Vagabundo, de 2003: ótimo |
A
inspiração vem de onde? Assim começa a música Transpiração, do mestre Itamar Assumpção em parceria com Alzira
Espíndola e que deixa nítida a sensação de que a inspiração do disco Vagabundo
(2003 / Som Livre / 35,99) vem de boa parte de Ney Matogrosso, cantando
maravilhosamente bem neste disco e de boa parte do grupo A Parede, liderada por
Pedro Luís, hoje integrante do Monobloco e marido de Roberta Sá. A ideia de
juntar o antigo e o novo, o que é ótimo com a qualidade extrema de bom gosto e
jovialidade inquietante de hoje, fez deste disco merecedor de aplausos efusivos
e contagiantes e não deixa dúvidas de que foi o melhor lançamento do ano de
2003 (comprovado por vários críticos de música) como na carreira de ambos os
cantores. A inspiração vem da ideia de quem juntou Ney Matogrosso e A Parede,
vem da transpiração de ambos, vem das músicas aqui prestadas neste álbum.
Mas o disco é um punhado de
mensagens fortes e agressivas e nem por isso deixa de ser belo e cantante. Músicas
realmente com contexto aflorado não deixam resquícios de que Pedro Luís é um
mestre na arte de compor de deixar sua marca registrada naquilo que faz. Ney dá
o tom de colocar sua bela voz em todas as músicas e, como o próprio Ney disse
em varias entrevistas, “achar Pedro Luís foi dar vida a sua carreira”.
Abrindo com a provocante A Ordem é Samba, lançada em 1966, Ney
foi buscar no fundo do baú uma relíquia de Jackson do Pandeiro e cantá-la neste
disco foi uma afronta para o mundo musical quando o álbum foi lançado: no
momento, o que mais se ouvia era pagode, grupinhos sem nexo dançando na mesma
embarcação e deslanchando em um final nada pomposo. Deixando a deixa para Pedro
Luís vir em seguida com Seres Tupy,
uma provocação com a pobreza social e as mazelas que somente ele sabe retratar
tão bem, com a frase marcante “de Porto
Alegre ao Acre, a pobreza só muda o sotaque”. Vale ressaltar que Ney já
gravou a música Miséria no Japão (também
de Pedro Luís) no belo álbum Olhos de Farol (2000), iniciando ai
uma bela parceria.
De uns tempos para cá, Ney
anda fazendo homenagens a Itamar Assumpção, morto em 2003, pincelando ótimas
regravações do artista maldito, como era conhecido. Foi assim com as músicas Transpiração e Finalmente, esta de uma delicadeza profunda sobre a espera de um
beijo e o ato de amar. Regravou também Disritmia,
de Martinho da Vila, fazendo uma versão mais intimista da música e trouxe um
pouco de Secos e Molhados com a bela regravação de Assim Assado, numa provocante
releitura.
Os músicos e compositores
Antônio Saraiva e Wilson das Neves participam da música Vagabundo, que dá título ao disco, sendo Antônio nos arranjos e
sax-tenor e Wilson no contra-tempo, tamborins e caixas. A música não é das mais
fáceis de ser cantadas, mas a levada rítmica faz dela um achado e tanto.
Ney e A Parede |
Pedro Luís provoca e deixa
muita gente inquieta nas belas músicas Interesse,
aonde tem em seus versos as frases “acenda
uma vela pra Deus e outra pro diabo”, com uma entonação de Ney profunda e
forte, em Noite Severina (cada ser tem sonhos a sua maneira) e na
arrebatadora Jesus (vamos tirar Jesus da Cruz). Inquietante
e provocadores, Pedro Luís não se intimidou ao lançar o disco e ninguém se
sentiu humilhado ou ofendido com as frases. As músicas são bonitas, dançantes e
nos faz pensar sobre as questões religiosas, humanitárias e a forma de
expressar tanto do compositor quanto do cantor foram unanimes para o bom
resultado das canções.
Napoleão é
divertida e denota aquilo que todos sabem: o lado homossexual do ditador
francês perante seu reinado. Tempo Afora
é singela, sensível de um magnetismo único, retratando a dura penalidade de
amar. Fechando com chave de ouro, pincelaram de André Azambuja a ótima O Mundo com a frase “todos somos filhos de Deus, só não falamos a
mesma língua”.
Um disco para ficar na
história da MPB e na melhor parte de sua coleção. Ney canta e encanta e parece
cantar ainda melhor, no alto de sua sabedoria e não se importa com os dizeres
maléficos de que não cantava mais nada e que estava fadado aos tempos de Secos
e Molhados. Em Vagabundo, ele arrebenta, solta a voz, pula, dança e revigora o
soberbo mundo da MPB.
Faixas
01 – A Ordem é Samba
(Jackson do Pandeiro / Severino Ramos)
02 – Seres Tupy
(Pedro Luís)
03 – Transpiração
(Alzira Espíndola / Itamar Assumpção)
04 – Interesse (Suely
Mesquita / Pedro Luís)
05 – Assim Assado
(João Ricardo)
06 – Noite Severina
(Lula Queiroga / Pedro Luís)
07 – Vagabundo
(Antônio Saraiva)
Part. Especial de Antônio
Saraiva e Wilson das Neves
08 – Inspiração
(Gilberto Mendonça Teles / Pedro Luís)
09 – Disritmia
(Martinho da Vila)
10 – Napoleão (Luhli
/ Lucinha)
11 – Tempo Afora
(Fred Martins / Marcelo Diniz)
12 – Jesus (Gustavo
Valente / Lucas de Oliveira / Dado / André Pessoa / Rodrigo Cabelo / Beto
Valente / Pedro Luís)
13 – Finalmente
(Itamar Assumpção / Alzira Espíndola / Paulo Salles)
Bônus
14 – O Mundo (André
Azambuja)
Direção de Produção de João Mario Linhares e Carlos
Martau
Direção Musical de Ney Matogrosso, Pedro Luís e A Parede
Nota 10
Marcelo Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário