Capa de Marítimo, de 1998 |
A
teoria musical de qualidade é o trinômio de ias:
melodia, harmonia e poesia. Tem artista que vai aquém e esquece sorrateiramente
algum dos elementos. Outros sobrecarregam uns em desfavor de outros e assim se
faz a música brasileira: sem fórmula certa, mas que de alguma forma dá certo. Não
sei como enquadrar Adriana Calcanhotto nesse parâmetro: sequer sei se há
parâmetro. Sua obra é tão vasta e polivalente que não se consegue situar em
qualquer categoria estreita ou pré-determinada. Arrisco dizer que seu trabalho
é como a sexualidade de qualquer pessoa: desnecessita de rótulos ou
denominações. Estudar sua carreira é constatar que ela é pop, cult, juvenil,
adulta, poética, alegre, melancólica, eletrônica, voz-e-violão... um jogo
infinito de paradoxos reinventados a cada fase. Não é de se estranhar que obtem
fãs de extremidades igualmente opostas: dos humildes aos mais elitizados, todos
se deleitam ao seu sabor.
Por excelência uma das mais
admiradas cantoras dentro da MPB, Adriana consegue exprimir seus sentimentos através
de sua musicalidade límpida e espontânea e talvez seja dai o seu vigoroso
sucesso (com muitos acertos e poucos erros na longa estrada). Tem pano demais
pra manga e muito do que se discorre sobre essa poetisa do Rio Grande do Sul,
mas com genialidade de descrever com propriedade a cena carioca (onde morou) e
a capacidade de usar e abusar de sua visão sobre o que há a seu redor - sejam
as pessoas (cariocas são
bonitos...cariocas são ousados), sejam abstrações (não sei bem onde larguei o leão que sempre cavalguei), ou
homenagens ousadas (vamos comer
Caetano...comê-lo cru).
Navegar a marítima
trajetória de Adriana é ter uma aula completa de literatura. É perceber as
influências diretas (Caetano Veloso, Lupicínio Rodrigues, Augusto de Campos,
Gerture Stein, dentre tantos outros), condensadas em melodias deliciosas e
letras que te traduzem e possuem uma atmosfera rítmica que te dão a sensação de
viajar.
Homossexual assumida,
Adriana Calcanhoto é companheira da cineasta Suzana de Moraes, filha do poeta e
compositor Vinícius de Moraes. A relação de ambas já durava há décadas, e em
2010, diversos meios de comunicação, tanto brasileiros como portugueses,
noticiaram sua oficialização.
Em 1998, começa a inacabada
trilogia com temática mar, com o genial
Marítimo.
O nome remete à faixa que canta com Dorival Caymmi, Quem Vem Pra Beira do Mar, mas o disco tem muito mais! Adriana
flerta com eletrônica e samplers bem modernos, e um filão de letras muito bem
trabalhadas. Destaque para o sucesso Vambora
e a versão remixada de uma música de seu álbum anterior, Cariocas.
Talvez seja o disco mais
alegre de Adriana de todos os tempos. Sua voz brilha com a poesia de suas
letras e sua mensagem se torna única. A bela homenagem ao grande Hélio Oiticica
a possibilitou a renovar sua afetiva relação com as letras harmoniosas capaz de
nos enfeitiçar ao primeiro som. Adriana acertou em cheio em trazer um disco
dedicado ao mar, com ondas vindo à pessoas que até então não tinham afeto ao
seu trabalho por completo. Um grande disco, desses que precisam estar sempre a
disposição da vista de pessoas que carecem de um verdadeiro álbum brasileiro,
feito por músicos de verdade.
Marítimo
/ Adriana Calcanhotto
Nota
10
Marcelo
Teixeira
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