segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A bossa de Sandra Duailibe e Cely Curado


 

Ótimo encontro de Sandra e Cely
Se o disco A Bossa no Tempo contasse apenas com a voz rouca e gostosa de Sandra Duailibe, já valeria a pena ouvir os clássicos do estilo que ainda hoje é vista como conceituada e requintada, mas para surpresa geral, a cantora convidou Cely Curado e o resultado é muito mais satisfatório, porque as vozes contrastam e o brilho nas canções realça ainda mais o repertório primoroso e genial dos grandes mestres da bossa. Voz aveludada e voz pujante caminham lado a lado nos dando a dimensão do que está por vir nas treze faixas do disco, nos deixando arrepiados, encantados e apaixonados por ambas as cantoras e pelo disco em si. Com participações do grande Roberto Menescal, o disco tem ainda a pincelada de Sérgio Galvão e a cortesia de Nonato Buzar, veterano na música.

Abrindo o disco com a saborosa A Banca do Distinto, Sandra e Cely interpretam com ousadia a canção de Billy Blanco, fazendo dela um delicioso dueto. Mas em Você Vai Ver é que a emoção carrega e somos obrigados a levantar e aplaudir as grandes divas do novo cenário musical que está se expandindo para além de outras áreas do Brasil. Com letra carregada de sentimentalismos vingativos de Tom Jobim, Sandra e Cely denotam a música como sendo um grande achado para a coleção musical de todos os amantes da MPB e, de quebra, conseguiram fazer da canção uma marca registrada com suas vozes latentes. Até então, pra mim, a música tinha um certo carisma na voz de Zélia Duncan cantada com Pedro Mariano (mais conhecido por ser o filho de Elis e o irmão de Maria Rita), mas agora posso garantir que Sandra Duailibe e Cely Curado conseguiram dar uma emoção maior à música, a deixando completa, rica e com a verdadeira mensagem imposta pelo poeta.

 

Rio, Copacabana

Poesia, muita paixão

Em Brasília, o azul celeste

É fonte de inspiração

Parece magia

Essa energia que tem lá e cá

Me faz mergulhar na onda do ar

Cantar e cantar

 

Trecho de Onda do Ar, de Marcia Forte e Sandra Duailibe

 

 

Samba em Prelúdio, do mestre Baden Powell com o poeta Vinicius de Moraes me arrepia. Arrepia porque as duas vozes se encontram e se desencontram, se harmonizam, se aquietam, se aniquilam e se atropelam numa forma voraz, sutil, doce, atroz, romântica e semeia um elo de sentimentos remanescentes que fica impossível não parar tudo o que estamos fazendo e ouvir com atenção a mistura de vozes, o concerto de rimas, a respiração de Sandra e Cely em nossos ouvidos. Balanço Zona Sul é ótima, as batidas originais e a leve sensação de malandragem na bossa nova estão aqui, alcançadas com maestria por duas vozes possantes. E o mesmo acontece com Lugar Comum, dos grandes gênios João Donato e Gilberto Gil. Esta canção, que já foi ovacionada pela cantora Joyce Moreno em um disco em tributo à Bossa Nova lançado apenas no Japão (anos depois veio ao Brasil para uma edição limitadíssima), demonstra aquilo que queremos ouvir de João: o lado oculto de sua musicalidade, da letra sem letra, do capricho da melodia e da sensatez de nos encaminhar para o rebuscamento da música. Donato é um gênio!

Roberto Menescal e Leila Pinheira, o pai e a filha da bossa, compuseram a música que fecha o disco, O Céu nos Protege, com uma letra intimista, abastada e forte. Mas não posso encerrar este artigo sem citar duas músicas que não fizeram parte da bossa, mas que está presente aqui numa forma carinhosa de homenagem ao estilo: Onda do Ar, composta por Marcia Forte e Sandra Duailibe, que é um justo tributo à tudo aquilo que se refere ao título do disco e Vem Amada, deliciosa música da competente Simone Guimarães, que também assina a direção musical e vocal do disco.

A Bossa no Tempo representa a bossa em nossas vidas e em nossos sentimentos, na nossa musicalidade e nos deixa aquela livre e aberta sensação de que ainda se pode fazer música, criar emoções, despertar humanos, abrir os poros e cantar o amor na sua mais sublime forma e este disco de Sandra Duailibe com participação honrosa de Cely Curado só veio comprovar que a bossa está em todos os tempos: seja ontem, seja hoje, seja amanhã. E o tempo de Sandra Duailibe e Cely Curado é para sempre.

 

Faixas

01. A banca do distinto (Billy Blanco)

02. Quando chegares (Carlos Lyra)

03. Você vai ver (Tom Jobim)

04. Samba em prelúdio (Baden Powell e Vinicius de Moraes)

05. Onda no ar

06. Balanço Zona Sul (Tito Madi)

07. Vem, amada (Simone Guimarães)

08. Preciso aprender a ser só (Marcos e Paulo Sérgio Valle)

09. Duas lágrimas

10. Jamais (Milena e Caio Tibúrcio)

11. Lugar comum (João Donato e Gilberto Gil)

12. Estopim (Nonato Buzar e Ronaldo Bôscoli)

13. O céu nos protege (Roberto Menescal e Leila Pinheiro)

 

A Bossa no Tempo / Sandra Duailibe convida Cely Curado

Nota 10

Marcelo Teixeira

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