quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Tempo de Julia Bosco


Tempo, de Julia Bosco
A cantora Julia Bosco lança o primeiro CD, Tempo, demonstrando que veio com fome e vontade de ocupar um espaço nobre e elegante na música popular brasileira. Filha de João Bosco e frequentadora das rodas de samba da Lapa carioca, ela opta por canções que fogem ao que se poderia esperar dessas referências e caminham em direção ao intimismo, à delicadeza e ao romantismo nada piegas, mas que se manifesta nos mínimos detalhes cotidianos. É o que se percebe logo na primeira faixa, Desavisados, parceria com o marido Fabio Santanna, que também toca teclados e guitarra, além de aparecer na autoria de todas as faixas do disco.

O álbum conta com duas participações para lá de especiais. A primeira é a de Marcos Valle, nos vocais, rhodes e moog de Curtição, nova parceria do casal Julia e Fabio, marcada por um clima bem suingado e ensolarado, graças à bateria e percussão de Ronaldo Silva e dos metais de Marlon Sette, Altair Martins e José Carlos Bigorna. Agora as metas da cantora parecem ficar clara nos versos: A curtição / É um desejo / De perseguir / A minha estrada / Minha voz / Se faz presente / Num canto solto / Que vagueia por aí.

A segunda participação especial é de João Bosco, tocando violão na delicada Na Oração, que recita alguns versos como um poema: Na oração eu fecho os olhos / Ajoelho e agradeço / Pela fé e proteção / Que renova meus defeitos / Ilumine meu caminho / Noite e dia, cada instante / E a luz que se faz única / Se revela agora e sempre / Na oração. Também vale a pena prestar atenção na força dos vocais de Cecília Spyer.

A sensualidade, com uma pegada "caetaniana", aparece na gostosa Confusão, composta apenas por Fabio Santanna: Rapte-me, adapte-me, abrace-me / Jazz me com você / Com você, amor. Já em Mesmo Princípio, é possível sentir a influência de várias outras cantoras do pop nacional, como Marina Lima e Fernanda Abreu. Ela é marcada pelo ótimo baixo de Lancaster Lopes, combinado com a bateria de Ronaldo Silva. Os versos, novamente compostos pelo casal, trazem um romantismo à flor da pele: Ainda conservo / Tudo no mesmo lugar / Fica um vazio / Quando você não está / Sua presença / Ainda sinto no ar.

O que falar então do dueto de Julia Bosco e Fabio Santanna na "new bossa" Play a Fool, composta por ele, que assume ter sido um tolo e assume que o período em que a amada esteve fora da vida dele foi o tempo em que esteve em seus pensamentos. As desculpas parecem vir na delicada balada Tudo Sempre: Nem tudo o que você disser / Eu vou lembrar / Mas tudo que você lembrar / É onde eu vou estar / Nem tudo que já consegui / Você sabe eu não agi bem / Mas vamos esquecer as dores / Se eu te faço bem.

Em Dia Santo, Julia Bosco estabelece mais um diálogo com Marina Lima. Apesar das referências claramente africanas, reforçadas pela percussão e bateria de Ronaldo Silva, Julia canta Eu vi o rei chegar / Eu vi o céu se abrir / Vi você se aproximar / Vi a luz cegar. Em 1993, Marina Lima gravou uma canção chamada justamente Eu Vi o Rei Chegar: Eu vi o rei chegar / Um rei assim / Que não escuta bem / Que adora luz / Mas não vê ninguém.

O clima cool segue na divertida Carta para uma amiga, que opta por um recurso caro à música popular brasileira - da carta ou do diálogo em que se escuta apenas uma das partes. Basta lembrar das sempre clássicas e inesquecíveis Sinal Fechado, de Paulinho da Viola; e Bye Bye Brasil, de Chico Buarque e Roberto Menescal. Em seguida, vem o ótimo samba reggae cadenciado Mutantes. Nessa canção, os vocais de Fabio Santanna remete também ao racional Tim Maia.

Tudo Bem começa com uma pitada salseira, marcada pelos metais de Marlon Sette e Altair Martins, e pelos rhodes de Ge Fonseca. Já a referência da gostosa Angel parece ser o músico, cantor e compositor francês Serge Gainsbourg. Para encerrar, a doce Tempo, de Fabio Santanna, é marcada pela bonita voz de Julia Bosco, em total harmonia com o piano e o órgão de Ge Fonseca: Deixe marcas no meu rosto / Venha triste e então prossiga / E me ensine a aprender com a dor / Mas não me deixe esquecer / Sempre há algum tempo....

Tempo não é, definitivamente, um álbum com grandes inovações e com pretensões de renovar a música brasileira. Talvez justamente por vir como algo despretensioso, é extremamente prazeroso de se ouvir e marca uma estreia de gente grande, de quem mostra vontade de vir para ficar. E depois de ouvi-lo bem que dá vontade de aproveitar as tardes ensolaradas desse verão e sair para namorar. Ah, e na produção aparece também Plínio Profeta, cujo nome você deve estar se acostumando a sempre encontrar nessas resenhas de CDs como sinônimo de qualidade.
 
Acompanhe o tempo de Júlia Bosco. Soboreie Júlia Bosco. Ela veio para ficar.



Nota 10

Tempo / Julia Bosco



Marcelo Teixeira

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