50 anos de Maria Bethânia na MPB |
Ao longo de sua carreira, a cantora
Maria Bethânia se mostrou como uma interprete maior de sua arte, de sua música,
de sua veia cênica e de sua voz. Seu talento nunca foi questionador, mas sempre
foi motivo de sondagens por cantoras em início de carreira. Pautada entre o
certo e o incerto que dá certo, Bethânia é uma das raras cantoras que consegue
comover o Brasil com sua voz poderosa e sua presença marcante de palco. Não é
qualquer cantora que consegue chegar aos 50 anos de carreira sendo elogiada por
quem realmente entende de música: para se chegar a essa idade comemorativa, é
preciso muita disciplina, muita dedicação, meta e foco. E tudo isso Maria
Bethânia conseguiu fazer com uma maestria impecável. O título deste artigo foi
tirado do livro Verdades Tropicais (VELOSO, Caetano
, Companhia das Letras, 1997, pag. 58),
de onde o cantor e irmão Caetano revela que antes mesmo de Bethânia ser uma
cantora profissional, ela já impactava o público com sua voz. O livro, em sua
primeira parte, é um retrato fiel das andanças de Caetano e Bethânia por Santo
Amaro, na Bahia, e pelo desamor da cantora pela Bahia; assim como posso
retratar o livro como sendo um tributo de proteção do irmão para com a irmã e,
por final, posso atribuir o livro como ilustração de Caetano defendendo a irmã
como sendo uma artista nata dentro de sua própria casa e cujo a viu nascer,
crescer e cantar. Maria Bethânia queria ser atriz depois que vira em sua terra
natal alguns filmes europeus; se encantara com o mundo de Clarice Lispector e
Fernando Pessoa e ao mesmo tempo era sondada a cantar em noites de estreia
teatral na coxia e com as luzes apagadas e, assim, havia um mistério enorme em
torno da imagem dela. O mistério sempre rondou a vida de Bethânia e o culto em
torno de sua voz passou a ser, profissionalmente, como um mantra, uma reza e
uma oração aos amantes de sua arte. Mas Bethânia é justamente isso: um misto de
cultura, uma assombração de mistérios, uma divindade da música popular
brasileira. O primeiro contato com Clarice Lispector foi aos quinze anos,
quando leu, emocionada, Legião Estrangeira, publicado na extinta revista
Senhor, tendo em vista que o irmão era leitor fervoroso da publicação. Maria
Bethânia ficou tão embriagada com esta leitura, que resolveu mostrar sua paixão
e sua loucura pela literatura hermética de Clarice. Desta troca de
cumplicidades nasceu uma amizade entre a escritora e a já consagrada cantora de
MPB, que tinha, entre seus amigos, Vinicius de Moraes, Gal Costa, João
Gilberto, Gilberto Gil entre outros. Clarice não perdia os shows de Bethânia:
Maria Bethânia é faíscas no palco, dissera a escritora quando a cantora encenou
o show Rosa dos Ventos. Não é difícil imaginar que a carreira brilhantemente
construída por Bethânia tenha o consentimento de Caetano Veloso para uma visão
solidão de profissionalismo dentro da música. No livro isso deixa evidente, mas
a própria cantora foi a mentora de sua própria vida artística, cultural e
pessoal. São cinquenta anos de música dentro de seu próprio país, dentro de seu
segmento, dentro de sua história. Aqui tudo se entrelaça, desde a literatura, a
poesia, a música, a voz de Bethânia como um trovão emergente. Ao ouvirmos
Bethânia, temos a nítida certeza de que a música está a salvo de tantas
ignorâncias musicais que assolam atualmente a cultura de todos nós: graças a
Bethânia, somos obrigados a concordar que a música popular brasileira é rica de
qualidade, categoria e civilização. Há na cantora uma sombra assustadora de
energia positiva, capaz de nos enrolar em um manto azul e branco sagrado de
proteção contra mazelas estereotipadas e desengonçadas. Garanto que não é
qualquer cantora que chega aos cinquenta anos de carreira sendo coerente com
sua musicalidade e com sua motivação em cantar e inspirar novas cantoras e com
o respeito para com a música popular brasileira. O culto ao canto de Maria
Bethânia é muito mais que isso.
O culto ao
canto de Maria Betânia
Marcelo
Teixeira
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