terça-feira, 15 de maio de 2012

Ney Matogrosso e Pedro Luís e A Parede fazem o belo disco Vagabundo


Vagabundo, de 2003: ótimo
A inspiração vem de onde? Assim começa a música Transpiração, do mestre Itamar Assumpção em parceria com Alzira Espíndola e que deixa nítida a sensação de que a inspiração do disco Vagabundo (2003 / Som Livre / 35,99) vem de boa parte de Ney Matogrosso, cantando maravilhosamente bem neste disco e de boa parte do grupo A Parede, liderada por Pedro Luís, hoje integrante do Monobloco e marido de Roberta Sá. A ideia de juntar o antigo e o novo, o que é ótimo com a qualidade extrema de bom gosto e jovialidade inquietante de hoje, fez deste disco merecedor de aplausos efusivos e contagiantes e não deixa dúvidas de que foi o melhor lançamento do ano de 2003 (comprovado por vários críticos de música) como na carreira de ambos os cantores. A inspiração vem da ideia de quem juntou Ney Matogrosso e A Parede, vem da transpiração de ambos, vem das músicas aqui prestadas neste álbum.
Mas o disco é um punhado de mensagens fortes e agressivas e nem por isso deixa de ser belo e cantante. Músicas realmente com contexto aflorado não deixam resquícios de que Pedro Luís é um mestre na arte de compor de deixar sua marca registrada naquilo que faz. Ney dá o tom de colocar sua bela voz em todas as músicas e, como o próprio Ney disse em varias entrevistas, “achar Pedro Luís foi dar vida a sua carreira”.
Abrindo com a provocante A Ordem é Samba, lançada em 1966, Ney foi buscar no fundo do baú uma relíquia de Jackson do Pandeiro e cantá-la neste disco foi uma afronta para o mundo musical quando o álbum foi lançado: no momento, o que mais se ouvia era pagode, grupinhos sem nexo dançando na mesma embarcação e deslanchando em um final nada pomposo. Deixando a deixa para Pedro Luís vir em seguida com Seres Tupy, uma provocação com a pobreza social e as mazelas que somente ele sabe retratar tão bem, com a frase marcante “de Porto Alegre ao Acre, a pobreza só muda o sotaque”. Vale ressaltar que Ney já gravou a música Miséria no Japão (também de Pedro Luís) no belo álbum Olhos de Farol (2000), iniciando ai uma bela parceria.
De uns tempos para cá, Ney anda fazendo homenagens a Itamar Assumpção, morto em 2003, pincelando ótimas regravações do artista maldito, como era conhecido. Foi assim com as músicas Transpiração e Finalmente, esta de uma delicadeza profunda sobre a espera de um beijo e o ato de amar. Regravou também Disritmia, de Martinho da Vila, fazendo uma versão mais intimista da música e trouxe um pouco de Secos e Molhados com a bela regravação de Assim Assado, numa provocante releitura.
Os músicos e compositores Antônio Saraiva e Wilson das Neves participam da música Vagabundo, que dá título ao disco, sendo Antônio nos arranjos e sax-tenor e Wilson no contra-tempo, tamborins e caixas. A música não é das mais fáceis de ser cantadas, mas a levada rítmica faz dela um achado e tanto.
Ney e A Parede
Pedro Luís provoca e deixa muita gente inquieta nas belas músicas Interesse, aonde tem em seus versos as frases “acenda uma vela pra Deus e outra pro diabo”, com uma entonação de Ney profunda e forte, em Noite Severina (cada ser tem sonhos a sua maneira) e na arrebatadora Jesus (vamos tirar Jesus da Cruz). Inquietante e provocadores, Pedro Luís não se intimidou ao lançar o disco e ninguém se sentiu humilhado ou ofendido com as frases. As músicas são bonitas, dançantes e nos faz pensar sobre as questões religiosas, humanitárias e a forma de expressar tanto do compositor quanto do cantor foram unanimes para o bom resultado das canções.
Napoleão é divertida e denota aquilo que todos sabem: o lado homossexual do ditador francês perante seu reinado. Tempo Afora é singela, sensível de um magnetismo único, retratando a dura penalidade de amar. Fechando com chave de ouro, pincelaram de André Azambuja a ótima O Mundo com a frase “todos somos filhos de Deus, só não falamos a mesma língua”.
Um disco para ficar na história da MPB e na melhor parte de sua coleção. Ney canta e encanta e parece cantar ainda melhor, no alto de sua sabedoria e não se importa com os dizeres maléficos de que não cantava mais nada e que estava fadado aos tempos de Secos e Molhados. Em Vagabundo, ele arrebenta, solta a voz, pula, dança e revigora o soberbo mundo da MPB.

Faixas

01 – A Ordem é Samba (Jackson do Pandeiro / Severino Ramos)
02 – Seres Tupy (Pedro Luís)
03 – Transpiração (Alzira Espíndola  / Itamar Assumpção)
04 – Interesse (Suely Mesquita / Pedro Luís)
05 – Assim Assado (João Ricardo)
06 – Noite Severina (Lula Queiroga / Pedro Luís)
07 – Vagabundo (Antônio Saraiva)
Part. Especial de Antônio Saraiva e Wilson das Neves
08 – Inspiração (Gilberto Mendonça Teles / Pedro Luís)
09 – Disritmia (Martinho da Vila)
10 – Napoleão (Luhli / Lucinha)
11 – Tempo Afora (Fred Martins / Marcelo Diniz)
12 – Jesus (Gustavo Valente / Lucas de Oliveira / Dado / André Pessoa / Rodrigo Cabelo / Beto Valente / Pedro Luís)
13 – Finalmente (Itamar Assumpção / Alzira Espíndola / Paulo Salles)

Bônus

14 – O Mundo (André Azambuja)


Direção de Produção de João Mario Linhares e Carlos Martau
Direção Musical de Ney Matogrosso, Pedro Luís e A Parede

Nota 10

Marcelo Teixeira

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