Algumas boas faixas. |
Comprei
este disco no embalo dos anteriores do Arnaldo, principalmente Um
Som (1998) do qual eu sempre gostei muito. Foi uma decepção. Na época,
tentei escutar umas três ou quatro vezes e o disco não desceu, não rolou aquele
clima, aquela sensação de divulgar, de mostrar às pessoas que o cara tinha que
ter saído dos Titãs muito antes, mas o disco não era nada agradável. Engavetei.
Anos mais tarde, ouvi uma de suas músicas (nem lembro qual) no rádio do carro.
Achei muito boa! Cheguei em casa pensando: Eu tenho o disco com essa música em
casa, tenho não? Coloquei o paradeiro pra rodar. E ele não parou. Agradável surpresa, está aí
um disco que envelheceu bem. Fui ouvindo e degustando faixa por faixa. O
problema (o meu) com o disco talvez tenha sido porque o Arnaldo resolveu
escapar da sonoridade que ele vinha polindo desde que saiu dos Titãs e que
culminou em Um Som. De repente, quando o negócio estava bacana, ele
resolveu, em vez de trazer mais do mesmo, (de leve) se reinventar e andar à
beira do precipício.
Começa pela produção:
Carlinhos Brown. Arnaldo desmontou a banda com a qual trabalhava (desmontou em
termos porque Scandurra aparece ainda bastante, enquanto que Paulo Tatit e Zaba
Moreau, aqui e ali) e juntou-se ao baiano para a empreitada. Na época ele já
circulava bastante com ele e a Marisa Monte. Ou seja, os Tribalistas já
existiam. Provavelmente por conta da presença do Carlinhos, o disco traz uma
sonoridade nova no catálogo do Arnaldo. Mais percussivo, mais sons, mais timbres.
Sem descaracterizar o som típico da sua voz grave centralizada, enquanto os
pequenos detalhes vão orbitando em volta.
Essa
Mulher seria a música perfeita se a letra não fosse um lixo. Música é o reino do implícito, do não
dito, do sugerido e ele opta por fechar este buraco com a letra. Talvez a
sacada foi colocar num formato pop esta letra que beira o panfleto.
A faixa que dá nome ao disco, Paradeiro, é a (minha) melhor música
do Arnaldo Antunes solo. Bem, nem tão só, a autoria é dividida com os tribalistas
Carlinhos Brown e Marisa Monte. Ela que o acompanha de maneira brilhantemente
apropriada nos vocais.
Haverá paradeiro para o nosso desejo
dentro ou fora de um vício
Uns preferem dinheiro outros querem um
passeio perto do precipício...
Uns vão de paraquedas outros juntam
moedas antes do prejuízo
Trecho
de Paradeiro, de Arnaldo, Carlinhos
e Marisa
A
vida é curta. Curta a vida enquanto ela se encomprida.
Sou fã de carteirinha dessa letra. Não lembro na música brasileira de ninguém
ter dado esse recado de maneira mais bela, e por incrível que pareça, mais
(in)direta. Se tudo pode acontecer, é
uma canção de amor, lindamente composta por um Arnaldo inspirado, que anos mais
tarde Adriana Calcanhotto regravou no belo disco Cantada, com versos que
remete a primavera do amanhecer de um acaso amoroso, de um semblante aflorado,
de um olhar qualquer. A letra é perfeita: se
pode acontecer qualquer coisa / um deserto florescer / uma nuvem cheia não
chover / pode alguém aparecer e acontecer de ser você. Linda balada, canção
delicada, com uma guitarra reversa do mestre Edgard, um belo solo de sax de
Roninho Scott, percussão na medida com Mr. Brown e a participação
especialíssima de Guga Stroeter no vibrafone.
Na
Massa é fruto de uma feliz parceria com Davi Moraes (a música
já aparecia em seu Papo Macaco). Lembra o pré-axé da Cor-do-som temperada com as
guitarras maneiríssimas do Scanda, fazendo contraponto à levada rítmica do
próprio Davi. Debaixo d’água é a
música com som disso mesmo. Brincadeira divertida com os nossos paraísos
utópicos, debaixo d’água tudo é maravilhoso, mas tinha que respirar! Seu
contraponto é o rap-candomblé Cidade. De novo mostra o Arnaldo quase
experimental, falando da cidade, dura realidade.
Cidade sem mar
mas com montanhas de neve de isopor
despedaçado sob o néon amanhecido
ruído de motor
Trecho
de Debaixo d’água, de Arnaldo
Mas não tinha que respirar.
Pelo menos não tem que ter esta preocupação (ainda): respirar é involuntário em
meio a este caos. E ainda na trilha da invenção, temos O Mosquito. Um trip-hop semiacústico. Gosto do som. Desentendo
completamente a letra.
Parceria de Arnaldo com
Paulo Tatit e Sandra Peres, Do Vento
já havia sido gravada pela Palavra Cantada num disco parceiro com as histórias
de Ruth Rocha. A intenção é (era?) o público infantil, mas essa música é uma
obra-prima. Linda melodia, uma letra que é um autêntico poema e o arranjo que
canta uma música que já tem tudo, sem acrescentar demais e sem roubar a ênfase
no essencial. Comentário embelezante,
este é outro ponto alto do disco. Essa música é aquela que eu queria ter feito.
E poderia morrer feliz.
Ainda canta Luzes de Paulo Leminski que ficou muito
legal numa levada multi violões. Essa noite vai ter sol é o comentário poético
sem juízo de valor sobre a intervenção do homem na natureza na forma de noite.
Aliás, depois do vento e da água, reparo que neste disco, Arnaldo trata dos
assuntos da natureza de uma maneira não dogmática, daí a parceria com Carlinhos
ter sido extremamente feliz: a banda que ficou no disco anterior tinha uma sonoridade
mais urbana, mais rock.
Atenção: essa vida contém cenas explícitas de tédio
no intervalo da emoção. Arnaldo adverte já na abertura do disco, em poema
musicado de Alice Ruiz. E este disco, quase que um retrato da vida, não poderia
ser diferente. Nem tudo é legal (aliás, uma tônica do trabalho do Arnaldo, que
gosta de misturar e, enfim, o resultado nem sempre agrada à todos), temos aqui
uns intervalos de tédio.
Escurissíssimo é a
música do disco a ser pulada. Hora de pegar uma na geladeira, tempo de4 atender
ao telefone, conversar com alguém sem se preocupar com a canção que está
rolando. Santa também pode ser
pulada, que não fará falta. O disco fecha com Lembrança Vó, que é uma vinheta totalmente Carlinhos Brown. Ficou
interessante. No máximo.
Também me decepciona um pouco
a versão bossa-nova de Exagerado (Cazuza),
voz quase que só falada e violão, num formato que Arnaldo Antunes ainda viria a
explorar em trabalhos posteriores, e que, cá pra nós, não é seu forte. Uma
pena, porque a música é sensacional e merecia mais. De qualquer forma, mostra o
cantor trilhando outros caminhos, arriscando à beira do abismo.
Com tudo isso, Paradeiro
é mais que um disco, é quase um emblema do Arnaldo Antunes. Honesto, livre e
vivo.
Paradeiro
/ Arnaldo Antunes
Nota
7
Marcelo
Teixeira
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