Brasil Inclassificável por Ney |
A música Inclassificáveis foi composta e gravada por Arnaldo Antunes no ano
de 1996 para o álbum O Silêncio e contava a participação de Chico
Science, expoente da música nordestina de qualidade excepcional na época e que
trata de um tema muito pouco conhecido por todos nós: a formação do povo
brasileiro como um todo. Inclassificáveis
traz a tona na seara musical a fenda dos olhos das pessoas perante o Socialismo,
a Antropologia e a diferenciação de suas raças. Para inicio de conversa, não
estamos falando de coisas fáceis: cantar Arnaldo Antunes já é uma tarefa
dificil e seus pensamentos com relação àquilo que o rodeia é uma relação de
complexidade muito maior que sua própria imginação conduz. Tendo como crítica
clássica sobre um tema tão pouco minado no Brasil (Clara Nunes já vinha com
essa miscegenação de raças em sua carreira na década de 1970), Arnaldo apenas reforçou
um assunto subliminar sobre aquilo que sabemos que existe, mas que ninguém tem
na consciência privada de que é importante para detectarmos quem realmente
somos e sobre nossa própria origem, revelando nossos antepassados. Quando foi
lançada, a música na voz de Arnaldo e Science não rendeu tantas promessas
musicais, mas quando Ney Matogrosso e sua força teatral a cantou no excelente
álbum que leva o título da canção, as pessoas pararam e refletiram: de onde é
que viemos? Porém, Ney Matogroso não entrou na onda de ser um sociólogo da
música popular brasileira: ele mesclou essa canção antropológica de Arnaldo com
canções políticas de Cazuza, Chico
Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil com o romantismo lírico de Itamar
Assunpção e com os versos de peso moderado de Carlos Careqa e Pedro Luis. Óbvio
que Inclassificáveis teve um peso
muito maior neste álbum, pois a música não tem fácil articulação vocal e cantar
da forma perfeita com a qual Ney canta a transformou em uma das melhores faixas
do disco. Inclassificáveis (2008 / EMI / 28,99)
é um disco completo, com uma capa perfeita e que traz um Ney Matogrosso ainda
mais vigoroso dentro de sua arte, dentro de seu universo e dentro de suas
conquistas. Arnaldo Antunes compôs Inclassificáveis em um nível muito acima
de sua intelectualidade: aqui ele trabalha com neologismos e construções harmônicas
de modo a formar uma verdadeira coberta de tiras etno-culturais que formam a analogia
do povo brasileiro, interrogando a todo momento a matriz exemplar desse povo
(índio, branco e negro), indo direto ao ponto nevrálgico de novas formações
culturais, como o mulato, o cafuzo e o mameluco. A partir dessas mesclagens surgem
os crilouros, tupinamblocos, guaranisseis, ciganagôs e judárabes. Somos brasileiros inclassificáveis, pois somos
frutos de nossa combinação racial secular. Assim como enfatizou Arnaldo cantado
brilhantemente por Ney, aqui não tem cor,
tem cores. Ao analisar o disco inteiro de Ney Matogrosso e refletir
basicamente o que uma canção tem a ver com a outra, entre socialismo,
antropologia, política e romantismo, posso atestar que vivemos em um Brasil
inclassificável.
Inclassificáveis
(2008) / Ney Matogrosso
Nota
10
Marcelo
Teixeira
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