Tempo, de Julia Bosco |
A
cantora Julia Bosco lança o primeiro CD, Tempo, demonstrando que veio com
fome e vontade de ocupar um espaço nobre e elegante na música popular
brasileira. Filha de João Bosco e frequentadora das rodas de samba da Lapa
carioca, ela opta por canções que fogem ao que se poderia esperar dessas
referências e caminham em direção ao intimismo, à delicadeza e ao romantismo
nada piegas, mas que se manifesta nos mínimos detalhes cotidianos. É o que se percebe
logo na primeira faixa, Desavisados,
parceria com o marido Fabio Santanna, que também toca teclados e guitarra, além
de aparecer na autoria de todas as faixas do disco.
O álbum conta com duas
participações para lá de especiais. A primeira é a de Marcos Valle, nos vocais,
rhodes e moog de Curtição, nova
parceria do casal Julia e Fabio, marcada por um clima bem suingado e
ensolarado, graças à bateria e percussão de Ronaldo Silva e dos metais de
Marlon Sette, Altair Martins e José Carlos Bigorna. Agora as metas da cantora parecem
ficar clara nos versos: A curtição / É um
desejo / De perseguir / A minha estrada / Minha voz / Se faz presente / Num
canto solto / Que vagueia por aí.
A segunda participação
especial é de João Bosco, tocando violão na delicada Na Oração, que recita alguns versos como um poema: Na oração eu fecho os olhos / Ajoelho e
agradeço / Pela fé e proteção / Que renova meus defeitos / Ilumine meu caminho
/ Noite e dia, cada instante / E a luz que se faz única / Se revela agora e
sempre / Na oração. Também vale a pena prestar atenção na força dos vocais
de Cecília Spyer.
A sensualidade, com uma
pegada "caetaniana", aparece na gostosa Confusão, composta apenas por Fabio Santanna: Rapte-me, adapte-me, abrace-me / Jazz me com você / Com você, amor.
Já em Mesmo Princípio, é possível
sentir a influência de várias outras cantoras do pop nacional, como Marina Lima
e Fernanda Abreu. Ela é marcada pelo ótimo baixo de Lancaster Lopes, combinado
com a bateria de Ronaldo Silva. Os versos, novamente compostos pelo casal,
trazem um romantismo à flor da pele: Ainda
conservo / Tudo no mesmo lugar / Fica um vazio / Quando você não está / Sua
presença / Ainda sinto no ar.
O que falar então do dueto
de Julia Bosco e Fabio Santanna na "new bossa" Play a Fool, composta por ele, que assume ter sido um tolo e assume
que o período em que a amada esteve fora da vida dele foi o tempo em que esteve
em seus pensamentos. As desculpas parecem vir na delicada balada Tudo Sempre: Nem tudo o que você disser / Eu vou lembrar / Mas tudo que você lembrar
/ É onde eu vou estar / Nem tudo que já consegui / Você sabe eu não agi bem /
Mas vamos esquecer as dores / Se eu te faço bem.
Em Dia Santo, Julia Bosco estabelece mais um diálogo com Marina Lima.
Apesar das referências claramente africanas, reforçadas pela percussão e bateria
de Ronaldo Silva, Julia canta Eu vi o rei
chegar / Eu vi o céu se abrir / Vi você se aproximar / Vi a luz cegar. Em
1993, Marina Lima gravou uma canção chamada justamente Eu Vi o Rei Chegar: Eu vi o
rei chegar / Um rei assim / Que não escuta bem / Que adora luz / Mas não vê
ninguém.
O clima cool segue na
divertida Carta para uma amiga, que
opta por um recurso caro à música popular brasileira - da carta ou do diálogo
em que se escuta apenas uma das partes. Basta lembrar das sempre clássicas e
inesquecíveis Sinal Fechado, de
Paulinho da Viola; e Bye Bye Brasil,
de Chico Buarque e Roberto Menescal. Em seguida, vem o ótimo samba reggae
cadenciado Mutantes. Nessa canção, os
vocais de Fabio Santanna remete também ao racional Tim Maia.
Tudo
Bem
começa com uma pitada salseira, marcada pelos metais de Marlon Sette e Altair
Martins, e pelos rhodes de Ge Fonseca. Já a referência da gostosa Angel parece ser o músico, cantor e
compositor francês Serge Gainsbourg. Para encerrar, a doce Tempo, de Fabio Santanna, é marcada pela bonita voz de Julia Bosco,
em total harmonia com o piano e o órgão de Ge Fonseca: Deixe marcas no meu rosto / Venha triste e então prossiga / E me ensine
a aprender com a dor / Mas não me deixe esquecer / Sempre há algum tempo....
Tempo não
é, definitivamente, um álbum com grandes inovações e com pretensões de renovar
a música brasileira. Talvez justamente por vir como algo despretensioso, é
extremamente prazeroso de se ouvir e marca uma estreia de gente grande, de quem mostra vontade de vir para ficar. E depois de
ouvi-lo bem que dá vontade de aproveitar as tardes ensolaradas desse verão e
sair para namorar. Ah, e na produção aparece também Plínio Profeta, cujo nome
você deve estar se acostumando a sempre encontrar nessas resenhas de CDs como
sinônimo de qualidade.
Acompanhe o tempo de Júlia Bosco. Soboreie Júlia Bosco. Ela veio para ficar.
Nota
10
Tempo
/ Julia Bosco
Marcelo
Teixeira
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