sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Encerramento Mais Cultura! de 2012


Hora de ler um bom livro: descanso
Em seu primeiro ano de críticas e elogios ao mundo da música, dos cantores, compositores e discos em geral, o Mais Cultura! se manteve antenado com o que é novo, com o que foi sucesso, com os lançamentos antigos e com os discos que não caíram muito em meu conceito cultural e ainda há muito o que se comentar, resenhar, desdenhar e escrever sobre este amplo mundo da música popular brasileira. Manter um blog não é uma das tarefas mais fáceis, mas a vontade de divulgar a cultura, angariar mais pessoas ao meu redor para que conheça artistas esquecidos, discos com garantia de qualidade e músicas com um sabor de quero mais, falaram mais alto e tenho a certeza de que consegui fazer ao menos um pouco de felicidade tanto para mim quanto para algumas pessoas. Este blog nasceu para dar continuidade na cultura brasileira. Em seu primeiro ano, o Mais Cultura! figurou entre os blogs mais lidos sobre música, segundo os resultados do google e suas pesquisas. O Brasil ainda lidera a visitação, mas vêm seguido por Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Hollanda, Equador e China. Fiquei realmente surpreso e maravilhado com esta sequencia de países e isso demonstra que consegui ultrapassar as fronteiras dos meus próprios méritos.

O blog cresceu e quase não tive tempo para escrever meus artigos adequadamente. Por um momento, pensei em escrever dois ou três artigos semanalmente, mas isso seria inviável. Com a coluna As 20 Maiores Cantoras dos Últimos 10 Anos da MPB, o blog teve um dos acessos mais respeitáveis, tendo 90% de acessos diários. Uma unanimidade, tendo em vista que a divulgação em massa do blog ainda não foi nem conquistada e isso está previsto para o primeiro semestre de 2013. E depois vieram outras colunas, pequenas, como o De Olho Neles, e colunas que obtiveram maior êxito, como a lista dos Piores Cantores do Brasil. Ganhei amigos, ganhei inimigos, ganhei honras e méritos e ganhei o acesso restrito de conversar com artistas que nunca pensei que um dia pudesse conversar ou trocar confidências, dar palpites e até sugerir um disco.

Para alguns, sou conhecido como o crítico que detona a Paula Fernandes e que vê em Maria Rita a cópia fiel da mãe, Elis Regina. Para outros, sou o fã da Clara Nunes e de artistas menos conhecidos do grande público e é justamente esta terceira opinião a que me agrada ainda mais, pois a ideia do blog nasceu justamente para isso, para demonstrar a qualidade musical de muitos brasileiros escondidos por este Brasil afora.

Para o ano de 2013, a polêmica começará cedo, com a coluna As 30 Maiores Cantoras de Todos os Tempos e já tenho a lista completa e sei que causará polêmicas pelas cantoras citadas. Outras colunas estão no páreo, como a continuação da lista dos piores cantores que estará ativa e mais novidades surgirão no decorrer do próximo ano.

Me despeço de 2012 com a alegria e satisfação que somente um blog pode me proporcionar, com a grandeza de ilustres da música brasileira lendo meus artigos e tendo o pleno conhecimento de meu trabalho e com a consciência de que ao menos tentei levar um pouco de cultura e musicalidade a quem acompanhou o blog. Com tantos altos e baixos na música num todo, com o aparecimento de novos nomes na MPB, com os valiosos discos lançados por medalhões, com artistas póstumos completando 70 anos e outros vivos com a mesma idade, pude acompanhar os ritmos, as cadencias, as músicas e a perda de quem tanto lutou por uma cultura melhor e digna, como a cantora, apresentadora, atriz e multimídia, Hebe Camargo.

Encerro 2012 com a certeza de que o caminho a seguir para o próximo ano é de muito trabalho, mais conquistas e muito profissionalismo. 2012 foi perfeito. 2013 será mais que perfeito e dedico este ano de Mais Cultura! à todos que estiveram ao meu lado, me apoiando, dando dicas, sugestões valiosas de artigos sensacionais. Amigos e leitores: meu mais profundo obrigado.

O Mais Cultura! e, mais precisamente, o presidente e moderador deste blog, Marcelo Teixeira, deseja à todos um excelente 2013 e que possamos estar juntos divulgando a nossa rica cultura.

Um forte abraço,

Marcelo Teixeira.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sandra Duailibe em Paris com Antenor Bogéa


Sandra Duailibe
Quando uma grande voz invade os ouvidos do mundo, tudo é festa para nós, brasileiros. E quando se trata de uma voz marcante e sedutora, essa felicidade dobra e enriquece nossa alma e nosso brilho musical e batemos no peito e dizemos com todo o orgulho preso na garganta que somos brasileiros. Pois é com esta felicidade que venho trazer através do Mais Cultura! que a cantora que nasceu em São Luís, no Maranhão, mas cresceu no Belém do Pará, Sandra Duailibe está em circuito francês, de onde manda beijos acalentados ao crítico que aqui vos escreve. Sandra Duailibe é uma das cantoras que nos pegam pelo ouvido e adentra em nossos poros sem pedir licença, pois sua musicalidade inteligente e fascinante nos permite a isso. Em shows pela França com o cantor e compositor Antenor Bogéa, Sandra é uma das brasileiras convidadas de honra do excelente músico, que também foi Diplomata em Paris, assumindo, assim, as relações culturais brasileiras em terras francesas em 1989, para participar de seus shows. Muito conhecido em Paris, Antenor é um cantor de excelente gabarito, muito conceituado e delicado na arte de produzir um disco. Vale a pena conferir seu trabalho e descobrir uma grande voz. E vale ressaltar também que os dois músicos, Sandra Duailibe e Antenor Bogéa são de São Luís do Maranhão e hoje dividem seus tempos diretamente de Brasília para o Brasil inteiro (e agora para o mundo inteiro). É com imensa satisfação que, através de uma cantora da estirpe de Sandra, eu venha conhecer e desfrutar da cultura de um homem refinado como Antenor.

 

Sandra Duailibe em Paris com Antenor Bogéa

Marcelo Teixeira

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Vida (1980), de Chico Buarque, revela a rebeldia política do cantor após o fim da censura


 

Autorretrato do artista
Com a abertura política do regime militar, deflagrada gradualmente a partir de 1978, Chico Buarque deixou de ser o autor proibido pelo regime, o compositor perseguido e de obra amputada pela censura. A obra discográfica, a teatral e a feita para o cinema, passaram a ter maior liberdade de expressão, deixando as metáforas implícitas, para a poesia da palavra mais visceral. Após a abertura, Calabar, peça proibida na primeira metade da década de 1970, foi liberada e encenada, em 1980. No contexto da amenização da censura, A Ópera do Malandro chegou aos palcos e aos discos na íntegra, sem pressões ou cortes. Chico Buarque vivia no fim daquela década, uma fase criativa inspirada por personagens retratadas nos palcos e nas telas de cinema. Criou trilhas sonoras inesquecíveis e definitivas, percorrendo através da poesia e da melodia, o universo feminino, existencialista e sexual, atingido a alma humana como poucos autores de MPB conseguiram.

Vida, álbum de 1980, traz as personagens de Chico Buarque direto dos palcos de teatro, das telas de cinema, para o universo da Música Popular Brasileira. A proposta iniciada com o disco Meus Caros Amigos, em 1976, adquire maior teor existencialista neste álbum, onde a imagem e a melodia travam uma instigante cumplicidade, revelando a maturidade de um compositor em busca da sua perfeição interior e do perfeccionismo estético. Cada faixa descortina um mundo contemporâneo, em que a tragédia das crônicas jornalísticas e o delírio do amor vivido ao extremo da paixão, caminham paralelamente em Mar e Lua e Eu Te Amo; a paisagem pitoresca de uma Angola incipiente e de um Brasil desnudado muito além dos centros urbanos, alinhavam uma estética poética humana em Morena de Angola e Bye Bye Brasil.

Personagens humanas, dramáticas, femininas e masculinas, intimistas e de extremos, são diluídas em melodias perfeitas e canções definitivas, que faz de Vida um dos álbuns mais belos e existencialistas de Chico Buarque. Com ele era enterrada para sempre a fase do autor proibido e censurado, agora livre para exalar as emoções poéticas, em uma nova forma de protesto, o do eu e do existir.

Produzido por Sérgio de Carvalho, Vida foi lançado no fim de 1980. O disco revela um momento de transição entre a abertura política e o fim gradual da censura política e moral. Como se ainda tateasse nos novos tempos, a mensagem das canções faz a ruptura com as limitações moralistas, passando levemente pelo protesto político, expondo o íntimo dos sentimentos, levados à exaustão das paixões, das incertezas dos atos de amor. A capa branca, trazia no centro o retrato de Chico Buarque, desenhado por Elifas Andreato, dando-lhe um ar penetrante, quase a saltar. Feito nos moldes do vinil, trazia doze faixas distribuídas em dois lados. Trazia arranjos luxuosos de Francis Hime em dez faixas; de Tom Jobim e Roberto Menescal em duas faixas.

Vida (Chico Buarque), canção que dava título ao álbum, abre o repertório. A música Geni e o Zepelim, tema do travesti Genivaldo, de A Ópera do Malandro, inesperadamente tornou-se um grande sucesso nas rádios da época, gerando polêmicas e a certeza de que a censura moralista havia chegado ao fim. A canção acabou por inspirar o espetáculo Geni, em 1980, de Marilena Ansaldi e José Possi Neto. Vida foi feita para a peça, como se fosse a apoteose final de Geni e o Zepelim. É o encontro do homem com o epílogo da sua consciência, uma retrospectiva instigante, profunda, sofrida, ao âmago da existência e das escolhas de uma vida, que, quando parece asfixiar, retorna de forma positiva. O encontro entre o limiar dos palcos da vida e o além das cortinas do desconhecido. O questionamento de todos ante os limites da alma e da sua essência. A canção começa com a voz intimista de Chico Buarque, explodindo em um final veloz, quase que de apoteose. Vida foi gravada por diversos intérpretes da MPB, como Simone e Maria Bethânia, mas a interpretação de Chico Buarque continua a ser a mais contundente, verdadeira e definitiva.

 

Vida, minha vida

Olha o que é que eu fiz

Toquei na ferida

Nos nervos, nos fios

Nos olhos dos homens

De olhos sombrios

Mas, vida, ali

Eu sei que fui feliz

 

Trecho de Vida, de Chico Buarque

 

A segunda faixa, Mar e Lua (Chico Buarque), também veio dos palcos, do espetáculo Geni. Inspirada numa crônica de jornal, que contava o suicídio de duas mulheres que se amavam e, discriminadas pela moral do lugar onde viviam, atiraram-se às águas de um rio. De uma forma poética, quase doce, Chico Buarque descreve o momento final desse amor clandestino, amenizando a morte com metáforas. É o amor que dilata a moral, perdendo-se no desespero das barreiras. A sexualidade é acentuada entre desejos impulsionados pela paixão proibida, pela sensação da natureza, sob o deslumbramento da luz da lua e a imensidão do mar dos preconceitos. A canção tornou-se um hino do amor lésbico, sendo gravada por vários intérpretes.

O samba modesto de Chico Buarque alegra o disco com a faixa Deixe a Menina (Chico Buarque). Os jogos de sedução e ciúme das rodas de samba; a beleza da morena e a ginga do seu samba a ofuscar o ciúme do marido, amuado pelos cantos, enquanto ela deslumbra os sambistas e os seus desejos. Irônico, divertido, o autor lembra que por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz, máxima que serve para todos aqueles que arriscam o amor de uma mulher deslumbrante.

E se o amor quando perde o esplendor dói, a sua perda corrói o sorriso, a superação do seu fim é o próprio renascimento dos sentimentos. Já Passou (Chico Buarque), descreve esse momento de alívio, em que a dor é substituída por uma alegria com cicatrizes, que nos faz respirar e ter a certeza de que sobrevivemos ao fim de uma paixão. Intimista, mas de palavras fortes, a canção é o universo de Chico Buarque na sua mais pura essência.

Bastidores (Chico Buarque), é quase um hino ao desespero diante do amor perdido. A canção foi feita para Cristina Buarque, irmã do autor, sendo também gravada por Cauby Peixoto. Foi na voz de um passional e eloquente Cauby que a música alcançou a sua verdadeira face, sendo um sucesso que se colou à pele do cantor. A interpretação de Chico Buarque é intimista, mas de um brilho ímpar, que só o seu autor pode dar. É um universo feminino, que se adapta ao universo dos amores conturbados das paixões entre iguais. A estrela, imponente no palco, desejada por todos, não passa de um eco do seu canto nos bastidores, com os sentimentos em carne viva, sofrendo pelo abandono. É no palco que ela dilui a dor da perda, encantando e seduzindo a plateia. É no seu desespero pulsante que a arte encontra a veia do carisma, a luz do canto e do palco.

Qualquer Canção de Amor (Chico Buarque), é uma daquelas canções menores dentro de um disco de grande esplendor. Intimista, é um jogo de versos e palavras que, sutilmente selam o valor da paixão dentro das melodias, os sentimentos cantados, jamais calados, não importando o autor, mas a mensagem.

E para amenizar todas as questões existencialistas levantadas nas faixas anteriores, Fantasia (Chico Buarque), chega como um carrossel que nos conduz a cantar pelo céu da poesia do autor. Palavras antes proibidas pela censura, como gozo no sentido de orgasmo, já não sofriam represálias. Um convite à distração da dor que nos aflige através do ato de cantar, de ouvir a melodia e percorrer sem medo a fantasia proposta, abraçar sem restrições, um álbum de rara beleza.

A música mais complexa do álbum é Eu Te Amo (Chico Buarque – Tom Jobim). Sob a regência e o piano de Tom Jobim, Chico Buarque fazia um dueto com Telma Costa. A canção foi feita para o filme homônimo de Arnaldo Jabor, protagonizado por Sonia Braga. Mais uma vez a paixão é mesclada por uma estética sonora e visual, evidenciada por um erotismo latente em cada verso, cada gesto que se pode visualizar e quase que sentir o odor dos corpos. Dentro de um quarto, os amantes perdem a individualidade, dilacerando os caminhos nos desenhos dos corpos, rompendo as saídas nas malhas da paixão. Se o amor é vivido de forma tensa, o fantasma da perda dispara suas garras diante do medo da separação dos corpos, da vida além do leito. É a paixão sem saída, vivida na plenitude do seu erotismo, no encaixe da sensualidade, na linguagem dos corpos e das metáforas, envoltas pelos objetos; sapatos, vestidos, paletós, revelam a paisagem dos amantes. Eu Te Amo é uma das mais belas canções do amor erótico feitas na MPB.

De Todas as Maneiras (Chico Buarque) é o retrato cruel do desgaste da paixão, do vazio dos sentimentos, vividos em uma intensidade que gerou a sua ruptura. No avesso dos sentimentos, palavras e agressões servem para o afago do que se rompeu, do momento de paz em que o amor é uma guerra. Gravada por Maria Bethânia, em 1978, no álbum Álibi, a canção não encontra a dramaticidade cênica da cantora baiana, mas não perde a intensidade diante do intimismo de Chico Buarque. Consegue um dos melhores momentos do disco, quase que inesperadamente.

Morena de Angola (Chico Buarque), gravada quase que em simultâneo com Clara Nunes, alcançou grande sucesso na voz da cantora. Era o primeiro contato cultural registrado em música entre Brasil e Angola, países de língua portuguesa, colonizados por Portugal. Recém independente, Angola era uma jovem nação que seria devastada pela guerra civil. Com um som a lembrar os ecos africanos, a canção trazia uma alegre paisagem da alma da mulher angolana. A canção foi composta após uma viagem do autor e de vários cantores a Angola, em 1980. O último verso faz uma homenagem ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), considerado subversivo pelo regime militar, por ser de esquerda e apoiado logisticamente por Cuba. Assim como Tanto Mar, a canção é uma homenagem às nações irmãs.

Bye Bye, Brasil (Chico Buarque – Roberto Menescal), foi feita sob encomenda, para o filme homônimo de Carlos Diegues. Conta-se nos bastidores, que Chico Buarque demorou a pôr letra na canção de Roberto Menescal; só entregando a composição já quando se encontrava em estúdio, pronta para ser gravada. Conta-se ainda, que trazia uma letra enorme, e que Carlos Diegues cortou a metade. Bye Bye Brasil mostra uma aquarela realista de um país plural. Através da visão de uma personagem ao telefone, o Brasil interior ou litoral, é descrito em suas várias faces. De beleza quase que épica dentro da MPB, traz uma melodia de diferenças sutis, difícil de ser interpretada, pois não tem um final, a letra é um convite à improvisação, quase que a terminar como começou, ou seja, com um belíssimo meio, e um final sem ponto. É o momento em que a ideologia transita no disco, com sutis referências a um Brasil poucas vezes retratado, ou mesmo cantado. Bye Bye, Brasil, já refletia como um moinho, os ventos da abertura pela qual passava o país.

O álbum encerra com a visceral Não Sonho Mais (Chico Buarque). É a terceira música do disco com uma vertente de inspiração homossexual. Feita para o filme A República dos Assassinos, em 1979, de Miguel Faria Jr, a canção relata o sonho de um travesti, no cinema vivido pelo ator Anselmo Vasconcelos, com o seu amado, um policial corrupto, pertencente ao esquadrão da morte. Odiado por todos, o amante é perseguido no sonho do amado, num dos mais violentos momentos da canção brasileira. Assim como em Geni e Zepelim, o autor utiliza metáforas escatológicas, muito em moda na época. Apesar do ritmo alegre e frenético da canção, a ironia da letra é servida crua, em carne viva, em uma violência explícita. No verso Comemos os ovo, propositalmente escrito fugindo da combinação do plural, mostra a castração feita sem piedade, sendo os testículos devorados, submetendo o amado a mais perversa das humilhações contra a virilidade. No fim, há o momento de conciliação, em que após um sonho tão cruel e libertador, o travesti volta à submissão do amado, e pede que não o castigue, pois não terá outro sonho tão devastador. Não Sonho Mais foi sucesso na voz de Elba Ramalho. Encerra convulsivamente o álbum Vida, sendo chancelada pela abertura política, longe da censura de outrora.

Vida é o álbum do existencialismo humano, das questões psicológicas que se nos intercalam. Das consequências das escolhas, da liberdade da sexualidade de uma geração que estava preste a sair de uma longa ditadura que duraria duas décadas. Era a MPB a ser porta voz daqueles novos tempos, e Chico Buarque o poeta maior do encontro sublime da palavra com a melodia.

 

Vida / Chico Buarque

Nota 10

Marcelo Teixeira

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O mundo dos cachorros, segundo Zeca Baleiro


Homenagem aos cães
O mundo dos cachorros nunca foi tão bem representado como o disco PetShopMundoCão (2002 / MZA – Abril Music / 29,00), de Zeca Baleiro, considerado pela crítica como sendo o seu melhor disco. Zeca Baleiro sempre foi pra mim um dos artistas mais criativos e originais de nossa época. Com sua mistura de samba, rock, rap e música eletrônica, sem a necessidade de ter um estilo próprio, ele consegue mesmo assim criar uma identidade única. Aqui temos mais um trabalho onde imperam as influências de música eletrônica e samba, flertando ainda com o rock e o rap, utilizando dos mais diversos instrumentos, como metais (flauta, sax, trumpete), violinos, corais, cantos gregorianos, beat box, tudo isto aliado às excelentes letras fazem deste o melhor trabalho que o compositor já fez. Com letras como Minha tribo sou eu, onde ele tenta fugir dos rótulos em um samba com levada tecno; Eu despedi o meu patrão, que acho que pode ser considerado o maior hino dos malandros desde Sossego do Tim Maia; Telegrama e Um filho e Um Cachorro, duas baladas ótimas bem no estilo do álbum anterior, Líricas; fica difícil destacar alguma música ou letra, já que todas tem seu charme se ouvidas com atenção. De início estas que eu citei são as que chamam mais a atenção, mas depois você vai percebendo as outras e fica difícil não querer ouvir o CD do início ao fim. As participações ilustres estão menores desta vez, ficam restritas aos instrumentistas. No quesito vocal, a única mais ou menos assim é a de Elba Ramalho na música Drumembêis. Já em As meninas dos Jardins e Mundo Cão temos a presença marcante do Rap que só Zeca Baleiro sabe misturar às suas canções e mais uma vez o compositor acerta em cheio.

Pra terminar o cantor mostra suas raízes africanas com duas canções que lembram os terreiros de umbanda: Filho da Véia e A Serpente (Outra Lenda), dois sambas de terreiro bem legais. Vale ressaltar o trabalho gráfico do CD, que vem com uma embalagem de luxo, e ainda traz um livro onde o cantor escreve sobre o processo de confecção deste trabalho, as participações especiais e traz muitas fotos legais.

 

PetShopMundoCão / Zeca Baleiro

Nota 10

Marcelo Teixeira

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Entrevista com Márcia Tauil


Márcia Tauil: humana e guerreira
Alcançando o quinto lugar na lista das 20 Melhores Cantoras dos Últimos 10 Anos dentro da MPB, Márcia Tauil é uma dessas cantoras que nos transmite uma energia positiva e duradoura, capaz de nos hipnotizar por longas horas com seu canto, com sua voz e com sua musicalidade. Dona de uma voz arrebatadora, cristalina e sutil, Márcia tem três belos discos no mercado fonográfico, Águas da Cidade (1999), Sementes no Vento (2003) e o mais recente, Elas Cantam Menescal (2012).  Cantou Chico Buarque, Simone Guimarães, Roberto Menescal, Eduardo Gudin, JC Costa Netto e faz de sua voz um arsenal a favor da música genuinamente brasileira. E é com grande emoção que o Mais Cultura! tem a honra de fazer uma entrevista com esta grande cantora, natural de Guaxupé, Minas Gerais, para o mundo, tendo em vista que seu CD Sementes no Vento foi lançado no Japão.

Com vocês, Márcia Tauil.

 

Entrevista com Márcia Tauil

 

Marcelo Teixeira - Qual foi a sua sensação ao gravar um disco como Sementes no Vento, toda dedicada ao cancioneiro de Eduardo Gudin e JC Costa Netto?

Márcia Tauil - Fiquei gratíssima aos dois por escolherem a mim como porta-voz de um trabalho tão significativo na Música Brasileira. A sensação foi de extremo reconhecimento e de carregar uma espécie de Bandeira da Qualidade da nossa Música.

Marcelo Teixeira - Você praticamente era uma cantora que não tinha acesso direto do público quando o disco foi lançado, em 2003, fazendo shows mais locais ou fora do grande circuito cultural. Sentiu essa tarefa de representar as músicas de Gudin e Costa Netto como uma responsabilidade?

Márcia Tauil - Demais. Responsabilidade, porém, muito agradável. É claro que cheguei a me assustar diante do presente tão grande que os dois me deram. O Cd foi extremamente bem recebido pela Crítica. Algumas delas me fizeram chorar de alegria. Esse trabalho me levou a um público maior, inclusive internacional, já que o mesmo foi também lançado no Japão.

Marcelo Teixeira - Seu primeiro disco, Águas da Cidade, foi lançado em 1999 e hoje encontra-se esgotado nas lojas. Tem pretensão de relançar o início de sua carreira musical?

Márcia Tauil - Claro!! Adoro o Águas, tem muita história de vida ali. Os vales cds, antes do Cd ficar pronto, as pessoas comprando, praticamente toda a primeira edição antes mesmo dele ser lançado, as canções que pude regravar (que eu armazenava em fitas cassete, quando era locutora em Rádio: Mambembe - Chico Buarque, Veneno - Pollacci e Nelson Motta, as apresentadas a mim por Costa Netto (parceria dele com Menescal: Magia e Estrada Delhi-Rio), que me aproximaram desse meu grande mestre Roberto Menescal. E também as inéditas como a que dá nome ao disco, e Feitiço (ambas de Kico Zamarian, sendo a segunda com letra de Veca Avellar) Feitiço, por exemplo tem bastante views no Youtube. (Em segundo lugar, porque em primeiro está o vídeo no qual canto "Você" com Menescal (dele e de Bôscoli).

Marcelo Teixeira - Seu mais recente trabalho, Elas Cantam Menescal, reúne quatro grandes vozes para homenagear um dos pais da bossa nova e para isso, você e o próprio Menescal compuseram a faixa Clube da Bossa. Como foi pra você cantar e compor ao lado deste ícone da música popular?

Márcia Tauil - Eu sempre digo que aprendi praticamente tudo com ele. Seu exemplo de dedicação, de vivacidade, de frescor, de humildade e carinho pela profissão e pelas pessoas é impressionante. Menescal já vinha me agraciando com sua companhia em shows e abriu mais este caminho em composição. Imagina!! Ser parceira dele! Agora, saber que estamos eternizados numa gravação, cantando juntos e ter, além disso, uma parceria com ele no Cd, torna legítimo o grande apoio dele para comigo (e para tantos outras artistas), e ainda é como se fosse uma assinatura dele, uma carta de apresentação,: "Olha aí, gente, a Márcia Tauil".

Marcelo Teixeira - Quais são suas inspirações musicais?

Márcia Tauil - O amor, a melancolia, o ritmo do mar, o caminhar do rio. Um sorriso, uma lágrima e tudo que se relaciona ao ensinamento musical que recebi em casa ouvindo Chorinho, Bossa nova, MPB, Sambas, Boleros, Anos 70.

Marcelo Teixeira - Uma cantora e um cantor.

Márcia Tauil (Aí é covardia, hem? Pode ser mais? risos) Elza Soares, Silvana Stiévano, Simone Guimarães, Gal Costa, Elis Regina, Tony Bennet, Zé Luiz Mazziotti, Frank Sinatra, Emílio Santiago, Caetano Velloso (olha: eu o assisti há pouco e ele deu aula, viu? Arrasou ao vivo), Renato Braz.

Marcelo Teixeira - Você conseguiu chegar ao quinto lugar na lista das 20 Melhores Cantoras dos Últimos 10 Anos aqui no Mais Cultura!, ultrapassando até mesmo Tulipa Ruiz, Bebel Gilberto, Bruna Caran e Tiê. O que você sentiu ao saber desta colocação?

Márcia Tauil - Enlouqueci!!!!!!!!!!!!!!!!!!! (risos). Foi muito gostoso. E essas manifestações nos levam em frente, sabe? Reitera que a Música vale a pena, que o caminho não é tão tortuoso, e que sempre haverá ouvidos para ouvir.

Marcelo Teixeira - Qual o seu próximo projeto musical?

Márcia Tauil - Estou gravando disco solo novo. Em shows, fui convidada por um grande violonista de Brasília para um projeto em 2013.

Marcelo Teixeira - Tem alguma cantora que gostaria de lançar um disco futuramente?

Márcia Tauil - Simone Guimarães, e achei sua ideia, num artigo que fez sobre Ceumar, em relação à junção de nossas vozes. Curti muito. Quem sabe?

Marcelo Teixeira – Espero mesmo que este disco com a Ceumar saia, vocês duas tem muito talento e este pensamento de juntar suas vozes saiu depois que vi sua foto num show dela e esses dias você resenhou uma letra pra ela, que é lindo de viver. Mas em seus projetos e planos, temos a chance de ver um show seu aqui em São Paulo?

Márcia Tauil - Sim!!!!!!!!!! Te conto ano que vem.

Marcelo Teixeira – Vou esperar com o coração nas mãos, Márcia. Muito obrigado por abrir um espaço na sua agenda para me conceder esta maravilhosa entrevista e confabular mais um pouco sobre seus planos e sua carreira. Um super beijo.

Márcia Tauil - Super grata, Marcelo. Beijos.

 

Aproveitando a deixa, ontem, dia 2 de dezembro, foi aniversário da cantora. O Mais Cultura!, os leitores, os fãs e eu, Marcelo Teixeira, lhe desejamos Feliz Aniversário, Márcia Tauil e que tudo de bom e do melhor venha acontecer em sua vida, que é sublime.

 

Entrevista com Márcia Tauil concedida ao Mais Cultura! por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Samba Passarinho (2005), de Péri: um disco essencial


Péri e suas belas canções
O samba não é carioca/ O samba não é baiano /O samba não é do terreiro / O samba não é africano. As palavras dos pernambucanos do Mundo Livre S/A, na canção O Mistério do Samba, traduzem: o samba é de todos e, portanto, de ninguém. O compositor baiano Péri retoma o ritmo, raiz dos sons do Brasil, e o traduz a sua maneira em seu novo disco Samba Passarinho (2005 / Trattore / 22,99). Depois de ter suas composições gravadas por estrelas como Margareth Menezes, Vânia Abreu, Ceumar e, mais recentemente, Gal Costa, que escolheu a bela canção Voyeur para fazer parte do seu novo trabalho, Péri lança agora seu quarto CD, intitulado Samba Passarinho. O cantor e compositor baiano radicado em São Paulo, apresenta, neste trabalho, 12 canções como samba reggae, samba duro, samba-de-roda, bossa nova, samba balada, samba-canção - dez delas autorais, uma do amigo e parceiro Péricles Cavalcanti (Dos Prazeres das Canções), e a regravação de Meu Mundo é Hoje, de Wilson Batista, sucesso na voz de Paulinho da Viola. A faixa de número treze é o remix da faixa-título, feito pelo DJ Chamberlain. Tudo isso e mais um pouco torna o disco imperdível!

 

Samba Passarinho / Péri

Nota 10

Marcelo Teixeira

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Eu Sou a Multidão (2003), de Vânia Abreu


São Paulo como poesia
Com fotos demonstrando a beleza e o lado cinza do Centro de São Paulo, Vânia Abreu chegou em 2003 com o belo disco Eu Sou a Multidão, depois de longas caminhadas entre sambas e músicas representativas sobre a MPB num todo. Esse disco de 2003 destoa sua singularidade de uma excelente cantora, vertente das poucas com qualidade técnica e vocal e que não se rotula em canções ou discos. Vânia é muito mais do que um produto fonográfico, muito mais do que uma beleza diferente e muito aquém de uma voz. Sua técnica vocal é tão assimiladora de aspectos sentimentais, que fica impossível não ouvi-la e se apaixonar por ela. Mas Eu Sou a Multidão tem que ser respeitado por ser um disco simples e belo, adorado e encantado, multifacetado e brasileiro. Depois de Seio da Bahia, um disco que, ao meu ver, é sua autobiografia, Eu Sou a Multidão a trás para um novo mundo, um lugar distante de sua terra natal, se distanciando cada vez mais da aba e de comparações com a irmã mais famosa, Daniela Mercury e se firmando como uma das novas expoentes da música genuinamente brasileira.

Abrindo com a faixa título, Eu Sou a Multidão revela a verdadeira São Paulo de todos os tempos, com suas estações de ano invertidas e a solidão de quem vive na maior metrópole do Brasil: São Paulo é assim retratada na canção de Marcelo Quintanilha e, por mais cinza que seja a cidade, mais bela ela se transforma e nada melhor do que o Centro Velho para retratar o disco, a canção e tudo o mais no disco contido. Seguindo para Imaculada Oração, uma divertida canção quase religiosa composta pelo competente Péri (Vânia adora gravar as canções deste sensacional compositor que está há anos na estrada e pouco conhecido). Esta canção destoa todas as tradições religiosas existentes e que abrangem tudo ao mesmo tempo em São Paulo: de um lado temos turcos, árabes, japoneses, negros, asiáticos e a canção ousada consegue exprimir toda esta religiosidade existente.

Minha Canção é uma canção pouco conhecida do cancioneiro de Chico Buarque e vale a pena estar aqui registrada pela singularidade que o álbum pede. Cantando com força e ousadia, a difícil e rebelde Minha Alma, do grupo O Rappa, destoa a impaciência que muitos tem para com os becos da sociedade, cujo muitos ficam impunes e outros livres e a graça da voz de Vânia faz com que a música eleve a autoconfiança da canção.

Vítor Ramil aparece com a sensacional À Beça, sobre perdas e danos, sobre com qual roupa sair para ir a determinado lugar de São Paulo, tudo exato e fora do lugar, como diz a canção, se tornando assim o ponto alto do disco. Meu Querido Santo Antônio é uma oração dedicada ao santo padroeiro do casamento, composta brilhantemente por Carlos Careqa, que conseguiu colocar em versos o desespero de uma mulher louca por um amor. Pra Falar de Amor é o segundo ponto alto do disco, composta por Tenison Del Rey e Paulo Vacon e demonstra todas as formas possíveis e variadas para se falar de amor, um ato quase inconsequente de todos os seres humanos e que por vezes pensamos numa forma qualquer de dizer frases amorosas, mas nunca sabemos qual. A canção, em alto astral, compila diversos tipos de dizer a frase amorosa certa, demonstrando vários caminhos.

Entre Nós é uma romântica canção de amor entre o achar e o perder e a música dos compositores Paulo Dafilin e Mauro Dall’acqua se torna um carro chefe para os românticos de plantão. Alcaçuz é a nitidez perfeita de Chico César e foi feita sob medida para que Vânia a cantasse com seu brilho e esperteza. Vale lembrar que Chico e Vânia são amigos há anos e ela sabe interpretar como ninguém suas belas canções. O Amor Foi Inventado é uma divertida canção composta por Tenison Del Rey, Jorge Zarath e Gerson Guimarães e demonstra todos os formatos a qual o amor foi inventado e para que foi inventado e que está dentro de todos nós numa forma embutida.

Fechando o disco com chave de ouro, temos a canção de Marcelo Quintanilha, De Volta ao Cais, como se estivesse remetendo Vânia a sua Bahia do disco Seio da Bahia, retirando a cantora como num sonho da São Paulo cinzenta e a levando para um horizonte qualquer de sua terra natal.

Um disco genuinamente brasileiro, cantado brilhantemente por uma cantora grandiosa chamada Vânia Abreu e que precisa ser lapidado, pois este disco é um verdadeiro arsenal de emoções.

 

Eu Sou a Multidão / Vânia Abreu

Nota 10

Marcelo Teixeira

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Quanta, de Gilberto Gil (1997): a obra-prima de um grande artista


Obra-prima de um mestre
Em 2006, Gilberto Gil nos presenteou com uma obra-prima digna de status de um verdadeiro soberano da MPB: o disco Quanta, com participação especial de Milton Nascimento e dedicação à Cássia Eller e Chico Sciencie. Para quem achava que os grandes ícones do país estivessem perdidos em seus tempos ou meramente apodrecendo em suas ideias, Gilberto Gil veio mostrar que sua intelectualidade refinada e suas belas palavras de efeito moral, forçaram tino qualificativo para um resultado espetacular, ganhando um Grammy e reverenciado no mundo todo. Polêmico ao seu jeito, Quanta veio venerar a ciência, o samba, os orixás e criticar severamente a imagem da igreja universal, cujo um bispo qualquer chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida em rede nacional.

Do forró ao axé verdadeiramente baiano, Quanta também homenageia Tom Jobim e Noel Rosa. Cantando as alegrias e tristezas de Cartola, o disco é um punhado de sensações adversas e que nos deixa a vontade a todo o momento. Com letras que nos fazem pensar, Quanta é um dos melhores discos da carreira brilhante do tropicalista Gilberto Gil num todo, pois parte da premissa de que o álbum nasceu simples e tomou dimensões diversas.

Gilberto Gil conseguiu exprimir ao máximo a sua acidez musical e destoou venenos para todos os lados. Não há um destaque só, mas sim, todas as músicas ganham uma atenção especial. A voz de Gil agrada, não cansa em momento algum e a expectativa da próxima canção é vital. Hoje o Mais Cultura! trás um dos melhores e mais aplaudidos disco de um dos cantores e compositores a qual temos que nos curvar e dizer amém.

 

Quanta / Gilberto Gil

Nota 10

Marcelo Teixeira

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Redescobrir revela Maria Rita como Elis Regina por um dia


O disco: poucos destaques
Para início de conversa, Maria Rita é apenas a filha de Elis Regina e nunca será uma nova Elis como andam dizendo por aí. Às vezes, ao fecharmos os olhos temos a sensação de que a voz de Maria Rita se assemelha ao som de Elis, mas esses momentos são raros, tão raros, que não merecem destaques. Pudera: Maria Rita nasceu do ventre de Elis Regina. São 30 anos de morte da maior cantora do Brasil e 26 anos separam mãe e filha, artista e aspirante a artista. Elis Regina é a maior cantora do Brasil. Maria Rita é apenas mais uma cantora do Brasil. Maria Rita bem que tentou, relutou, mas não conseguiu não regravar os sucessos que sua mãe deixou. Maria Rita sempre disse que não regravaria uma música de Elis em disco e isso não aconteceu em seus quatro discos anteriores, mas acabou gravando ora aqui ora ali músicas da mãe para alguns eventos e aparições em TV. Até aqui normal. Maria Rita não gravou sucessos da mãe nos quatro discos que gravou, mas regravou os amigos da mãe, como Milton Nascimento, Ivan Lins, Rita Lee, Gonzaguinha...

Os fãs de Elis sentiram-se órfãos com sua morte e não encontraram em nenhuma outra cantora sua imagem e semelhança e nem mesmo cantoras da estirpe de Gal Costa conseguiram suprir as necessidades artísticas de uma grande cantora. Milton Nascimento está à procura até hoje de uma nova Elis e, mesmo tendo gravado com diversas cantoras de excelente gabarito, sente-se frustrado por não conseguir o êxito maior em suas canções nas vozes femininas. E é justamente neste ínterim entre a morte de Elis e o surgimento de Maria Rita que os fãs de ambas não entendem: muitos veem em Maria Rita o renascimento de Elis, a feição, os traços, os trejeitos, mas Maria Rita só será Maria Rita quando encontrar o seu próprio caminho.

A voz de Maria Rita não é parecida com a voz da mãe. A feição é inevitável, o estrabismo também. O CD Redescobrir só veio a confirmar aquilo que eu sempre digo e bato na mesma tecla: Maria Rita é a cópia clara e obscura da mãe. Maria Rita imita Elis em tudo e isso também é inevitável, afinal, é mais do que normal os filhos serem cópias idênticas dos pais, o que não acontece com Jairzinho Oliveira, Max de Castro, mas acontece com Daniel Gonzaga, Leo Maia, Simoninha...

Mas Maria Rita ainda não encontrou o seu caminho e, para complicar sua situação, imita a mãe em inúmeros shows, fazendo caras, bocas, sustenidos, gracinhas e frases feitas como um gás lacrimogêneo no estomago. Sempre foi assim e sempre será, pois Maria Rita nasceu pronta para brilhar como cantora às margens da mãe, não tendo luz própria, não tendo características próprias como o irmão, Pedro Mariano, embora o mesmo tenha regravado ao menos um sucesso da mãe em todos os seus discos.

Redescobrir (2012/ Universal / 37,00) é um disco duplo com cores bem arranjadas, formato bonito, estrutura vital, bom acabamento, mas que não acrescenta em nada tanto na carreira artística de Maria Rita como para aficionados pela música popular brasileira. Para os jovens de hoje em dia, Redescobrir vale a pena como um produto novo, com músicas novas, como se fosse um marco zero e isso é muito benéfico para a carreira da cantora como para esses novos fãs. Mas para as pessoas que presenciaram Elis ou para quem acompanha a vida de Elis há mais de dez anos após sua morte e sabe praticamente tudo sobre sua vida e suas músicas, Redescobrir não significa absolutamente nada, a não ser mais um produto comercial.

O disco vêm como comemoração aos 30 anos de morte de uma cantora marcada por sucessos e por recaídas amorosas. Tudo iniciou como um show, mas já era possível prever que isso se transformaria em disco, claro. Tudo bem que o disco é uma sensação de emoções, mas há os contras e os poréns que este disco representa. Maria Rita regravou sucessos, músicas esquecidas e reverenciou, mais uma vez, os amigos da mãe, como Milton Nascimento, Ivan Lins, Rita Lee, Gonzaguinha...

Lembrando as fases do fino da bossa, da época dos festivais até chegar ao estrelato como uma verdadeira dama dos palcos, Redescobrir trás também o lado esquecido dos grandes clássicos de Elis, como faixas de discos estelares que o público de hoje desconhece, como Vida de Bailarina (música cantada por Ângela Maria, cujo Elis adorava tanto a cantora como a canção), Agora Tá, Onze Fitas, Querelas do Brasil, Doce Pimenta, Menino, Zazueira, Redescobrir. O público de hoje praticamente desconhecem estes sucessos de Elis e Maria Rita as canta de uma forma que lembra a mãe, com técnicas vocais muito parecidas. Destaque maior para a bela Bolero de Satã, numa interpretação magistral de Maria Rita, o ponto alto do disco.

Maria Rita pode dobrar e desdobrar as canções que a mãe cantou, pois ela é a filha da cantora que as cantou primeiro. Outra cantora qualquer sempre é mal vista quando regravam as canções que Elis imortalizou e lembro que Zizi Possi, que à época da morte de Elis era tida como uma nova Elis, fora muito crucificada com esta comparação. Maria Rita é apadrinhada pela mídia, pelos fãs e por saudosistas e estes praticamente não vêm riscos, defeitos e nem quebras no repertorio intocável de Elis. Maria Rita se salva por ser a filha.

O disco em si é mediano. Deve ser escutado apenas algumas vezes. Cansa ter que ouvir Maria Rita em 28 músicas ininterruptas. Definitivamente, Redescobrir não redescobriu Maria Rita, embora a palavra redescobrir pode significar muitas coisas: para a cantora, redescobrir o acervo musical da mãe e redescobrir o quanto o povo brasileiro ainda a idolatra e sente a presença da enorme grandiosidade de Elis, requer um redescobrimento muito mais atemporal do que qualquer outra coisa.

Trinta anos depois da morte de Elis, a filha trouxe a tona grandes sucessos, poucos conhecidos nos dias de hoje, compilando discos maravilhosos que a saudosa Elis nos deixou, mas houve erros drásticos quanto ao repertorio: a música Menino, por exemplo, não fora um grande sucesso na voz de Elis e sim, na voz de Milton, que o gravou no disco Geraes, de 1976. Do disco Falso Brilhante, gravado no mesmo ano com enorme sucesso de crítica e público lotado no teatro, veio apenas Como Nossos Pais e Tatuagem, sendo que as músicas de João Bosco do mesmo álbum foram muito mais marcantes pela dramaticidade. Assim aconteceu com Doce Pimenta, que não viria a ser um sucesso gravado por Elis e, sim, uma duplicidade com a amiga Rita Lee.

O que faltou em Maria Rita foi ousar. Chamar ao menos o irmão para dividir os vocais em algumas faixas, talvez, a qual sugeriria Águas de Março. Convidar os verdadeiros amigos de Elis, como Ivan Lins, Milton, Rita, João Bosco para um dueto. Essa ousadia não veio, não perdurou e o disco saiu cansativo. Claro, os sons são muito bons e as novas harmonias são sensacionais, mas faltou criatividade no formato geral. A impressão que nos passa, é que Maria Rita quis exclusividade ao fazer a passagem dos trinta anos de morte da mãe, da artista, da mulher, da guerreira, da Elis.

O que Maria Rita precisa redescobrir é a sua carreira, marcada com discos paupérrimos e com letras medianas. Redescobrir foi tudo aquilo que a mãe fizera em vida, seus trejeitos, suas notas, seus alcances vocais, seu público renovado. Maria Rita conseguiu o feitio de ser Elis por um dia, ser aclamada até por quem não curte seu trabalho e seu som e por quem ainda há de reconhecer que sua voz é um grito contra a efemeridade que existe por ai.

Redescobrir redescobriu Maria Rita por algumas horas. Elis é Elis. Maria Rita ainda precisa se descobrir.

 

Redescobrir revela Maria Rita como Elis Regina por um dia

Nota 7

Marcelo Teixeira

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A inimiga pessoal do artista: a pirataria


A vitrola de todos nós
Com esta onda de internets, downloads, sites que patrocinam músicas gratuitas para certos tipos de aparelhos de celular, o povo brasileiro (e talvez do mundo), está perdendo um hábito simples e que vem de nossos antepassados: a compra do material vivo, ou seja, a compra do CD e do livro. Com a onda de pirataria, que muitas vezes é impossível detectar, a indústria fonográfica e, principalmente o cantor, é quem sai perdendo nesta batalha boba e criminosa. Hoje, um determinado cantor faz sucesso com uma única e exclusiva música, deixando assim todo o resto do disco a ver navios e é justamente neste espaço de tempo que o consumidor adere à internet para baixar a música, esquecendo-se, assim, do produto por completo. Para um artista que passa meses com um projeto em mente, reformulando, trabalhando, ajustando, nada mais desagradável é saber que seu produto, seu único produto de venda, é fruto de marginais que pirateiam e vendem por míseros reais.

Não sou tão velho assim, mas tenho idade suficiente para carregar na memória os tempos de criança, em que pirataria praticamente não existia, os vinis eram tremendo sucesso e os compactos eram produtos gerados por artistas que vinham apenas com quatro músicas (recentemente Roberto Carlos utilizou deste recurso, mas o artista que veio com esta novidade foi o Chico César, quando trouxe ao mercado o irrequieto Odeio Rodeio, com a participação de Rita Lee). Naquele tempo, nós, crianças, não tínhamos acesso aos vinis de nossos pais, observando apenas de longe. E via nos vinis de papai uma beleza extrema, um plano de fundo inconfundível, um dos melhores lugares de minha casa. Cresci tendo como companheira fiel a vitrola, artigo tão raro hoje em dia, que quase entrou em extinção alguns anos atrás. Para quem acompanha o blog no Facebook, o símbolo da marca Mais Cultura! é representada por uma vitrola.

Sou do tempo da fita cassete, em que praticamente a pirataria passou a ter um pouco de retorno financeiro e como a inflação era gigantesca, muitos aderiram ao esquema. A fita cassete também se instalava e era um artigo de luxo e para poucos. A vitrola ainda era forte, mas com o tempo perdia o espaço para as malditas fitas cassetes, que sempre se enroscam, pulavam, queimavam nos aparelhos. Definitivamente, odiei as fitas cassetes. Com a chegada definitiva dos CDs, a pirataria veio à tona e o mundo pôde participar de um dos crimes mais comuns a quais todos tinham acesso e ninguém intervinha. Confesso que fiquei ainda mais indignado quando vi, no centro de São Paulo, vários camelôs vendendo livros de escritores famosos e CDs de vários cantores nacionais e internacionais.

O cantor Nando Reis fez algo realmente inovador para sair deste círculo chamado por estudiosos pueris como livre acesso para baixar músicas de graça pela internet e criou em seu site um aplicativo para que as pessoas comprem seu novo CD diretamente com ele. Ou seja, a preços populares que variam de semana a semana (às vezes oscila entre 16,00 e 25,00) o consumidor participa ativamente da negociação com o próprio Nando, fazendo deste negócio um lucro rentável, controlando assim a pirataria e os famosos downloads. Parece brincadeira, mas o cantor Nando Reis, depois de sucessos ao lado de Titãs, sucessos ao lado de Cássia Eller, Zélia Duncan e sucessos com Os Infernais, seja obrigado a ser um negociante para driblar a sua inimiga pessoal. Em suas palavras, ele virou um vendedor.

Chega a ser caricato, mas o meu tempo de criança foi perfeito. Hoje eu com 31 anos, tenho orgulho pela falta de tecnologia a qual vivi e a qual carecia de tantas informalidades que hoje penso que estava vivendo em Cuba dentro do próprio Brasil.

 

A inimiga pessoal do artista: a pirataria

Marcelo Teixeira