terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetano Veloso - 70 Anos




 

Caetano: 70 anos
Caetano Veloso é a tradução de São Paulo e isso eu posso falar com toda a autonomia e autoridade, afinal conheço a cidade como um todo e nasci na maior Metrópole do País, assim como Rita Lee e mais alguns. Ele é o paulista mais paulistano que conheço: moderno e cosmopolita; triste e esfuziante; caótico e fascinante; brasileiro do interior que migra para cidade grande (como meu pai!). Homem simples e sofisticado (também como meu pai!). O pai de Caetano morreu em 1984 e desta triste e miserável morte nasceu a música O homem velho.  Meu pai morreu em 1986 e, quando me lembro dele, essa música toca na minha memória. O que é a velhice? Como lidar com a proximidade da morte? Como viver a velhice? Talvez eu não tenha estas respostas para as tais frases, mas sei que ser velho deve ser a melhor coisa, a nota máxima de uma vida, a estrutura de uma persona, a vida de sabedoria.
Caetano está completando 70 anos. Setenta anos de uma vida composta por música, letra, livros, sons, diversidade, poesia, Bahia, santos, religião, festa, Caetano. Como já disse Adriana Calcanhotto em música: Vamos comer Caetano, vamos desfrutá-lo. Setenta anos dando vida ao País, dando intelectualidade ao País, servindo o que há de melhor em questão cultural ao País, mostrando ao Brasil e ao Mundo o que é caetanear. Como ele mesmo diz, está finalmente entrando na velhice. Caetano está inteiro, transcendente, jovem e velho. Em um momento do filme, ele se queixa da perda da alegria do corpo jovem. Seus olhos transmitem uma certa depressão hoje em dia, também pudera, a música num todo andara se perdendo, mas mesmo assim há musicalidade em seus lábios. Tristeza em boa parte de si. Porém, não é uma tristeza estranha, depressiva. É simplesmente humana, delicada, pois aponta para o infinito de forma poética.

Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
 Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
 Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
 Já tem coragem de saber que é imortal

Trecho de O Homem Velho, de Caetano

Em se tratando deste vasto assunto chamado Caetano Veloso, a inteligência brasileira sempre oscilou entre a devoção absoluta e a crítica raivosa, ora cantando loas a seus grandes feitos, ora questionando suas habilidades na arte da entrevista, arte esta que ele soube desenvolver como poucos. Nas rodinhas de bate papo da zona sul paulista, Caetano chega a constituir um assunto em si, ao lado de temas mais genéricos como política e futebol. De um lado, aqueles que, como eu, adora tudo o que ele fala, escreve e canta, quase que incondicionalmente; de outro, os que até gostam dele como músico, mas preferem sustentar uma antipatia decorrente de suas provocações e, muitas vezes, de suas opiniões a respeito da política. Ocorre que, nos últimos anos, uma certa implicância com Caetano passou a ser hyppe, embora também tenha crescido o hyppe em torno de sua figura.

Odeio você
Odeio você
Odeio você
Odeio

Trecho de Odeio, de Caetano

Não há regravação que Caetano empreenda que não chegue perto da original, ou mesmo a ultrapasse, o que é muito raro (à exceção talvez do jazz): Jokerman, Totalmente demais, Samba e amor, Amante amado… Gravada para o álbum Qualquer Coisa, de 1975, refugada e relançada numa coletânea de raros e inéditos, Mamãe Natureza, de Rita Lee, constitui mais um exemplo da inesgotável força transfiguradora de Caetano Veloso. Do glitter rock da versão original, ficou apenas o rótulo: rock. A música começa com aquela característica batida de violão pós-bossa que ele e Gilberto Gil desenvolveram; Caetano acentua a sílaba se de sei (não sei se eu estou pirando…) e emenda o verso estou no colo da mãe natureza… com uma entonação mais suave; o violão executa uma progressão harmônica no verso eu sei que não adianta…, preparando para o instrumental matador que é deflagrado pelo discreto iê-iê-iê. No final, o abusado solo de flauta executado por Tuzé Abreu se degladia com a quebradeira generalizada realizada por Enéas Costa na bateria, Perinho Albuquerque na guitarra e no violão, Sérgio Barrozo no baixo, Tutty Moreno na percussão e o próprio Caetano no violão. Êxtase, nocaute poético, musical, conceitual… Tudo junto e misturado, como convém…

Veio um garoto do arraial do cabo
Belo como um serafim
Forte e feliz feito um deus, feito um diabo
Veio dizendo que sim
Só eu, velho, sou feio e ninguém

Trecho de Odeio, de Caetano


Mesmo na sua mais sublime idade, Caetano Veloso ainda insiste na palavra velho e, na bela música Odeio, do sensacional álbum (2006), nos dá a leve impressão de que o garoto mais novo é mais interessante que o velho. Não é bem assim que vemos Caetano, tendo em vista que no alto de seus 70 anos, ele continua a ser um homem charmoso, bem trajado, comunicativo, brincalhão, sensível, criança. Talvez a velhice o incomoda, talvez a palavra velho o irrite, talvez a morte o atormente, pois na música Homem, do mesmo álbum Cê, ele cita numa frase Só tenho inveja da longevidade e, indo mais a fundo na canção Não Me Arrependo, ele cita a frase nada, nem que a gente morra, desmente o que agora chega à minha voz.
Não adianta mesmo a gente chorar: Caetano é um só, um só pacotão contendo o roqueiro, o liberal, o vacilão, o tagarela, o gênio, o demiurgo, o sambista, o marketeiro, o comunista… É justamente esse poder de encarnar todas as máscaras, dissolvendo e transformando todas as identidades (o que eu chamo de diversidades), que caracteriza a sua arte. Se pudéssemos efetivar na vida cotidiana a liberdade que ele preconiza, nos guiaríamos menos pelas convicções do gosto e do hábito e abraçaríamos o impreciso (“viver não é preciso…”). Se esse poder extrapola a arte e atinge a vida, tanto melhor.
E tanto melhor Caetano fazer 70 anos, como fazer 80 em plena juventude e vontade de entreter ainda mais as pessoas com o seu cantar. O Mais Cultura! de hoje reservou este espaço para lhe dar os parabéns que você merece.

Caetano - 70 Anos
Marcelo Teixeira















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