Transa é
um dos discos mais cultuados de Caetano Veloso, sobretudo pelo público que
curte a recente imersão do cantor e compositor brasileiro no indie rock, feita
a partir do superestimado Cê (2006). Tanto que, dentro das
comemorações dos 70 anos do artista, a Universal Music apresenta ao mercado
fonográfico brasileiro oportuna reeedição de Transa, primorosamente
remasterizada por Steve Rooke no estúdio Abbey Road, em Londres, cidade que
gerou o LP produzido pelo inglês Ralph Mace e lançado no Brasil em 1972 na
volta de Caetano de seu forçado exílio político. O álbum retorna ao catálogo
nos formatos de CD e vinil. Em ambas as modalidades, a reedição recupera o
projeto gráfico original do ator e diretor baiano Álvaro Guimarães, criador do
discobjeto, evidentemente melhor apreciado na forma de LP.
De todo modo, ouvido 40 anos
depois e analisado em perspectiva, Transa justifica o culto porque sua
conexão pop Brasil-Londres conserva frescor. Como Cê, Transa não apresenta a
melhor coleção de canções de Caetano Veloso. Com afetivos vocais de Gal Costa, Neolithic Man (Caetano Veloso) - por
exemplo - passa longe das criações mais inspiradas do compositor. A força de Transa
reside na sonoridade - no caso, urdida por Jards Macalé, arranjador e diretor
musical do show. Menos interiorizado do que o tristonho primeiro álbum londrino
do artista (Caetano Veloso, 1971), Transa está impregnado de
brasilidade, exposta com orgulho já nos trechos em português de You Don't Know me (Caetano Veloso),
música em inglês que abre o álbum, na qual Gal Costa cita Saudosismo (Caetano Veloso, 1968), expressando uma saudade do
Brasil, latente no disco.
Mas Transa jamais pode ser
visto como um disco brasileiro feito em Londres. A brasilidade do álbum -
explícita em Triste Bahia (Gregório
de Mattos e Caetano Veloso), faixa embebida em baianidade nagô que agrega
elementos de samba de roda e capoeira - é filtrada por ótica pop, mais
globalizada. Fruto dos ares libertários da Tropicália, movimento que Caetano
arquitetara com Gilberto Gil (companheiro de exílio e de revoluções estéticas),
Transa
se beneficiou dessa quebra de fronteiras musicais para conectar Luiz Gonzaga
(1912 - 1989) aos Beatles ou, em última instância, o Brasil ao mundo, ao
universo pop. Tal conexão deu fôlego ao artista saudoso de sua terra. I'm alive, suspira o astro sobrevivente
ao narrar em Nine Out of Ten (Caetano
Veloso) a descoberta do reggae em Portobello
Road (rua do bairro londrino de Notting Hill). Nine Out of Ten não é um reggae, mas em alguns compassos reproduz a
levada do ritmo jamaicano numa época em que nenhum artista brasileiro tinha se
banhado nessa praia.
Transa é
disco hábil na costura de referências musicais. It's a Long Way (Caetano Veloso) cita Consolação (Baden Powel e Vinicius de Moraes, 1964). A releitura de
Mora na Filosofia (Arnaldo Passos e
Monsueto Menezes) é a lembrança nada ortodoxa do samba da pátria amada. Ao fim,
Nostalgia (That's What Rock'n'Roll Is All
About) traz a gaita de Ângela Ro Ro - em sua primeira aparição em disco -
com som que remete brevemente ao universo musical de Bob Dylan. Enfim, Transa
conectou Caetano Veloso ao mundo - com saudade do Brasil, mas com doses iguais
de esperança e melancolia. É álbum
clássico que, após 40 anos, tem sua força reiterada nesta boa reedição.
Título: Transa
Artista: Caetano Veloso
Gravadora da edição original
de 1972: Philips
Gravadora da reedição de
2012: Universal Music
Nota 8
Marcelo Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário