terça-feira, 23 de outubro de 2012

Marítimo, de Adriana Calcanhotto


 

Capa de Marítimo, de 1998
A teoria musical de qualidade é o trinômio de ias: melodia, harmonia e poesia. Tem artista que vai aquém e esquece sorrateiramente algum dos elementos. Outros sobrecarregam uns em desfavor de outros e assim se faz a música brasileira: sem fórmula certa, mas que de alguma forma dá certo. Não sei como enquadrar Adriana Calcanhotto nesse parâmetro: sequer sei se há parâmetro. Sua obra é tão vasta e polivalente que não se consegue situar em qualquer categoria estreita ou pré-determinada. Arrisco dizer que seu trabalho é como a sexualidade de qualquer pessoa: desnecessita de rótulos ou denominações. Estudar sua carreira é constatar que ela é pop, cult, juvenil, adulta, poética, alegre, melancólica, eletrônica, voz-e-violão... um jogo infinito de paradoxos reinventados a cada fase. Não é de se estranhar que obtem fãs de extremidades igualmente opostas: dos humildes aos mais elitizados, todos se deleitam ao seu sabor.

Por excelência uma das mais admiradas cantoras dentro da MPB, Adriana consegue exprimir seus sentimentos através de sua musicalidade límpida e espontânea e talvez seja dai o seu vigoroso sucesso (com muitos acertos e poucos erros na longa estrada). Tem pano demais pra manga e muito do que se discorre sobre essa poetisa do Rio Grande do Sul, mas com genialidade de descrever com propriedade a cena carioca (onde morou) e a capacidade de usar e abusar de sua visão sobre o que há a seu redor - sejam as pessoas (cariocas são bonitos...cariocas são ousados), sejam abstrações (não sei bem onde larguei o leão que sempre cavalguei), ou homenagens ousadas (vamos comer Caetano...comê-lo cru).

Navegar a marítima trajetória de Adriana é ter uma aula completa de literatura. É perceber as influências diretas (Caetano Veloso, Lupicínio Rodrigues, Augusto de Campos, Gerture Stein, dentre tantos outros), condensadas em melodias deliciosas e letras que te traduzem e possuem uma atmosfera rítmica que te dão a sensação de viajar.

Homossexual assumida, Adriana Calcanhoto é companheira da cineasta Suzana de Moraes, filha do poeta e compositor Vinícius de Moraes. A relação de ambas já durava há décadas, e em 2010, diversos meios de comunicação, tanto brasileiros como portugueses, noticiaram sua oficialização.

Em 1998, começa a inacabada trilogia com temática mar, com o genial Marítimo. O nome remete à faixa que canta com Dorival Caymmi, Quem Vem Pra Beira do Mar, mas o disco tem muito mais! Adriana flerta com eletrônica e samplers bem modernos, e um filão de letras muito bem trabalhadas. Destaque para o sucesso Vambora e a versão remixada de uma música de seu álbum anterior, Cariocas.

Talvez seja o disco mais alegre de Adriana de todos os tempos. Sua voz brilha com a poesia de suas letras e sua mensagem se torna única. A bela homenagem ao grande Hélio Oiticica a possibilitou a renovar sua afetiva relação com as letras harmoniosas capaz de nos enfeitiçar ao primeiro som. Adriana acertou em cheio em trazer um disco dedicado ao mar, com ondas vindo à pessoas que até então não tinham afeto ao seu trabalho por completo. Um grande disco, desses que precisam estar sempre a disposição da vista de pessoas que carecem de um verdadeiro álbum brasileiro, feito por músicos de verdade.

 

Marítimo / Adriana Calcanhotto

Nota 10

Marcelo Teixeira

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