O abraçaço de Caetano |
Desde
Livro,
lançado em 1997, que Caetano Veloso nos devia um grande disco, a altura de seu
talento e respeito. Não que os discos Zii e Zie ou Cê não tenham seu
prestígio e respeito, mas estes discos tem uma existência de carência pouco característico
na obra do cantor e compositor baiano. Abraçaço, recém lançado pela
Universal Music, 29,99, é um retrato bem elaborado de um punhado de coisas e
sons materializados puxados pela sonoridade de Zii e Zie e Cê,
mas com um acabamento da bem elaborada obra Livro. Por vezes,
Abraçaço parece uma continuação do bem feito disco Recanto, que Gal Costa
lançou em 2011 e cujo as composições foram feitas a ela especialmente por
Caetano. O som, o brilho, ruídos e pequenas notas são o estribilho entre a sordidez
e a ganancia de um velho compositor baiano a beira da velhice, destoando todo o
seu semblante sobre a juventude e se firmando como um dos mais brilhantes
expoentes de seu tempo nos dias atuais.
Ao se associar à Banda Cê,
há 6 anos, Caetano buscava dialogar com um público mais jovem e antenado, tal
qual o público jovem e antenado que comprou o Tropicalismo e abraçou sua
carreira, assim como abraçou Gil, Tom Zé, Gal, Mutantes e tantos outros. E ele
conseguiu este feito, pois conseguiu chegar a horizontes jovens antes nunca
alcançados por pessoas que não gostavam de MPB. Em Abraçaço, Caetano exorciza
lembranças, mágoas e tristezas, mas também festeja a vida, como em Parabéns (Caetano Veloso e Mauro Lima),
um e-mail de feliz aniversário que o diretor de Meu Nome Não é Johnny
enviou para o baiano, transformando-o num animado transaxé, cantando em loop os votos Tudo mega-bom, giga-bom, tera-bom, que por vezes parece que estamos
diante da nova onda de Odara.
O rock (ou transrock) embala
as duas primeiras músicas de um repertório de 11 faixas: a espetacular A Bossa Nova é foda e a faixa-título, Abraçaço. Na primeira, sob uma base
robusta e um riff insistente, Caetano brinca com seus enigmas e deve se
divertir pacas com as múltiplas interpretações que dão para suas letras. A
faixa é a que relaciona João Gilberto (chamado, na canção, de o bruxo de Juazeiro, ao lado do ouro francês, certamente o executivo
André Midani, responsável por lançar a Bossa Nova em disco) com ídolos do
vale-tudo nacional, como Rodrigo Minotauro,Vítor Belfort e Anderson Silva. De
certo, a bossa nova é foda!
Ei! Hoje eu mando um abraçaço
Ei! Hoje eu mando um abraçaço
Ei! Hoje eu mando um abraçaço
Ei! Hoje eu mando um Abraçaço
(Trecho de Abraçaço, de
Caetano Veloso)
A canção Abraçaço é bem mais rock, apesar da
levada reggaeira. A mágoa que Caetano derrama em versos como Tudo que não deu certo / sei que não tem
conserto / meu silêncio chorou, chorou encontra eco no solo distorcido de
Pedro Sá, coprodutor do disco ao lado do filho de Caetano, Moreno. A faixa é a
antessala da depressiva Estou triste,
que de tão depressiva, se torna uma das mais belas do disco. Estou triste, tão triste / E o lugar mais
frio do Rio / É o meu quarto, canta Caetano sobre um violão manicórdio, que
também não dispensa um solo lamurioso de Pedro. Embora tenha como tema a morte,
O império da lei quebra a melancolia
com referências diretas ao Pará, de onde os arranjos extraem a guitarrada e o
carimbó que embalam a faixa.
Com quase nove minutos de
música (que passam num piscar de olhos), a melancolia também dá o tom à épica Um comunista, a tão falada canção dos
longos minutos que Caetano fez em homenagem a Carlos Marighella (1911-1969). Em
um ano em que o guerrilheiro foi lembrado no cinema (Marighella, de Isa Grinspum
Ferraz), em livro (Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Brasil, de Mário
Magalhães) e teve sua anistia post mortem oficializada pelo governo brasileiro,
Caetano registra sua visão sobre a biografia do conterrâneo. Um risco e tanto
para o cantor, que risca o nome de Getúlio Vargas e o picha severamente como um
assassino.
No geral, Abraçaço
é um ótimo disco. Talvez o melhor dos três, incluindo Livro, Zii e Zie e Cê. Há
momentos inspirados que vão do Caetano clássico (Quero ser justo, Quando o galo
cantou) ao transcaetano, como no transrapfunkrockmacumba Funk melódico, tudo com vistas a
mergulhar num universo pop-rock-indie. Caetano manda o seu Abraçaço!
Abraçaço
/ Caetano Veloso
Nota
10
Marcelo
Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário