer e cantar. Maria Bethânia queria ser atriz depois que vira em sua terra natal alguns filmes europeus; se encantara com o mundo de Clarice Lispector e Fernando Pessoa e ao mesmo tempo era sondada a cantar em noites de estreia teatral na coxia e com as luzes apagadas e, assim, havia um mistério enorme em torno da imagem dela. O mistério sempre rondou a vida de Bethânia e o culto em torno de sua voz passou a ser, profissionalmente, como um mantra, uma reza e uma oração aos amantes de sua arte. Mas Bethânia é justamente isso: um misto de cultura, uma assombração de mistérios, uma divindade da música popular brasileira. O primeiro contato com Clarice Lispector foi aos quinze anos, quando leu, emocionada, Legião Estrangeira, publicado na extinta revista Senhor, tendo em vista que o irmão era leitor fervoroso da publicação. Maria Bethânia ficou tão embriagada com esta leitura, que resolveu mostrar sua paixão e sua loucura pela literatura hermética de Clarice. Desta troca de cumplicidades nasceu uma amizade entre a escritora e a já consagrada cantora de MPB, que tinha, entre seus amigos, Vinicius de Moraes, Gal Costa, João Gilberto, Gilberto Gil entre outros. Clarice não perdia os shows de Bethânia: Maria Bethânia é faíscas no palco, dissera a escritora quando a cantora encenou o show Rosa dos Ventos. Não é difícil imaginar que a carreira brilhantemente construída por Bethânia tenha o consentimento de Caetano Veloso para uma visão solidão de profissionalismo dentro da música. No livro isso deixa evidente, mas a própria cantora foi a mentora de sua própria vida artística, cultural e pessoal. São cinquenta anos de música dentro de seu próprio país, dentro de seu segmento, dentro de sua história. Aqui tudo se entrelaça, desde a literatura, a poesia, a música, a voz de Bethânia como um trovão emergente. Ao ouvirmos Bethânia, temos a nítida certeza de que a música está a salvo de tantas ignorâncias musicais que assolam atualmente a cultura de todos nós: graças a Bethânia, somos obrigados a concordar que a música popular brasileira é rica de qualidade, categoria e civilização. Há na cantora uma sombra assustadora de energia positiva, capaz de nos enrolar em um manto azul e branco sagrado de proteção contra mazelas estereotipadas e desengonçadas. Garanto que não é qualquer cantora que chega aos cinquenta anos de carreira sendo coerente com sua musicalidade e com sua motivação em cantar e inspirar novas cantoras e com o respeito para com a música popular brasileira. O culto ao canto de Maria Bethânia é muito mais que isso.

O culto ao canto de Maria Betânia
Marcelo Teixeira

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

As emoções de Maria Bethânia ao cantar Roberto Carlos

As canções de Roberto por Bethânia
Não é tarefa para qualquer um cantar as músicas de Roberto Carlos com tamanha emoção e dedicação, ainda mais um disco inteiro. Escolher a dedo apenas onze faixas de um acervo de mais de quinhentas músicas é padecer em qualquer lugar quente deste planeta, mas Maria Bethânia conseguiu este feito ao lançar o audacioso projeto As canções que você fez pra mim (1993 / Polygram / 19,99), disco praticamente raro de encontrar hoje em dia. Trata-se de uma grande homenagem da cantora ao cantor e compositor Roberto Carlos, de quem Bethânia se considera fã. Maria Bethânia sempre foi dotada pelo respeitoso repertório daquilo que canta e ela sabe que canta com maestria, sofisticação, austeridade e potência sem deixar que o romantismo piegas dos tempos áureos se percam. A impressão que transpassa do disco para nós e, obviamente, de Bethânia para o disco, é que tudo foi feito com a sua forma e jeito, sem pressa e sem o apego das opiniões futuras: Maria Bethânia cantou aquilo que queria e pronto. Jogou no disco todo o seu respeito e amabilidade para com a obra de Roberto e fez tudo com muito amor e carinho, sem pensar no destino final. E, claro, o resultado soou como sendo um dos melhores discos da cantora, batendo recordes de vendas e fazendo com que a Abelha Rainha saísse ainda mais vitoriosa no circuito nacional. Do título às canções posteriores, tudo se enquadra perfeita e milimetricamente na voz da cantora, sem deixar que a conjectura do amor ou do falso amor falasse mais alto. Das dores de cotovelo ao amor surreal, as canções escolhidas casam-se diretamente com aquilo que foi sublinhado por Roberto e Erasmo Carlos no passado: Bethânia apenas colocou sua voz naquilo que já estava batido, mas não velho, dosando lirismo e poetismo, amor febril e amor puritano. A forma habitual das músicas cantadas por Maria Bethânia na sua pluralidade maior e na oração à mensagem fazem das rimas um par perfeito entre a emoção da canção e a fineza da alma lírica musicada por dois gênios românticos brasileiros. Maria Bethânia, no ar de sua graça e na leveza de seu espírito, transforma As canções que você fez pra mim em uma aula de etiqueta musical, tendo todo o reverberamento, a fenda e a quebra de sua personificação como grandeza maior.

 

As canções que você fez pra mim (1993) / Maria Bethânia
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Por que Jair Rodrigues não poderia morrer?


 


Jair: sempre eterno
Jair Rodrigues foi um músico espetacular, de uma fineza sem constestamentos e um cantor extremamente brasileiro. Sua morte foi um abalo geral para todos nós, que não esperavámos por ela: dentro de sua casa, no seu lugar preferido, Jair estava morto. O clichê é gritante, mas faz parte: morreu o homem, mas não a sua voz, a sua trajetória de vida, o cantor. A voz de Jair estará sempre ecoando por este Brasil que não conhece o Brasil, em cada esquina e em cada coração brasileiro. Mas Jair era um cantor que não poderia (nem merecia) morrer. Jair era a parte viva de uma MPB morta. E era justamente por sua memória que o cantor não poderia morrer tão cedo. De todos os cantores que mais bradavam sobre os festivais da TV Record dos anos de 1960, a amizade com a cantora Elis Regina, o início do rap no Brasil, os encantamentos de uma música sertaneja, o samba, os amigos que não comentavam mais nada sobre a música do passado, tudo isso Jair contava em rima e prosa e agora tudo se calou. Jair Rodrigues gostava de contar os bastidores daqueles tempos áureos e tinha muita coisa na bagagem para ser contada ainda, mas o destino o quis calado. Assim como no último show de sua vida, registrado em Minas Gerais e que conta particularidades de Elis como se fosse um sussurro, Jair tinha muitas histórias e notas para contar. Morreu sabendo que fora feliz e que era um dos cantores de maior grandeza da música popular brasileira. Morreu no melhor momento de sua vida: trabalhando e fazendo samba. Assim como Caetano Veloso gosta de comentar o início da Tropicália e o movimento dos festivais, Jair Rodrigues também gostava de falar abertamente sobre tudo aquilo com sabedoria e maestria. Calou-se a voz de Jair aos 75 anos e espero que Caetano não se cale, embora já tenha quase 71 anos! Diferentemente de Gilberto Gil, Gal Costa ou Maria Bethânia, Caetano gosta de relembrar fases daqueles tempos em que lutar pela sobrevivência de uma boa música era significado maior de uma cantoria melhor para futuramente poder se expressar com o passado numa forma direta e franca. E assim como Jair, Caetano também tem cartas na manga ainda. Chico Buarque não fala praticamente mais nada sobre o tempo dos festivais; Geraldo Vandré não se mostra mais em público e nem em entrevistas; Nara Leão morreu; Roberto Carlos não fala mais de Jovem Guarda, embora Erasmo Carlos tenha boas recordações e cartas na manga também. Morreu o patrono do fino da bossa, morreu o menino pobre que vencera na música e se tornara amigo de uma das maiores intérpretes do país, morreu Jair Rodrigues no momento errado. Com a morte de Jair, a música fica mais pobre, mais cinza e mais triste, obviamente. Mas a morte de Jair traz outro significado ainda maior: aquietou-se o moleque cantor mais feliz da MPB e calou-se os bastidores de um festival!



 

Por que Jair Rodrigues não poderia morrer?
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Vanessa da Mata erra o som outra vez




Não segue o som, Vanessa!
Sinto uma enorme saudade da Vanessa da Mata que conheci em 2002, quando ainda era uma novata cantora que queria ser a salvadora da música popular brasileira, que encantava com seu canto, com suas letras, que abocanhava grandes nomes da música (como fizeram Maria Bethânia, Caetano Veloso e Chico César) e que era mais timida, recatada e solitária. Sim, Vanessa da Mata compunhava com vontade, voracidade e verdade, adjetivos raros em sua carreira ultimamente. Não que ela estivesse enfraquecida com os discos após o lançamento deste que levava o seu nome, mas nem todas as músicas seguintes agradariam aos seus fãs posteriores. Vanessa deixou de ser uma cantora de nome forte para ser uma cantora de MPB qualquer, compondo aqui ou ali umas músicas bacanas e fazendo de sua voz um arsenal de tiros de misericórdia. Lançando Segue o Som (2014 / Sony Music / 24,90), Vanessa da Mata deixa a desejar.  E muito. As músicas aqui cantadas não ecoam como no primeiro grande disco, não batem forte em nossos sentidos, não trazem mensagens positivas ou agradáveis, mas deixa um ar de insatisfação. Segue o Som é um disco de misturas eletrônica, pop, reggae, dance music e a voz de Vanessa soa cansativa, irritante e derivada de ajustes eletrônicos para se sair bem. Depois de Vanessa da Mata (2002), a cantora teria um grande momento em sua vida ao lançar Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias (2010), em que cantava com uma jovialidade e uma serenidade inacreditáveis, tendo a participação até mesmo de Gilberto Gil encerrando uma das faixas mais encantadoras do álbum. Teria Vanessa da Mata entrado para o time das cantoras desgastadas da MPB ou estaria passando (por que não passeando?) pelo mundo fantástico do ostracismo imaginário? As canções de Segue o Som são contagiantes do ponto de vista comercial, alegres e auto-astral, porém, parece que todas as músicas foram feitas no mesmo dia, na mesma calibragem e no mesmo sentido horário: as batidas e as melodias são uniformes, parecendo que não há interrupção de uma canção para outra. A música Toda Humanidade Veio de uma Mulher não tem ritmos, assim como Rebola Nêga, a melhorzinha do disco, que soa como se a cantora estivesse errando as notas ao cantar (característica de Vanessa, que já fez isso várias vezes em shows ao vivo). Homem Preto é uma canção legal, tem uma pegada mais romântica, mas que não leva nada ao nada com sua voz estridente e custosa. E as canções em inglês dão o recado de que talvez Vanessa queira adentrar no mundo internacional, assim como já tentara com o álbum Sim (2007), mas sem grandes alardes. Do mesmo modo como acontecera com o disco de 2007, Vanessa trouxe para o álbum atual as questões que martelam dentro de sua cabeça com relação as causas sociais existentes ao redor do mundo, como forma de politizar esses assuntos. Como uma salvadora das causas impossíveis no mundo musical, a cantora peca ao adentrar em pautas como o amor passeando por lugares distantes e imprevisíveis, como canta na música capenga Por Onde Ando Tenho Você. Por vezes, sentimos que Vanessa não consegue mais compor ou a impressão maior que passa é que o disco foi feito às pressas, para que pudesse estar na próxima novela qualquer. Assim como aconteceu com Essa Boneca Tem Manual (2005), Segue o Som também foi feito para ser um disco meramente comercial, sem se importar com as letras aqui produzidas. O apelo é forte e Vanessa não soube aproveitar o momento para fazer um grande disco. Já tinha dito que a superficialidade da cantora ao lançar um disco em projeto com uma grande marca de cosméticos para homenagear Tom Jobim, disco este lançado em 2013 pela mesma gravadora em parceria com a Jabuticaba, era crescente e gritante e aqui a superficialidade continua em alta, deixando em baixa toda a pluralidade que Vanessa conseguiu atrair no início de carreira. Chega a ser caricato ouvir frases do tipo fique aqui, tome alguma coisa, converse pra se distrair, vai ver que sou uma menina, só quero me divertir, cantada na música Toda Humanidade Veio de Uma Mulher, que abre o disco. Confesso que não entendi o teor do álbum e qual a sua mensagem maior, mas confesso que os últimos trabalhos de Vanessa da Mata, a garota pobre de Mato Grosso que conseguiu driblar o pai rigoroso do sertão para se tornar em uma das maiores cantoras do país, estão deixando e muito a desejar, abandonando assim um estilo único e próprio de mostrar sua musicalidade, que era plausível e admirada. Por esse motivo e por todo o seu comercialismo desprovido de intelectualidade musical, por favor, não seguem o som de Vanessa agora.

 

Segue o Som (2014) / Vanessa da Mata
Nota 6
Marcelo Teixeira

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Os oásis de Maria Bethânia


 

Os oásis de Bethânia reunidos
O 50º álbum de Maria Bethânia, Oásis de Bethânia (2012 / Biscoito Fina / 35,00) vem com força total e com um tom de desabafo e fúria por parte da interprete de Cárcara, tamanha a voracidade com que as palavras são jogadas da boca da cantora. A prova maior disso é a regravação de Calúnia, do repertório de Dalva de Oliveira: a letra nervosa já avisa quisestes ofuscar minha fama, até jogar-me na lama só poruq eu vivo a brilhar; sim, mostras-te ser invejo, viraste até mentiroso, só para caluniar. Outro momento de desabafo é Carta de Amor, que, apesar do nome, é na verdade, um aviso dizendo Não mexe comigo, que eu não ando só. Em seguida, santos, entidades e até Jesus, entre muitos outros, são invocados em sua proteção, culminando no fim em um discurso em que afirma que esta pessoa que está tentando derrubá-la não passa de um nada. Maria Bethânia surge ainda mais forte neste disco, depois de lançar inúmeros discos igualmente fortes, com sua voz potente e cortante, mas neste mesmo disco há espaço para interpretações de cunho mais denso e emocional, que é especialidade de Bethânia, como a sensacional Casablanca, de Roque Ferreira e Vive, composta por Djavan. Com este novo trabalho, florido e forte Bethânia reafirma-se como intérprete maior deste Brasil. A sua presença e trabalho ainda é de grande relevância para a nossa música popular, queriam ou não. Oásis de Bethânia se aproxima da literatura, sem afastá-la da música e esse lirismo faz toda a diferença aqui.  O tal oásis de Maria Bethânia fica no sertão, com seu silêncio, seu céu limpo, gente digna e a proximidade de Deus. Com mais de 47 anos de carreira, a cantora lança um disco intimista, como uma capa e cores diversificadas em suas dez faixas e com um sabor de quero mais. O CD traz os seus preferidos Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, além de Jota Velloso (seu subrinho), Djavan (34 anos depois do estouro de Álibi) e dois clássicos: Calúnia, já citado acima e Lágrima, de Orlando Silva. O disco é um dos melhores lançamentos da cantora, que já não precisa mostrar a ninguém sobre sua carreira, trabalho ou algo. Basta fechar os olhos e ouvir os oásis de Bethânia.

 

Oásis de Bethânia / Maria Bethânia
Nota 10
Marcelo Teixeira