Um dos melhores discos de Vanessa |
Alcançando
o segundo lugar na lista das vinte melhores cantoras dos últimos 10 anos na
MPB, Vanessa da Mata conseguiu uma proeza e tanto em sua brilhante carreira ao
lançar Sim, um disco maravilhoso e sensacional. Sim, o disco vermelho de
Vanessa da Mata é um disco feminino. Começando pela capa, com aquela manta que
parece uma mancha de esmalte sobre a areia, e que voa quando abrimos o encarte.
Sua voz é bonita e cristalina, num balanço na medida entre a delicadeza e a
braveza. Um pêndulo que só existe dentro de uma mulher. Vanessa da Mata
constrói um disco de sensações e sentimentos, que poderiam ser contados e
cantados em grandes clichês, mas não, ela captura a magia do simples e o
transforma em leveza. Deixa escorrer o desejo. Seu disco tem um encaixe
redondo, os fios se encontram numa poesia tranquila sem grandes surpresas no
caminho. Talvez a surpresa esteja aí, nesse rio que corre manso. Seus sons são
bons de ouvir, tem algo nisso tudo de misterioso, de atraente.
Vermelho
abre num crescente, com uma voz que vem de longe e vai chegando pertinho. Lânguida face. Os sons se misturam com
barulhos de bolhas explodindo. Vermelho é o sangue: o quente que arde, o quente
que queima, o calor que pede o aconchego, mas que traz o vazio, que deixa a
alma na solidão. E a voz vai como veio, desaparecendo, sumindo, enquanto o
mundo roda em vão. Fugiu com a novela
é um charme! Gostosa até de ouvir com esse som de triângulo, com essa percussão
melindrosa. Gosto muito da inversão de papéis: Vanessa da Mata canta um homem
que reclama a perda de sua mulher para a novela das oito e bem agora que o caso
estava no tom! Perfeito! Esse homem que parece mais um gato, que gostava de ser
alisado, que contava piada e ela gargalhava, foi abandonado. A letra é uma
crônica conhecida e capta justamente um lapso: o vão entre os dois lados de um
mesmo homem – o que acariciava e às vezes nem tanto. Com graça e sem alarde,
Vanessa toma da voz masculina para dar o recado: A vida era boa ela não reclamava/ Agora vive longe, não sei mais nada/
Fugiu da nossa casa com a televisão.
Baú é o
lado do pêndulo bravo da estória. Num ritmo mais rápido, com um órgão que traz
uma sonoridade ácida à música, Vanessa numa imagem linda de morrer, quer jogar
o moço no seu baú vivo e mágico, cheio de desenhos herméticos, livrinhos de receita
e palavras de Dalai Lama. Está louca pra transformar seu sapo em príncipe. É
bem aquela coisa de mulher, que vai dando nos nervos… Mas claro, a estória poderia
ser cantada ao contrário. Essa música é meio como búzios quando jogados na
mesa, é tudo uma questão de encaixe, de interpretação.
Boa
Sorte/ Good Luck é um encontro de dois tecidos transparentes.
Gosto muito. Acho super legal essa ideia de sobrepor a mesma ideia em duas
línguas diferentes: como se a tradução não fosse possível quando estamos
falando de sentimento, então temos a necessidade das duas vozes. Estamos aqui
falando da riqueza das línguas, como se fosse um concentrado de cultura e um
código que tenta colocar pra fora tudo isso. Cada língua com suas nuances, com
suas palavras ora mais carregadas, ora menos, e, como se tivessem vidas
próprias, elas conversam entre si, e a música é só um pretexto onde todas essas
ideias deslizam. E o Ben Harper é um parceiro mais que perfeito! Ele, na sua
bagagem musical, esbanja liberdade, encontros e poesia.
Os dedos percorrem os pretos
e os brancos do piano que abre Amado
e com a voz mais doce do mundo, Vanessa da Mata mata já de cara: Fico desejando nós gastando o mar/ Pôr-do-sol,
postal, mais ninguém. Em Amado,
onde até a sonoridade respira e transpira num movimento único, Vanessa da Mata
canta um amor livre: no mesmo espaço onde lá fora passa o tempo sem você, é o
espaço sim, onde tudo pode acontecer. Sem prisão.
Pirraça
é
uma música visual e a única coisa que me vem à cabeça nessa música é esse monte
de doces brilhantes e deliciosos. Em Você
vai me destruir, Vanessa da Mata canta o que a gente também sente: o nó no
peito do fim do amor. O som é dançante, feito mesmo para disfarçar a raiva, todo
o desdém. A fúria dessa música também é bem feminina: a fúria que se mistura
com a vontade de perdoar, de esquecer e de continuar amando com a potência do
amor envolvente, aquele mesmo, aquele que te come, aquele cheio de contradição.
E se é gostoso, por que não?
Se é bem bom pro
coração
A gente vai pra ser
feliz
Viva, tenha
Trecho
de Quando um homem tem uma mangueira no
quintal, de Vanessa
Ilegais é a
minha música favorita! É malandrinha, com balanço, com malícia. Os vocais são
discretos como devem ser, o eletrônico no fundo dando o tom, o trombone que
aparece de curioso, enche um espaço e faz bonito, Vanessa da Mata funde tudo
isso muito bem com sua letra dengosa. Uma música gostosa, com um nome
sensacional. Nada mais sugestivo. Me entrego total e acho uma verdadeira
delícia a velocidade de Quando um homem
tem uma mangueira no quintal. Uma música cheia de duplos sentidos, sem
vergonha, cheia de siricotico e aventura. Essa música tem uma graça incrível,
ela é toda livre, como numa trança solta, uma gostosura.
Fico viajando nesse quintal:
com grama verde e com uns pedaços ainda com terra. Terra às vezes molhada pela
água da mangueira. Um lugar pra poder brincar de amar, sem pensar no amanhã,
aproveitar a tarde vazia.
É uma homenagem ao tempo livre,
ao tempo vazio, ao deixar-se sair do sério.
Sim / Vanessa da Mata
Nota 10
Marcelo Teixeira
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