A cantora Martinha |
Sempre
me perguntava por onde andava a cantora Martinha, grande ícone da Jovem Guarda,
movimento que perdurou por muito tempo, combatendo a Tropicália, a Bossa Nova e
contrariando o samba dos anos 1960 e início da época setentista. Cresci ouvindo
Martinha, motivado pelo entusiasmo de minha mãe, dona Maria Geralda, mineira
como ela, e gostava de ouvir aquela voz calorosa, doce, suave, meio rouca e
meio estrábica. Não sei se há voz estrábica, mas por vezes sentia na voz de
Martinha umas melancolias, umas tristezas e umas alegrias que não sei explicar,
e por isso denominei a sua voz como estrábica. Martinha foi o ápice por muitas
vezes na vitrola de casa e minha mãe a escutava com grande satisfação e
orgulho, dando destaque para canções como Eu
Te Amo Mesmo Assim, de 1967 e Eu
Daria a Minha Vida, de 1968, ambas compostas pela cantora. As músicas são
excelentes e mais parecem que foram criadas para que Paulo Sérgio as cantassem
e muita gente ainda há quem diga que fora Roberto Carlos quem as compôs. Lero
engano: Martinha se diferenciava das outras cantoras da Jovem Guarda justamente
pelo fato de ser uma compositora de mão cheia, com requintes e com
personalidade, aonde muitas vezes suas canções parecia que faziam parte de sua
própria vida amorosa, com altos e baixos, com ódio e ternura, com beleza e
sofrimento.
Martinha era tão presente em
minha casa, na sala de estar, no radinho de pilha de minha mãe que ficava na
cozinha (nos anos 1980 ainda existiam radinhos de pilha) enquanto ela preparava
deliciosas comidas mineiras, que até hoje não sei o real motivo do nome da
minha irmã, Marta Teixeira: ora minha mãe diz que foi em homenagem à cantora,
ora ela diz que foi pelo fato de ter nascido no extinto hospital Santa Marta,
na zona sul de São Paulo.
Mas por anos o ostracismo de
Martinha a pôs no limbo de ideias esfuziantes e de mentes inquietas para saber
seu paradeiro. O silencio de uma grande cantora movida por um grande evento
musical brasileiro – a Jovem Guarda – a colocou no esquecimento por anos a fio,
diferentemente do que acontece com a cantora Wanderléa, que vez por outra
aparece em programas de auditório ou cantando seus sucessos do passado e com
Jerry Adriani, que faz verdadeiros malabarismos para se manter firme à frente
de líder do movimento jovem guardista que o consagrou, fazendo tributos à
Renato Russo ou se manifestando através de shows mesclando músicas inéditas com
as mais antigas. Aliás, o motivo real deste artigo e o meu carinho ainda maior
pela Jovem Guarda, foi o meu recente encontro (umas três entre o ano passado e
este ano), com o cantor e compositor Jerry Adriani (que ainda será blogado aqui
no Mais
Cultura!).
Recentemente, zapeando pelos
programas noturnos, encontrei uma raridade: Martinha cantando, nos dias atuais,
para um programa somente dela, com músicas dela, para uma plateia de senhores e
senhoras encantados, embasbacados, emocionados e por jovens que estavam ali
para conhecer a grande artista que ela fora. Suas músicas ainda hoje perduram
sobre tudo aquilo já cantado em 1960 e as verdades ali cantadas servem de
inspiração à jovens cantoras sem fundamentos e sem musicalidade. Vestida com um
micro vestido, talvez em homenagem ao movimento que a consagrou e com os
cabelos soltos ao vento, pude constatar que Martinha ainda continua com a mesma
fisionomia de antigamente: não vi rugas em seu rosto, não vi cabelos brancos,
não vi a velhice característica que deveria insistir em bater. Martinha ainda
mantêm o brilho nos olhos, a estrutura de uma grande cantora e consegue manter
um alto padrão artístico pouco visto por celebridades que conheceram de perto o
temido ostracismo.
Mas a voz de Martinha não é
mais a mesma. Incapaz de manter uma música como Eu Daria a Minha Vida sem tropeços nem arranhões, Martinha não tem
mais pulso firme em suas cordas vocais e percebe-se que enquanto as rugas e os
cabelos brancos não apareceram, a voz está fraca e com sinais de morte
silenciosa. Infelizmente, Martinha não grava mais discos hoje, mas mantê-la em
um show por mais de duas horas é fraquejar nossos ouvidos, porque sua voz não
agrada em algumas canções. Mas saber que Martinha, fruto de um grande movimento
artístico e que revolucionou o modo e o jeito da mulher se portar em um ano em
que mulher não opinava nada e saber que ainda continua na batalha por um espaço
musical, é manter a motivação de uma grande cantora e compositora que ela fora.
Mesmo com voz estrábica.
A
voz estrábica de Martinha
Marcelo
Teixeira
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