O rock na MPB de Caetano |
Quem
disse que o clássico tem que ser velho? Quem criou a diferença entre rock e mpb?
Quem foi que disse que os melhores discos do Caetano são os mais antigos? Acho
esta história de que o antigo é melhor, que o novo não presta e por aí adiante,
uma verdadeira balela, de quem não tem o que dizer, o que escrever e o que
achar. Caetano é Caetano. E tanto faz se seus discos antigos sejam bons, com
letras mais instigantes, com poesia mais rompantes, com a carnificina que só
Caetano conseguia impor naqueles anos. Hoje o velho Caetano ainda merece
aplausos efusivos sobre seus discos mais recentes, procurando aqui e ali se
firmar entre os mais jovens e a cultuar ainda mais os mais velhos. Tudo isso
com maestria. Caetano é Caetano.
Em 2006 Caetano lançou esse
petardo (termo sempre usado no rock, mas que merece aqui sua presença) disco
chamado Cê. Rock, mpb, excelentes composições, timbres surpreendentes,
vozes e melodias marcantes, espaços e silêncios entre os sons. Um clássico
quase instantâneo. Quase, porque o disco merece várias audições antes de se
apegar a ele. Claro que também admiro muito o trabalho dos anos 70 (claro que
também têm clássicos do próprio a serem postados aqui), mas em geral os
timbres, principalmente os de guitarra, são sofríveis. Que me desculpe o Genial
Lenny. Nos anos 80, pós-Liminha produzindo o Gil e depois do BRock, os sons
melhoraram muito. E o Caetano continuou a lançar excelentes discos.
Eu tenho uma viagem
recorrente matinal, naquele estado sonâmbulo quase lisérgico ao despertar: eu
ouço discos que não foram lançados, tipo Hendrix com Miles, Hermeto com Tom,
Janis com Lennon, Gil com Jorge (ops, esse existe...). E às vezes eu ouço o Araçá blues, agora com pro-tools, com
vozes de Carmen sobrepostas a loops de Timbalada, o silêncio de João mixado ao
virtuosismo de Pepeu, vozes de Orlando Silva e Caymmi fundidas com a de Janis
Joplin, um CD com 128 canais barrocamente trabalhados... Será que ainda ouvirei
esse neofonismo? (Adoro essa palavra! Vale uma música).
Mas vamos ao disco: inicia
com
Outro, com um riff básico e forte, como um bom rock tem que ser; traz
ainda a excelente frase feliz e mau como
um pau duro! Tem um solo de guitarra excelente e atípico nos discos do
Caetano. Na sequência muda o clima, minhas
lágrimas é cheia de espaços e silêncios, com uma guitarra presente e
discreta. Bonita.
Aí vem o primeiro orgasmo (cedo
demais?): Rocks, reta e poderosa, com
solo mete o dedo na guitarra com
feedback e tudo. Você foi mor rata comigo
é um excelente grito inimigo. Será que o Caetano pagou royalties ao Zeca? Deusa urbana pertence a linhagem de
músicas inspiradas em fêmeas. Belo é ver o medo exposto, a mucosa roxa citada,
uma guitarra com trêmolo e Overdrive. Waly
Salomão é mais uma marca que os poetas (o homenageado e o cantor) deixaram
pra nós, música tribal e boa, sentimental, bonita, carregada na emoção, uma
emoção capaz de corrermos em busca de quem partiu, de quem se foi, de quem
morreu. Waly!
Não
me arrependo inicia com uma citação de Walking on the wild side, de Lou Reed e
uma bateria que lembra a música anterior. Linda letra, sobre bons sentimentos
em fins de relacionamentos (tema sempre inspirador). Há aqui, e em todo o disco
talvez, uma tendência a interpretar a arte como autobiográfica (Caetano vinha
de uma separação). Acho irrelevante, além de inútil e desinteressante. Talvez seja
trabalho pra seu biógrafo. Musa
híbrida, dançante, com uma guitarrinha safada e tem uma levada
de bateria quase axé, uns falsetes quase gays, uma letra quase Carlinhos Brown.
Mas afinal o que significa ‘cúprica’? Segundo o dicionário, significa cobre.
Mais um orgasmo: Odeio, rockão,
guitarra obsessiva e insistente. Mas a música muda, oscila, acalma. Tem alguns
dos melhores versos do disco: todas ‘mucosas
pra mim’, ‘forte e feliz feito um deus, feito um diabo’, ‘só eu, velho, sou
feio e ninguém’, ‘veio e não veio quem eu desejaria se dependesse de mim’, ‘São
Paulo em cheio nas luzes da Bahia / tudo de bom e ruim / era o fim, é o fim,
mas o fim é demais também’. Uma guitarra esquizofrênica com filtro encerra
com chave de Hendrix.
Homem diz
o orgulho de sê-lo, e diz tudo e diz bem. Mas fica a inveja dos orgasmos
múltiplos. Fazer o quê? Gozar? O que é o tema da música seguinte, porquê?. Estar-se a vir seria algo como estou
gozando em Portugal. Vem acompanhada de um sotaque lusitano. Se eu fosse
produtor teria limado essa, pois ela soa meio cansativa com a repetição da
mesma frase por vários minutos. Embora no final ela soa engraçada. Apenas.
Um
sonho parece que traz Morelembaum de volta, mas é uma guitarra
em stacatto, bela música. O herói é
uma das minhas preferidas, tema épico, dinâmica, temática bandida, narrativa
que se aproxima do rap, vozes em dissonância de microtons no fim. Encerra
irritando. Caetano é Caetano. E ele pode fazer o que bem entender quando o
assunto é música. Caetano é rock and roll!!!!
Cê
/ Caetano Veloso
Nota
10
Marcelo
Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário