O ótimo disco de Lenine |
Mantendo
seu caminho de agregador, Lenine transforma um projeto coletivo numa obra bela
e forte que ele intitulou de Falange Canibal, um disco muito bom, excelente e
que denota toda a versatilidade do músico pernambucano. O álbum tem os melhores
músicos da atualidade: Vulgue Tolstoi (grupo que forneceu o parceiro constante
guitarrista Júnior Tolstoi), Monoaural (Kasin e Berna Ceppas), Tom Capone
(produtor infelizmente falecido prematuramente, que aqui também contribui com
programações, guitarra, baixos e otras cositas más), Xandão (guitarrista do
Rappa e Caroçu). Além dos amigos compositores, dividem com o anfitrião quase
todas as músicas os grandes compositores Carlos Rennó, Ivan Santos, Bráulio
Tavares, Sérgio Natureza, Dudu Falcão, Paulo César Pinheiro e Lula Queiroga. A
produção também é dividida por muita gente, incluindo Lenine, Tom Capone, Mauro
Manzoli.
Gosto muito da sonoridade moderna
e caprichada do Lenine. Ecos do ão fala
sobre o fonema característico da nossa língua (e sempre difícil para
estrangeiros) como linha condutora para também refletir sobre nós brasileiros.
nós temos violência e perversão
mas temos o talento e a invenção
desejos de beleza em profusão
e ideias na cabeça coração
a singeleza e a sofisticação
o choro, a bossa, o samba e o violão
mas se nós temos planos, e eles são
o fim da fome e da difamação
por que não pô-los logo em ação?
tal seja agora a inauguração
da nossa nova civilização
tão singular igual ao nosso ão
e sejam belos, livres, luminosos
os nossos sonhos de nação
Trecho de Ecos
do Ão, de Lenine
Em seguida uma mais lenta, Sonhei, bela como de costume e com
aquele violão percussivo e extremamente bem tocado. Mais uma com boa mistura de
sons eletrônicos e acústicos, inclusive um bonito oboé. Umbigo começa com um violão magrinho e bateria do cara do Living
Colour, Will Calhoun. Também a voz em inglês de Ani Difranco (alguém sabe quem
é ela?), Eumir Deodato (o cara existe de verdade!) no hammond e piano elétrico
com mão pesada. Com um trecho que diz gosto
muito de conversar comigo/ umbigo meu nome é espelho/ não dou ouvidos nem peço
conselhos/ umbigo meu nome é certeza/ só é real o que convém à realeza, a
música e o disco já valem muito.
Lavadeira
do rio tem uma história engraçada: gravada originalmente por
Virginia Rosa em seu primeiro disco solo, Batuque, a música se chamava A Rita, mas Chico Buarque compusera nos
anos 1960 a bela A Rita, que ficou
conhecida nas vozes de Nara Leão e Gal Costa posteriormente. O público estava
começando a ficar confuso com duas músicas com o mesmo título e, por este
motivo, Lenine resolveu rebatizar a música e, talvez por esta conscientização,
Lenine resolveu cantá-la neste disco. A
Lavadeira do Rio começa meio balançada, eletrônica até, com uma guitarra
invertida discreta. Depois vira um bom rockão! Tem até aquele clichê de bateria
só com vocais empolgantes. Esta aqui tem participações especiais da galera do
Skank (sem o Samuel Rosa, ufa!) e da Velha Guarda da Mangueira no coro.
Encantamento é
uma montagem/colagem de várias músicas, emenda e surge a original do Lenine
como se tudo levasse a isso. Nem sol, nem
a lua, nem eu é daquelas belíssimas que Lenine compõe, lenta, quase
sussurrada, com uns uivos caninos ou lupinos no fundo. Entre as participações
especiais, Will Calhoun na wave drum e Xandão na guitarra. Caribantu é só voz e muitas percussões, a cargo do Cambaio (a
pós-coisa), seja lá o que for isso, talvez um coletivo de percussão. A Velha
Guarda da Mangueira também faz aquele coro bonito.
Quadro-negro é
mais uma das bonitas, aqui com efeitos eletrônicos (até na voz) e a
participação do Marcelo Lobato (Rappa) na bateria, teclados, theremin e
vibrafone. Quem vai pagar a conta?/ quem
vai lavar a cruz?/ o último a sair do breu/ acende a luz.
Chega a mais bela do disco, O silêncio das estrelas, com um arranjo
lindo e criativo de cordas, incluindo um recurso arriscado, o glissando (os
instrumentos vão subindo/descendo sem escalas nas notas temperadas, dando a
impressão de desafinação). Solidão/ o
silêncio das estrelas/ a ilusão/ eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos/ como
um deus, e amanheço mortal. Termina com uma sanfona bonita, a cargo de
Regis Gizavo.
No
pano da jangada é muito legal, com uma percussão que na
verdade são os pés do Lenine na areia e vozes, com vocais dobrados e
processados. Viva a tecnologia e a criatividade! Rosebud (o verbo e a verba) é um conto divertido, uma música latina
suingada e quebrada. Participação do grupo Yerba Buena nas vozes, percussões/bateria
e trompete cucaracho.
E o fim é pra cima, a música
com participação integral do Living Colour, O
homem dos olhos de raio X que entrou para a minha galeria das melhores
músicas do Lenine. Rock balançado e percussivo. Viva o nosso herói
pernambucano.
Falange
Canibal / Lenine
Nota
10
Marcelo
Teixeira
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