Por que devemos ouvir Adriana? |
Dona de uma voz irresistível e
detentora de discos antológicos, Adriana Calcanhotto é mais que uma letrista
competente dentro da música popular brasileira. A gaúcha que contempla a
paisagem carioca tem o domínio fácil de criar composições românticas dentro de
um campo semântico de bel-prazer, atravessando os horizontes do infinito para
aprofundar em sentimentos desesperados e desamparados com o brilhantismo de uma
mente inquieta. Essa é Adriana Calcanhotto, a cantora que inspira multidões,
que devaneia os sonhos mais perplexos e que instaura mistérios cabíveis de
calmaria insana. Mas dentro da atmosfera musical de Adriana existe uma
personalidade muito forte, incandescente, próspera e audaz que nos remete a uma
indagação profunda: por que devemos ouvir Adriana Calcanhotto? A resposta não é
tão fácil quanto possível de ser explicada, mas existe uma contrapartida básica
e singela para tal demonstração do porque devemos ouvir suas músicas. Adriana
tem em seu currículo o panorama carioca registrada em músicas como Carioca e Maresia, tem o vendaval de explosão magnética em canções como Senhas, Vambora e Mentiras e tem
a emoção aflorada em músicas como Inverno
e Esquadros. Mas não é só isso. De
todas as cantoras surgidas na década de 1990 (Marisa Monte e Adriana duelaram
firmemente para se manterem no topo das melhores cantoras surgidas nesse
tempo), Adriana foi a que melhor representou a MPB, tendo em consequência maior
disso seu tino para compor aquilo que a população exigia. Se de um lado
tínhamos Marisa Monte e seu lado mais alternativo de cantar e compor, de outro
tínhamos Adriana com seu estilo mais calmo, denso e que adentrava por entre
nossos poros e peles com um dissabor incansável. Sendo uma expoente do
Tropicalismo de Caetano e Gil, Adriana nos apresenta em suas canções àquilo que
outras cantoras não nos mostram: sua versatilidade entre o cantar e o brincar,
sua sensação térmica em reestruturar canções antigas, sua magia em trazer à
tona ilustres personagens já esquecidos pelo tempo. Foi assim que trouxe Frida
Kahlo para o seu universo na música Esquadros
e que reviveu Hélio Oiticica em Parangolé
Pamplona, sobre o trabalho do artista de 1968 chamado Capa Feita no Corpo. Waly
Salomão certa vez disse que Adriana constitui
uma ótima vitrine para a poesia e ele estava coberto de razão. Waly é
remanescente do Tropicalismo, tem na bagagem ótimas letras e seu estilo de
garoto fanfarrão se contrapôs com o estilo cinzento de Adriana, que é o estilo
de uma artista que é cúmplice de seu próprio estilo. Além de trazer para a sua
música todo o tropicalismo ocidental, traz também a poesia que muitos
desconhecem, fazendo disso um arsenal ainda mais motivador para sua obra. A
poesia de Mário de Sá Carneiro, Cid Campos e Augusto de Campos, Ferreira Gullar
e Oswald de Andrade estão escancaradas em forma de música por sua voz tão
aveludada quanto autoral. É por essas e outras que devemos ouvir Adriana: não é
qualquer cantora que consegue unir o passado com o presente, fazer de um
simples elo de sofisticação singular com a beleza popular e fazer delirar os
corações apaixonados com seu semblante angelical. Precisamos ouvir Adriana
Calcanhotto para termos a certeza de que a música popular brasileira é rica em
detalhes e que pode ser útil também perante a poesia concreta e abstrata, perpassando
pela pintura visível de grandes mestres das cores.
Por
que devemos ouvir Adriana Calcanhotto
Por
Marcelo Teixeira
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