quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cazuza - O Paradoxo do Complexo




Cazuza nasceu Agenor. Um nome incomum, atemporal e que odiava profundamente. Agenor de Miranda Araújo Neto. Nome feio, estranho, chato de ser pronunciado. Tinha pavor do nome, simplesmente. Mas passou a gostar quando soube que seu melhor compositor e cantor tinha justamente o mesmo nome que o seu: Agenor. E esse cantor era ninguém menos do que o grande sambista Cartola. Nomes iguais com perfis diferentes, Cazuza encontrou em Cartola um significado maior de sua vida: que o nome que herdamos de nossos pais são meramente nomes. E com este pensamento, Cazuza se transformou em um dos maiores cantores e compositores de sua geração, quiçá de todo o cancioneiro nacional brasileiro.

Polêmico e extrovertido, Cazuza foi a antítese de tudo o que tinha aparecido no pop rock dos anos de 1980. A cena musical era dominada por grupos (de excelente qualidade) de rock e todos tinham seu espaço, embora as brigas e discussões tenham sido uma constante e Cazuza foi um dos primeiros a abandonar o barco de líder do grupo de maior prestígio à época, Barão Vermelho, e se dedicar exclusivamente à carreira-solo. Barão Vermelho era um fenômeno e suas músicas eram ácidas, dessas que tínhamos que mastigar para poder engolir. E quando Cazuza resolveu sair devido as brigas com os outros integrantes, todos pensaram: será um verdadeiro fracasso. O que não aconteceu de fato.



Brasil

Mostra a tua cara

Quero ver quem paga

Pra gente ficar assim



Trecho de Brasil (1989)





Cazuza se transformou no maior cantor brasileiro e suas letras invadiam poros dilatados ansiados por metáforas perfeitas e que diziam a verdade nua e crua. Cazuza nasceu musicalmente quando entrou para o Barão Vermelho, mas renasceu em grande estilo ao se lançar ao mundo equidistante numa forma abusada, inesperada, testando suas músicas de protesto com bastante veemência e sem medo de causar o impacto que ele mesmo já esperava. Cansado de ser o mesmo ou de ser objeto de desejo das gravadoras (que até então metia o bedelho sobre os trabalhos dos artistas), Cazuza pôde provar que compor suas próprias canções era um mérito e tanto para se tornar o líder absoluto do novo cenário musical brasileiro que estaria por acontecer próximo do fim dos anos 80.

Suas músicas representam aquilo que gostaríamos de dizer, mas que está esta entalada na garganta, presa por cordas vocais roucas e frouxas e que são verdadeiras, únicas e com uma profundidade enorme sobre questões como política, morte, amores falsos, amizades inexistentes, família, drogas, homossexualismo. Cazuza conseguiu fazer o que muitos não tinham coragem em anos complicados para a política brasileira, para o homem brasileiro e para o país num todo: cantar aquilo que lhe vinha à mente. Soltou sua voz maliciosamente agradável para multidões ávidos de boa música e carentes de uma grande voz defensora de nossos direitos e ver Cazuza brilhando na música após o pensamento certo dos contras, era ter a certeza de que ele estava no caminho certo.



Tenho amor incondicional pelas pessoas que entram em minha vida e sinceramente, não sei o quanto isso é bom nos dias atuais. Talvez esse seja meu pior defeito.

Frase de Cazuza

Dono de um estilo incapaz de soletrar, Cazuza foi o homem responsável por nos dar de bandeja músicas ricas em uma profusão de paródias, memoráveis frases de protestos, ótimos hits, excelentes músicas românticas e, acima de tudo, um rico acervo musical de um pop rock genuinamente nacional e internacionalmente brasileiro.

Cazuza conseguia flertar perfeitamente entre o rock e o pop, entre o samba e o jazz e entre a MPB e o brega. Regravou Cartola em uma das canções mais memoráveis e se tornando em um artista completo e que conseguia unir, no mesmo palco, estilos tão distantes e diferentes de si próprio, que todos aplaudiam de pé, entusiasmados por um Cazuza que era sempre motivo de alegrias, de declarações polêmicas, de entusiasmo.

Cazuza é considerado hoje um dos maiores poetas do rock nacional. Rebelde e lírico, sempre foi uma mistura interessante. Acho o Cazuza um cantor e poeta incomparável. Compôs músicas cujas letras perdurarão até o fim dos dias. Letras que qualquer ser humano em algum momento da vida se identifica com alguma delas. Cazuza era rebelde, dizia o que ninguém tinha coragem de dizer. Escarrava seus sentimentos, decepções, frustrações e alegrias em suas músicas. Era polêmico, gay, aidético. E por ser polêmico, gay e aidético, a figura de Cazuza, o homem Cazuza, o artista Cazuza, requeria um holofote maior, muito maior do que ele mesmo esperava. O público exigia muito dele, pois somente Cazuza falava as verdades sem rodeios e contratempos.



Sou ariano. E ariano não pede licença, entra, arromba a porta. Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você tá vivo, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho.

Frase de Cazuza



Suas letras refletiam uma melancolia incomum. Tanto que quem escutava logo se identificava com os compositores clássicos da MPB, como Lupicínio Rodrigues e Dolores Duran. Dois nomes que aliás foram importantes em sua formação artística. Virou porta-voz da nação ao comparar o Brasil com uma festa onde você é barrado enquanto os corruptos se aproveitam da situação. Mas também era capaz de emocionar ao transformar uma simples canção pop em um clássico em ritmo bossa nova. Faz Parte do Show foi trilha sonora de novela e da vida de muitos que viveram com intensidade os anos 80.

Hoje em dia, sua obra é reverenciada pelos críticos e público. Suas canções ainda embalam a memória dos que têm mais de 30 anos de idade. Mas o Poeta está vivo de verdade. Pois mesmo a geração mais recente reconhece o valor de alguém que tinha um sonho e procurou vivê-lo de todas as formas possíveis, transformando o tédio em melodia. Buscando todo amor que houvesse nessa vida, com algum trocado para dar garantia.



Cazuza – O Paradoxo do Complexo
Marcelo Teixeira

 


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