segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Olhos de Farol, o belo disco de Ney Matogrosso


Olhos de Farol são os olhos de Ney
Ney Matogrosso é sensível e sua sensibilidade está associada aos seus discos que, com sua sapiência e elegância, nos concede discos realmente deliciosos de serem ouvidos e que entram sempre para a galeria dos grandes discos do alto escalão da MPB. Olhos de Farol é um disco lindo, onde mais uma vez Ney Matogrosso traz vários autores distintos para seu garimpado repertório. O disco conta com muitos músicos da melhor estirpe, só pra citar alguns (fora os citados abaixo): Marcos Suzano, Leandro Braga, Zé Nogueira, Marcio Montarroyos, Arthur Maia, Serginho Trombone.

Miséria no Japão já tinha aparecido no disco do Pedro Luís e a Parede, mas vale o bis numa voz de verdade, mesmo eu considerando o Pedro Luís e A Parede muito legal, mas faltava um cantor de verdade para expressar a verdadeira emoção que a música quer transpassar. Com uma letra primorosa, refletindo sobre a percepção sobre riqueza e pobreza, Miséria no Japão reflete sobre tudo aquilo que o Brasil quer gritar, mas está sempre sufocado e Ney brilha com esta canção, demonstrando toda a sua versatilidade, mais uma vez, como um dos mais brilhantes artistas deste País.

 

Quem te disse que miséria é só aqui?

Quem foi que disse que a miséria não ri?

Quem tá pensando que não se chora miséria no Japão?

Quem tá falando que não existem tesouros na favela?

A vida é bela

Tá tudo estranho

É tudo caro

Mundo é tamanho

Trecho de Miséria no Japão, de Pedro Luís e A Parede

 

Na seqüência, uma do Paulinho Moska, Gotas de tempo puro, mais uma bela letra numa primorosa e redondinha sobre o amor. Vira latas de raça é uma boa surpresa por seus autores (Rita Lee e Beto Lee), além de ser mais uma boa canção com um pezinho na latinidade a la Santana pelo Ricardo Silveira (que também é responsável por vários arranjos), com letra citando o tropicalismo.

Novamente (do conterrâneo niteroiense Fred Martins e de Alexandre Lemos) é das mais bonitas do disco, uma sonoridade delicada e etérea, com uma percussão suave. Chance de Aladim (Luli) é suave, lenta, cheia de espaços. Uma das melhores letras do disco, vá ouvir e preste atenção! Poema tem uma origem curiosa, com a letra de Cazuza (parece que feita para a sua avó por ocasião de seu falecimento) musicada postumamente pelo Frejat (que também toca e programa loops por aqui!). Linda música sobre pequenas mortes cotidianas, internas e externas.

Chegamos a mais um dos pontos altos, Olhos de farol (Ronaldo Bastos e Flávio Henrique), sendo que esta poderia estar no disco anterior Cair da tarde, com seus arranjos quase eruditos e voz baixa. Mais uma linda. Depois melhora (Luiz Tatit) é tranquila e triste, poucos instrumentos, com delicadeza e o disco vai caminhando assim: não tem músicas ruins, nem pontos baixos!

Mais além (Lenine, Bráulio Tavares, Lula Queiroga, Ivan Santos) é sensacional! Cordas majestosas, dinâmica inteligente, letra viajante, piano belo, muitas coisas boas numa canção ótima. O som do mundo (Samuel Rosa e Chico Amaral) é popzinho agradável reggae, talvez umas das menos boas. Fazê o quê (mais uma do Pedro Luís) tem cara de sertanejo, viola e voz meio repente, mais uma boa surpresa.

E estamos chegando ao fim. Bomba H (Alzira Espíndola e Itamar Assumpção) não deixa a qualidade diminuir e é neste exato momento que sentimos uma falta danada de um grande homem, de um grande músico, de um grande e inesquecível cantor: Itamar. A cara do Brasil (Celso Viáfora, Vicente Barreto) determina pela letra que, entre outras coisas que definem o Brasil, aborda o futebol. Meio circense e divertida, apesar de séria.

 

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho

Ninguém precisa consertar

Se não der certo a gente se virar sozinho

Decerto então nunca vai dar

(...)

Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho

Que é o Brasil zero a zero e campeão

Ou o Brasil que parou pelo caminho:

Zico, Sócrates, Júnior e Falcão

Trecho de A Cara do Brasil, de Celso Viáfora e Vicente Barreto

 

E aí, qual é o seu Brasil?

 

Olhos de Farol / Ney Matogrosso

Nota 10

Marcelo Teixeira

Nenhum comentário: