segunda-feira, 4 de março de 2013

O abraçaço de Caetano Veloso



O abraçaço de Caetano
Desde Livro, lançado em 1997, que Caetano Veloso nos devia um grande disco, a altura de seu talento e respeito. Não que os discos Zii e Zie ou não tenham seu prestígio e respeito, mas estes discos tem uma existência de carência pouco característico na obra do cantor e compositor baiano. Abraçaço, recém lançado pela Universal Music, 29,99, é um retrato bem elaborado de um punhado de coisas e sons materializados puxados pela sonoridade de Zii e Zie e , mas com um acabamento da bem elaborada obra Livro. Por vezes, Abraçaço parece uma continuação do bem feito disco Recanto, que Gal Costa lançou em 2011 e cujo as composições foram feitas a ela especialmente por Caetano. O som, o brilho, ruídos e pequenas notas são o estribilho entre a sordidez e a ganancia de um velho compositor baiano a beira da velhice, destoando todo o seu semblante sobre a juventude e se firmando como um dos mais brilhantes expoentes de seu tempo nos dias atuais.

Ao se associar à Banda Cê, há 6 anos, Caetano buscava dialogar com um público mais jovem e antenado, tal qual o público jovem e antenado que comprou o Tropicalismo e abraçou sua carreira, assim como abraçou Gil, Tom Zé, Gal, Mutantes e tantos outros. E ele conseguiu este feito, pois conseguiu chegar a horizontes jovens antes nunca alcançados por pessoas que não gostavam de MPB. Em Abraçaço, Caetano exorciza lembranças, mágoas e tristezas, mas também festeja a vida, como em Parabéns (Caetano Veloso e Mauro Lima), um e-mail de feliz aniversário que o diretor de Meu Nome Não é Johnny enviou para o baiano, transformando-o num animado transaxé, cantando em loop os votos Tudo mega-bom, giga-bom, tera-bom, que por vezes parece que estamos diante da nova onda de Odara.

O rock (ou transrock) embala as duas primeiras músicas de um repertório de 11 faixas: a espetacular A Bossa Nova é foda e a faixa-título, Abraçaço. Na primeira, sob uma base robusta e um riff insistente, Caetano brinca com seus enigmas e deve se divertir pacas com as múltiplas interpretações que dão para suas letras. A faixa é a que relaciona João Gilberto (chamado, na canção, de o bruxo de Juazeiro, ao lado do ouro francês, certamente o executivo André Midani, responsável por lançar a Bossa Nova em disco) com ídolos do vale-tudo nacional, como Rodrigo Minotauro,Vítor Belfort e Anderson Silva. De certo, a bossa nova é foda!

 

Ei! Hoje eu mando um abraçaço

Ei! Hoje eu mando um abraçaço

Ei! Hoje eu mando um abraçaço

Ei! Hoje eu mando um Abraçaço

 

(Trecho de Abraçaço, de Caetano Veloso)

 

A canção Abraçaço é bem mais rock, apesar da levada reggaeira. A mágoa que Caetano derrama em versos como Tudo que não deu certo / sei que não tem conserto / meu silêncio chorou, chorou encontra eco no solo distorcido de Pedro Sá, coprodutor do disco ao lado do filho de Caetano, Moreno. A faixa é a antessala da depressiva Estou triste, que de tão depressiva, se torna uma das mais belas do disco. Estou triste, tão triste / E o lugar mais frio do Rio / É o meu quarto, canta Caetano sobre um violão manicórdio, que também não dispensa um solo lamurioso de Pedro. Embora tenha como tema a morte, O império da lei quebra a melancolia com referências diretas ao Pará, de onde os arranjos extraem a guitarrada e o carimbó que embalam a faixa.

Com quase nove minutos de música (que passam num piscar de olhos), a melancolia também dá o tom à épica Um comunista, a tão falada canção dos longos minutos que Caetano fez em homenagem a Carlos Marighella (1911-1969). Em um ano em que o guerrilheiro foi lembrado no cinema (Marighella, de Isa Grinspum Ferraz), em livro (Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Brasil, de Mário Magalhães) e teve sua anistia post mortem oficializada pelo governo brasileiro, Caetano registra sua visão sobre a biografia do conterrâneo. Um risco e tanto para o cantor, que risca o nome de Getúlio Vargas e o picha severamente como um assassino.

No geral, Abraçaço é um ótimo disco. Talvez o melhor dos três, incluindo Livro, Zii e Zie e Cê. Há momentos inspirados que vão do Caetano clássico (Quero ser justo, Quando o galo cantou) ao transcaetano, como no transrapfunkrockmacumba Funk melódico, tudo com vistas a mergulhar num universo pop-rock-indie. Caetano manda o seu Abraçaço!

 

Abraçaço / Caetano Veloso

Nota 10

Marcelo Teixeira

 

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