Caetano: 70 anos |
Caetano
Veloso é a tradução de São Paulo e isso eu posso falar com toda a autonomia e
autoridade, afinal conheço a cidade como um todo e nasci na maior Metrópole do
País, assim como Rita Lee e mais alguns. Ele é o paulista mais paulistano que conheço: moderno e cosmopolita; triste
e esfuziante; caótico e fascinante; brasileiro do interior que migra para
cidade grande (como meu pai!). Homem simples e sofisticado (também como meu
pai!). O pai de Caetano morreu em 1984 e desta triste e miserável morte nasceu
a música O homem velho. Meu pai morreu em 1986 e, quando me lembro
dele, essa música toca na minha
memória. O que é a velhice? Como lidar com a proximidade da morte? Como viver a
velhice? Talvez eu não tenha estas respostas para as tais frases, mas sei que
ser velho deve ser a melhor coisa, a nota máxima de uma vida, a estrutura de
uma persona, a vida de sabedoria.
Caetano está completando 70
anos. Setenta anos de uma vida composta por música, letra, livros, sons,
diversidade, poesia, Bahia, santos, religião, festa, Caetano. Como já disse
Adriana Calcanhotto em música: Vamos
comer Caetano, vamos desfrutá-lo. Setenta anos dando vida ao País, dando
intelectualidade ao País, servindo o que há de melhor em questão cultural ao País,
mostrando ao Brasil e ao Mundo o que é caetanear. Como ele mesmo diz, está
finalmente entrando na velhice. Caetano está inteiro, transcendente, jovem e
velho. Em um momento do filme, ele se queixa da perda da alegria do corpo
jovem. Seus olhos transmitem uma certa depressão hoje em dia, também pudera, a
música num todo andara se perdendo, mas mesmo assim há musicalidade em seus
lábios. Tristeza em boa parte de si. Porém, não é uma tristeza estranha,
depressiva. É simplesmente humana, delicada, pois aponta para o infinito de
forma poética.
Os filhos, filmes, ditos, livros como um
vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo,
maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal
Trecho
de O Homem Velho, de Caetano
Em se tratando deste vasto
assunto chamado Caetano Veloso, a inteligência brasileira sempre oscilou entre
a devoção absoluta e a crítica raivosa, ora cantando loas a seus grandes
feitos, ora questionando suas habilidades na arte da entrevista, arte esta que
ele soube desenvolver como poucos. Nas rodinhas de bate papo da zona sul
paulista, Caetano chega a constituir um assunto em si, ao lado de temas mais
genéricos como política e futebol. De um lado, aqueles que, como eu, adora tudo
o que ele fala, escreve e canta, quase que incondicionalmente; de outro, os que
até gostam dele como músico, mas
preferem sustentar uma antipatia decorrente de suas provocações e, muitas
vezes, de suas opiniões a respeito da política. Ocorre que, nos últimos anos,
uma certa implicância com Caetano passou a ser hyppe, embora também tenha
crescido o hyppe em torno de sua figura.
Odeio você
Odeio você
Odeio você
Odeio
Trecho
de Odeio, de Caetano
Não há regravação que
Caetano empreenda que não chegue perto da original, ou mesmo a ultrapasse, o
que é muito raro (à exceção talvez do jazz): Jokerman, Totalmente demais, Samba e amor, Amante amado… Gravada
para o álbum Qualquer Coisa, de 1975, refugada e relançada numa coletânea de
raros e inéditos, Mamãe Natureza, de
Rita Lee, constitui mais um exemplo da inesgotável força transfiguradora de
Caetano Veloso. Do glitter rock da versão original, ficou apenas o rótulo:
rock. A música começa com aquela característica batida de violão pós-bossa que
ele e Gilberto Gil desenvolveram; Caetano acentua a sílaba se de sei (não sei se eu
estou pirando…) e emenda o verso estou
no colo da mãe natureza… com uma entonação mais suave; o violão executa uma
progressão harmônica no verso eu sei que
não adianta…, preparando para o instrumental matador que é deflagrado pelo
discreto iê-iê-iê. No final, o
abusado solo de flauta executado por Tuzé Abreu se degladia com a quebradeira
generalizada realizada por Enéas Costa na bateria, Perinho Albuquerque na
guitarra e no violão, Sérgio Barrozo no baixo, Tutty Moreno na percussão e o
próprio Caetano no violão. Êxtase, nocaute poético, musical, conceitual… Tudo
junto e misturado, como convém…
Veio um garoto do arraial do cabo
Belo como um serafim
Forte e feliz feito um deus, feito um
diabo
Veio dizendo que sim
Só eu, velho, sou feio e ninguém
Trecho
de Odeio, de Caetano
Mesmo na sua mais sublime
idade, Caetano Veloso ainda insiste na palavra velho e, na bela música Odeio, do sensacional álbum Cê
(2006), nos dá a leve impressão de que o garoto mais novo é mais interessante
que o velho. Não é bem assim que vemos Caetano, tendo em vista que no alto de
seus 70 anos, ele continua a ser um homem charmoso, bem trajado, comunicativo,
brincalhão, sensível, criança. Talvez a velhice o incomoda, talvez a palavra
velho o irrite, talvez a morte o atormente, pois na música Homem, do mesmo álbum Cê,
ele cita numa frase Só tenho inveja da
longevidade e, indo mais a fundo na canção Não Me Arrependo, ele
cita a frase nada, nem que a gente morra, desmente o que agora chega à minha
voz.
Não adianta mesmo a gente
chorar: Caetano é um só, um só pacotão contendo o roqueiro, o liberal, o
vacilão, o tagarela, o gênio, o demiurgo, o sambista, o marketeiro, o
comunista… É justamente esse poder de encarnar todas as máscaras, dissolvendo e
transformando todas as identidades (o que eu chamo de diversidades), que
caracteriza a sua arte. Se pudéssemos efetivar na vida cotidiana a liberdade
que ele preconiza, nos guiaríamos menos pelas convicções do gosto e do hábito e
abraçaríamos o impreciso (“viver não é
preciso…”). Se esse poder extrapola a arte e atinge a vida, tanto melhor.
E tanto melhor Caetano fazer
70 anos, como fazer 80 em plena juventude e vontade de entreter ainda mais as
pessoas com o seu cantar. O Mais Cultura! de hoje reservou este
espaço para lhe dar os parabéns que você merece.
Caetano
- 70 Anos
Marcelo
Teixeira
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